Como é decidido qual ministro do STF vai relatar qual processo? Em alguns casos, a sociedade tem se perguntado se “não será muita coincidência que o processo x tenha caído com ministro y?” Para notar a importância da questão, basta lembrar a apreensão de todo o país com o sorteio do novo relator da Lava-Jato após o falecimento do Ministro Teori Zavascki.
A distribuição dos processos no STF ou em qualquer tribunal tem que seguir o mesmo pressuposto básico: o juiz não escolhe que casos vai julgar e as pessoas não decidem que juízes julgarão seus casos. Mas como isso funciona?
AS REGRAS DE DISTRIBUIÇÃO DE PROCESSOS NO STF
No que diz respeito ao STF, as regras estão no Regimento Interno do STF (RISTF) e o pouco que sabemos sobre como isso funciona na prática está em informações apuradas por jornais.
No capítulo III do RISTF, estão sistematizadas as regras do regimento sobre a distribuição de processos. O regimento define que:
“A distribuição será feita por sorteio ou prevenção, mediante sistema informatizado, acionado automaticamente, em cada classe de processo.”
Mas o que é classe de processo? Por hora, o leitor deve saber que quando acionamos o judiciário, é para pedir algo (a liberdade de alguém, uma indenização ou a guarda de uma criança). A classe processual deve ser adequada ao pedido que se quer fazer. Por exemplo, se quero pedir que alguém preso seja posto em liberdade, a classe processual é o habeas corpus. Todas as classes são distribuídas segundo as regras que falaremos em seguida. Feito esse parênteses, vamos voltar para a distribuição dos processos.
PREVENÇÃO, SORTEIO E OUTRAS REGRAS
O RISTF diz que a distribuição será feita por sorteio ou prevenção.
Mas o que é distribuição por prevenção?
Prevenção ocorre quando um processo já tem um responsável fixo decidido em sorteio anterior, não sendo necessário outro sorteio. Seria pouco eficiente que recursos que digam respeito à Operação Lava-Jato fossem distribuídos a um novo juiz, que não está familiarizado com a questão. Assim, esses casos serão diretamente endereçados ao relator da matéria. Se a hipótese não é de prevenção, recorre-se ao sorteio.
E como se dá o sorteio? O Regimento define que:
“O sistema informatizado de distribuição automática e aleatória de processos é público, e seus dados são acessíveis aos interessados.”
Ou seja, o sorteio é feito por um sistema informatizado, público e acessível, que distribui os processos de maneira automática e aleatória. Antes de falarmos desse sistema, é preciso falar de outra questão: seriam essas as únicas regras? Não, a prevenção e o sorteio são as principais regras da distribuição.
No entanto, o RISTF discorre também sobre inúmeras outras regras. Algumas delas são:
- O processo não pode ser distribuído ao Presidente do STF para não o sobrecarregar, nem ao vice-presidente quando este estiver ocupando o cargo;
- O processo não pode ser distribuído a cargo vago, ministro licenciado ou em missão oficial por mais de 30 dias;
- Caso o ministro seja declarado suspeito ou impedido, novo sorteio será realizado;
- O ministro que estiver ocupando a vaga de Presidente do TSE será excluído da distribuição de processos com pedido de liminar – mesmo em caso de prevenção – já que liminares precisam ser decididas rapidamente;
- Se o processo envolver ato cometido por ministro, ele será excluído da distribuição;
- Se um inquérito policial – ação que visa investigar e averiguar os fatos – for distribuído a um ministro, a ação penal resultante desse inquérito deverá ser distribuída ao mesmo ministro. Por exemplo, Joaquim Barbosa foi relator do Inquérito 2245, que averiguou os fatos do “mensalão”, e posteriormente da Ação Penal 470, que apurou os responsabilidade dos envolvidos;
- E outras regras no RISTF, entre os artigos 66 e 77-D.
Segundo o RISTF, quando um processo precisa ser distribuído a um ministro devido à regra da prevenção, ou não pode ser distribuído a um ministro em missão oficial, essas distribuições são compensadas posteriormente. Isso ocorre para evitar uma distribuição desigual entre os ministros. No entanto, o RISTF não é claro sobre como essas compensações são feitas.
Agora que falamos da prevenção, do sorteio e de outras regras, vamos explicar o sistema informatizado.
Entenda: como acontece a indicação de ministro do STF?
SISTEMA INFORMATIZADO
O RISTF diz que um sistema informatizado distribuirá os processos automaticamente e aleatoriamente. Mas como esse sistema sabe que o ministro “x” está ausente? Como o sistema sabe que, por prevenção, dado processo deve ser distribuído ao ministro “y”? Há muita dúvida em torno do funcionamento desse sistema.
