INCISO XXX – DIREITO DE HERANÇA
O direito de herança é garantido aos cidadãos brasileiros por meio do inciso XXX do artigo 5º da Constituição Federal de 1988, em conjunto com o artigo 1.784 e seguintes do Código Civil brasileiro. Esse direito garante que os bens na posse de alguém que faleça sejam transmitidos a seus herdeiros legítimos ou testamentários.
Quer saber mais sobre o que é e como funciona esse direito fundamental, bem como sua devida importância e seu histórico? A Civicus em parceria com a Politize! e o Instituto Mattos Filho vão esclarecer esse direito em mais um texto do projeto Artigo Quinto.
O QUE DIZ O INCISO XXX?
O inciso XXX do artigo 5º assegura que:
é garantido o direito de herança;
O conceito de herança, presente nesse trecho da Constituição, é consequência do direito de propriedade (inciso XXII) e garante que, em caso de falecimento, os bens deixados pelo falecido sejam transferidos aos seus herdeiros, sejam eles necessários – filhos, descendentes, ascendentes e cônjuge – ou facultativos – aqueles nomeados pelo falecido em testamento.
As regras gerais e procedimentos que norteiam o direito de herança estão fixadas nos artigos 1.784 a 1.856 do Código Civil. Antes de prosseguirmos, é necessário elucidar o significado de alguns conceitos que serão fundamentais para a compreensão do texto.
- Ascendente: são os antecessores e antepassados de alguém, ou seja, de quem se descende. A título de exemplo, podemos citar avós e pais.
- Descendente: são os indivíduos que descendem de nós. Exemplos de descendentes são filhos e netos, biológicos ou adotivos.
- De cujus: palavra em latim, comumente utilizada no meio jurídico, para referir-se ao falecido cujos bens estão registrados em um inventário.
Vale ressaltar que a amplitude, o conteúdo e os modos do exercício do direito de herança poderiam ser regulamentados de muitas formas pela legislação ordinária. Atualmente vigoram disposições que, apesar de contemplar a herança a testamentários, protegem especialmente os familiares do de cujus. Isso porque o Código Civil determina nos artigos 1.846 e 1.857, § 1º, que, necessariamente, pelo menos metade do patrimônio da herança deve ser destinada a herdeiros necessários. Essa parcela da herança é denominada “legítima”.
Além disso, é comum utilizar o termo “herança” para designar os bens de alguém vivo. Entretanto, esse emprego é equivocado, afinal, não existe herança antes do falecimento.
É apenas após o óbito que o direito sucessório — e, portanto, a herança — começa a existir. Os bens de uma pessoa, antes do seu falecimento, são garantidos pelo direito de propriedade.
E se o falecido não tiver herdeiros?
Em caso de o falecido não ter herdeiros necessários ou facultativos, sua propriedade será transmitida ao poder público, que direcionará os respectivos bens à comunidade em que estão situados, conforme estabelecido pelo artigo 1.844 do Código Civil. Contudo, essa não é a regra geral, e ocorre apenas na ausência de qualquer tipo de herdeiro, ou seja, em casos excepcionais.
A HISTÓRIA DO DIREITO DE HERANÇA NO BRASIL
A herança e a proteção do direito de ascendentes e descendentes têm suas raízes no direito português. Nesse contexto, é importante lembrar que o Brasil foi colônia de Portugal durante 322 anos e, portanto, influenciado por sua cultura. Prova disso está no nosso idioma: o português. Dessa maneira, para que se possa compreender o histórico do direito de herança no Brasil, é necessário entender sua história em Portugal.
Inicialmente, a legislação portuguesa assegurava aos herdeiros necessários no mínimo dois terços da herança deixada pelo de cujus, sendo que o terço restante poderia ser direcionado a testamentários, se essa fosse a vontade do indivíduo.
A exceção era quando o falecido não tinha sucessores, caso em que seriam possíveis a livre disposição e a consequente transmissão total dos bens para algum terceiro.
