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Escolas de samba, política e sociedade brasileira

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Carros e alegorias em desfile de escola de samba no sambódromo
Fonte: Mundo Educação Uol

Você conhece a história das escolas de samba? Essas agremiações oriundas de comunidades periféricas ou carentes de bairros em diversas cidades brasileiras trabalham o ano inteiro para brilhar durante os desfiles de Carnaval.

As primeiras escolas de samba surgiram no Rio de Janeiro no final do século XIX. Nesse texto, vamos conhecer mais sobre sua trajetória, momentos icônicos das escolas de samba brasileiras e sua relação com a sociedade e a política.

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Surgimento das escolas de samba

O Rio de Janeiro é o berço não só das escolas de samba, mas do próprio estilo musical que levam no nome. Foi lá que em 1928 surgia a primeira escola de samba, chamada “Deixa”, que logo foi seguida por várias outras.

As escolas de samba nasceram a partir da mistura de diferentes atividades do Carnaval brasileiro, como os “zé-pereiras”, que eram grupos carnavalescos formados por homens que saiam tocando instrumentos de percussão como o bumbo pelas ruas das cidades.

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Outra prática que influenciou o surgimento das escolas de samba eram os “ranchos carnavalescos”, grupos organizados por associações que se popularizaram na capital carioca e que abordavam problemáticas sociais da população.

O primeiro rancho carnavalesco, o “Rei de Ouros”, foi criado em 1893 e em suas apresentações já trazia elementos que se tornariam fundamentais nas escolas de samba, como o enredo e personagens como o mestre-sala e a porta-bandeira, além do uso de instrumentos de sopro e de cordas.

Outras influências vieram do corso carnavalesco, uma espécie de desfile em carros que era praticado desde o século XIX, e até mesmo das procissões, tão comuns da tradição religiosa brasileira. Ao mesmo tempo, o samba ia se tornando um estilo musical cada vez mais popular no país. Esse gênero musical surgiu lá no Rio, em terreiros onde a comunidade afro-brasileira se reunia para realizar suas festividades e rituais religiosos.

Em 1917 a primeira canção de samba foi gravada com o nome “Pelo Telefone”. Logo nos anos 20 e 30, o samba foi ganhando todo o Brasil e chegou a ser promovido pelo governo nacional de Getúlio Vargas como símbolo da identidade nacional.

A fundação da “Deixa Falar” foi o pontapé inicial para que outras escolas de samba surgissem, como a Portela e a Mangueira, que existem até hoje. As competições entre escolas surgiram no Rio em 1932 e teve vitória da Mangueira. Desde 1935, os desfiles no Rio recebem apoio público, enquanto em São Paulo isso começou em 1960. Embora as escolas de samba mais famosas sejam as do eixo Rio-São Paulo, centenas de escolas estão espalhadas por todos os estados brasileiros.

Na década de 80, foram construídos os sambódromos, onde desde então acontecem os desfiles a cada Carnaval. Antes disso, as escolas desfilavam por avenidas importantes em suas cidades. O projeto para a construção do primeiro sambódromo foi liderado pelo antropólogo Darcy Ribeiro, naquela época vice-governador do estado do Rio de Janeiro em conjunto com Leonel Brizola.

O arquiteto responsável pelo desenho do sambódromo carioca foi ninguém menos que Oscar Niemeyer, que voltava do seu exílio na França. Em 1984, inaugurou-se o sambódromo na avenida Marquês de Sapucaí no centro da capital carioca. Com o seu sucesso, outras cidades começaram a construir seus próprios espaços para os desfiles das majestosas escolas, que durante o resto do ano são normalmente usados para outros eventos e atividades culturais.

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Relação entre carnaval e política

Como disse a historiadora Fátima Costa de Lima em entrevista à revista Gama, “desde o começo a temática [das escolas de samba] é política”. Desde o início das atividades das escolas, temas como escravidão, preconceito, desigualdade e outros problemas da sociedade brasileira são frequentemente abordados. Grande parte das mensagens que as escolas de samba querem transmitir está no samba-enredo.

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A importância do samba-enredo

O samba-enredo é um subgênero do samba criado em 1930 com o objetivo de puxar o desfile das escolas de samba. Os primeiros desfiles não contavam com samba-enredo e a música que acompanhava as escolas naquela época podia ser composta por diferentes sambas ou até mesmo a partir de improvisos dos sambistas.

A partir de 1935, as letras dos sambas passaram a ser registradas em papel para facilitar o trabalho dos jurados e desde então começaram a ser mais sofisticadas e pensadas de forma a acompanhar todo o desfile de cada escola.

No geral, os sambas-enredos compostos por cada escola para cada Carnaval exaltam a história e cultura do povo brasileiro e também fazem críticas sociais e políticas. Um samba-enredo bastante conhecido dos últimos carnavais foi o da escola carioca Paraíso do Tuiuti em 2018, que trouxe a escravidão brasileira à avenida e tratou de questões como o racismo e a situação precária dos trabalhadores e trabalhadoras do país.

Em 2019 a Mangueira também impactou com o samba-enredo “História para ninar gente grande”, o qual falava sobre os povos indígenas, a escravidão e personalidades da política brasileira, como Marielle Franco.

Bandeira da escola Estação Primeira de Mangueira com rosto de Marielle Franco
Fonte: Buzzfeed

A diversidade da comunidade LGBTQIA+ foi tema da União do Parque Curicica em 2016 e em 2020 a São Clemente criticou o governo Bolsonaro com seu samba-enredo “O conto do vigário”. Muitos anos antes, em 1989, a Beija-Flor já trazia temas polêmicos ao Carnaval com o enredo “Ratos e urubus, larguem minha fantasia”, que expunha a realidade de pessoas em situação de rua.