Recentemente, a Resolução n.558 de 2015 ajudou a esclarecer alguns pontos. Segundo a Resolução, a distribuição somente será realizada por servidor ocupante de cargo efetivo ou de confiança, não podendo ser feita por funcionário terceirizado ou por estagiário. Ou seja, o sistema informatizado que fará a distribuição é alimentado por um funcionário público.
Mas que informações esse funcionário deve fornecer ao sistema informatizado? Deverá informar o número do processo, os ministros excluídos da distribuição e em que dispositivo normativo se baseou para tomar essa decisão.
Por exemplo, o Art. 73 do RISTF diz que o relator de uma arguição de suspeição a ministro – ou seja, quando alguém alega que o juiz é suspeito para julgar uma questão em virtude de seu vínculo com uma das partes – deverá ser relatada pelo Presidente do Tribunal. Por exemplo, quando Rodrigo Janot ainda estava na Procuradoria Geral da República, ele arguiu a suspeição de Gilmar Mendes para julgar os casos envolvendo Jacob Barata tendo em vista o contato do ministro com a família do empresário. A relatoria da questão ficou com Cármen Lúcia, por ela ser a Presidente.
Assim, o funcionário deveria excluir todos os ministros da distribuição, exceto o presidente, e deveria justificar a exclusão com base no Art. 73. Ao fim do processo de distribuição, a justificativa inserida no sistema deverá constar no processo informatizado. Posteriormente, deverá ser validada formalmente pelo Coordenador de Processamento Inicial ou pelo Secretário Judicial.
Esse é o modo como acredita-se que a distribuição é feita quando analisamos a Resolução e o RISTF. No entanto, não se sabe muito sobre como a distribuição ocorre de fato, exceto pelos fatos apurados pelos jornais.
Segundo a Folha, por exemplo, os ministros geralmente não acompanham o sorteio, que costuma ser realizado em um anexo no segundo andar do STF. O jornal também esclarece o funcionamento do software, o que não pode ser encontrado no RISTF.
Segundo o jornal, o sorteio funcionaria como uma régua que vai do número 1 ao 100. O STF tem 11 ministros, exclui-se o presidente, e cada um dos demais tem um espaço igual da régua, ou seja, 10 números. Por exemplo, se cair entre os números 1 e 10, o processo vai para o ministro A, se cair entre os números 11 e 20, o processo vai para o ministro B, e assim por diante.
No entanto, a depender das regras vistas, por exemplo, ministros ausentes e impedidos, o espaço dos demais ministros na régua aumenta, assim como a probabilidade de serem escolhidos para relatar um determinado processo. Novamente, não fica evidente como a posterior compensação seria feita e muitas perguntas precisam ser respondidas.
Recentemente, em virtude das controvérsias em torno da distribuição de processos, um cidadão entrou com um pedido de acesso à informação – com base na Lei de Acesso à Informação (LAI) – requerendo o código-fonte do sistema informatizado que realiza a distribuição. A resposta para esse pedido foi negativa. O STF alegou que a distribuição “é feita através de um sistema informatizado desenvolvido pela equipe de Tecnologia da Informação da Corte, o qual utiliza um algoritmo que realiza o sorteio do relator de forma aleatória” e argumentou ausência de previsão em lei obrigando o STF a divulgar tais informações.
Isso levou dois pesquisadores da FGV Direito Rio a questionarem se essa postura por parte do STF era legal. Os pesquisadores basearam seu argumento no fato de que “a transparência de dados, dentro ou fora do Judiciário, é pressuposto geral da administração pública”. Desse modo, mesmo que não haja uma lei específica obrigando o STF a fornecer a informação, pela Lei de Acesso à Informação, o Supremo estaria obrigado a permitir o acesso ao código-fonte. Os pesquisadores também argumentam que códigos-fonte que protegem informações muito mais delicadas – como os que guardam bitcoins – são públicos. Não haveria, portanto, motivo para o sigilo em torno dos códigos responsáveis pela distribuição dos processos no STF. Trata-se de um debate extenso.
Conseguiu entender o que é a distribuição de processos no STF? Deixe suas dúvidas e sugestões nos comentários!
Referências
Regimento Interno do STF (RISTF); Ivar Hartmann e Daniel Chada – A Distribuição de Processos no STF é Realmente Aleatória?; Folha – Sorteio no STF depende do Volume de Processos