Essa lógica explica-se pela forte influência que a Igreja Católica tinha na época. Para o clero, os interesses familiares deveriam ser protegidos e, dessa forma, a herança deveria ser transmitida para ascendentes e descendentes.
Mais tarde, no século XX, a parcela que o testador poderia designar a um terceiro aumentou de um terço para metade do total de seus bens. Consequentemente, a parcela de direito de ascendentes e descendentes diminuiu. Essa conjuntura foi mantida no Brasil em seguidos diplomas legais.
A Constituição de 1988 foi o primeiro texto constitucional brasileiro a elevar o direito de herança ao patamar de garantia fundamental. Isso significa que o constituinte se preocupou em assegurá-lo de forma autônoma e não apenas como decorrência do direito de propriedade.
A legislação infraconstitucional pode, todavia, trazer novas regras sobre como esse direito será exercido e até mesmo limitá-lo, criando, por exemplo, tributos sobre a herança. Nesse sentido, é importante esclarecer que a própria Constituição, no artigo 155, inciso I, estabeleceu que os estados deveriam instituir impostos sobre as heranças. Em qualquer caso, porém, a garantia descrita pelo inciso XXX do artigo 5º deve ser respeitada.
A RELEVÂNCIA DO DIREITO DE HERANÇA
O direito de herança é apoiado pelo princípio da autonomia da vontade privada, sendo uma consequência do inciso XXII, referente ao direito de propriedade.
Entretanto, como vimos acima , essa autonomia é restrita pelo limite legal atribuído ao testador para dispor de seus bens. Essa limitação justifica-se pela noção histórica de família como núcleo da sociedade em que a pessoa nasce, vive e mantém relações.
Ademais, cria-se uma noção de perpetuidade do patrimônio construído pelo de cujus, evidenciada pela escolha legislativa de estabelecer que pelo menos 50% deste será destinado a seus ascendentes e descendentes. Nesse sentido, o regramento do direito de herança também tem papel importante na circulação de bens. Isso porque, ao falecer, o de cujus pode transferir a posse de suas propriedades a herdeiros necessários, testamentários ou, em casos excepcionais, à sociedade.
Por outro lado, uma proteção excessiva ao direito de herança – com a adoção, por exemplo, de uma política tributária muito tímida sobre os bens herdados – pode agravar a concentração de riqueza no Brasil.
O DIREITO DE HERANÇA NA PRÁTICA
Como visto anteriormente, o direito de herança é garantido no inciso XXX do artigo 5° da Constituição Federal. Entretanto, ele é disciplinado pelo Código Civil:
Art. 1.784. Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários.
Assim, o artigo estabelece que, automaticamente após a morte do titular do patrimônio, ocorra a transmissão dos bens aos seus herdeiros legítimos e testamentários, se houver.
Embora automática, essa transmissão não ocorre de forma individualizada para cada herdeiro, o que acontece apenas durante a partilha dos bens. Em vez disso, a transferência é feita de forma universal por meio do que chamamos de espólio, denominação jurídica para o inventário de todo o patrimônio do falecido. A partilha dos bens vem depois disso.
Por meio do espólio, que é a representação da totalidade dos patrimônios disponíveis para a transmissão, todos aqueles que têm direito à herança do de cujus, juntamente, passam a ser titulares dos direitos do falecido. Esses bens, em um momento posterior, serão devidamente divididos entre as partes, que incluem os herdeiros legítimos e, se for o caso, testamentários.
Esse conteúdo foi publicado originalmente em dezembro/2019 e atualizado em setembro/2023 com objetivo de democratizar o conhecimento jurídico sobre o tema de forma simples para toda população. Para acessar maiores detalhes técnicos sobre o assunto, acesse o Livro do Projeto Artigo Quinto.
Autores:
Gregory Terry Ubillus
Matheus Silveira
Mariana Mativi