Em 1986 a Império Serrano celebrou o final da ditadura com um samba-enredo que dizia “me dá, me dá / Me dá o que é meu / Foram vinte anos que alguém comeu”.

Hoje em dia, pesquisadores, como Fabio Fabato, consideram que os enredos variam de acordo com o clima político do país, indo de temáticas mais lúdicas a críticas mais sérias com base nisso. Em um artigo do portal Uol, ele disse que em 2023,

“temos uma vontade muito grande de festejar a vida, como se todos estivessem se sentindo aliviados no momento atual (…). Desde Crivella, que pressionou muito as escolas, tivemos uma carga de desfiles políticos. Agora é hora de tratar de outros temas”.

Mesmo assim, em 2023 a Beija-Flor continuou apostando em um enredo claramente político com o título “Brava Gente! O Grito dos Excluídos no Bicentenário da Independência”, que questionou o conceito de independência do Brasil e trouxe à luz movimentos populares que seriam muito mais representativos que o 7 de setembro.

Escolas de samba e ditadura

Um dos momentos mais duros da história brasileira que esteve presente nos desfiles daquela época foi a ditadura civil-militar entre os anos 1964 e 1985. Durante esse período, a sociedade brasileira enfrentou uma série de ações autoritárias como a censura, a cassação dos direitos políticos e muitos atos de violência contra aqueles que criticavam ou tentavam enfrentar o regime vigente.

As escolas de samba, historicamente associadas a comunidades negras e periféricas, também sentiram a repressão do governo militar. Um dos momentos mais terríveis na história das escolas foi o assassinato de um importante carnavalesco paulistano em 1968. Pato N’Água era apitador na Vai-Vai, um grupo carnavalesco tradicional do bairro do Bexiga em São Paulo, ele foi encontrado morto num rio na cidade de Suzano, próxima da capital paulista.

Sua morte trágica nunca foi explicada formalmente, mesmo que muitos jornais da época tivessem noticiado que um suposto “bandido” negro havia sido executado. Segundo críticos dessa versão oficialista, Pato N’Água foi na realidade vítima de um esquadrão da morte da Polícia Militar, como tantas outras pessoas que eram violentamente assassinadas naquela época.

Mesmo assim, as escolas de samba não perderam a coragem e em muitos Carnavais levaram questionamentos ao regime para seus desfiles. Em 1972, a escola Unidos do Peruche de São Paulo trouxe o enredo “Chamada aos Heróis da Independência” e rendeu homenagem a revoltas sociais como a Inconfidência Mineira e a Revolta dos Alfaiates na Bahia.

Já em 1982, outra escola paulistana chamada Camisa Verde e Branco exaltou as tradições negras com o enredo “Mutuo Mundo Kitoko”. No ano seguinte, quando tentaram levar às avenidas um enredo sobre o líder da Revolta da Chibata, João Cândido, foram duramente censurados pelo governo.

Faixa de desfile escrito "mesmo proibido, olhai por nós"
Fonte: Buzzfeed

Escolas de samba e suas comunidades

Além de discutir temas políticos em seus desfiles, as escolas de samba realizam diversas atividades com foco em suas comunidades durante o ano todo. Os 65 minutos mínimos de desfile por escola que assistimos ao vivo ou pela televisão durante o Carnaval são fruto de meses de preparação que mobilizam os moradores das comunidades e seus apoiadores.

Para as favelas ou bairros pobres de maioria negra que estão por detrás de grande parte das escolas de samba brasileiras, isso significa oportunidades de emprego e formação que geram renda e beleza às suas comunidades.

Em entrevista ao portal Es Hoje, o presidente da Liga Independente das Escolas de Samba do Grupo Especial de Vitória (LIESGE), Edson Neto, disse que

“O carnaval gera empregos tanto na realização do evento em si, quanto nos envolvidos na cadeia do samba, como as agremiações e quem faz parte dela.”

Os barracões, espaços onde os membros das escolas se encontram para trabalhar, são espaços de grande socialização e engajamento positivo para os moradores das comunidades.

Ao longo do ano, as escolas de samba continuam oferecendo entretenimento e contenção às pessoas que as acompanham. Espetáculos, rodas de samba, ensaios e muitos outros eventos que ocorrem frequentemente oferecem às pessoas um espaço para compartilhar e fortalecer laços.

Além disso, muitas escolas lideram projetos sociais ligados à educação, cultura e saúde. Através de cursos, práticas esportivas e até encaminhamento ao mercado de trabalho, as escolas de samba são importantes influentes para os grupos mais marginalizados da sociedade.

Um exemplo é o trabalho realizado pela Mocidade Independente de Padre Miguel no Rio de Janeiro. Desde 1991, a escola trabalha organizando espaços para suas comunidades como atividades educativas e lúdicas para as crianças e projetos de inclusão laboral para os mais velhos.

Esperamos que com essa matéria você tenha aprendido mais sobre as escolas de samba brasileiras, suas tradições e o impacto positivo que realizam na sociedade do país. Deixe seu comentário abaixo. Qual sua opinião sobre a participação das escolas de samba na cultura e política do Brasil?

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Conteúdo escrito por:
Contadora de histórias formada em Jornalismo pela Unesp. Trabalhou com diferentes equipes em projetos de comunicação para meios, agências, ONGs, organizações públicas e privadas. É natural de São Paulo e atualmente vive em Montevidéu, Uruguai.

Escolas de samba, política e sociedade brasileira

25 mar. 2024

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