Em meados de 2021, com a chegada das eleições gerais no final de 2022, algumas reformas no sistema eleitoral brasileiro começam a ser propostas no Congresso Nacional. A reforma que foi pensada seria a maior reforma da história da nossa democracia. Um dos pontos propostos foi a adoção do tal ‘distritão’.
Mas, você sabe exatamente o que é isso? Quais seriam as consequências para o sistema eleitoral brasileiro? Vem entender tudo sobre o Distritão e seus impactos na sua escolha dos representantes políticos.
E caso você queira entender a reforma eleitoral completa, é só clicar aqui!
1. Proposta de Emenda à Constituição
O ‘Distritão’ é, na verdade, uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC). Esse nome, que em um primeiro momento pode parecer complicado, nada mais é do que uma mudança feita em determinado texto específico presente na Constituição Federal de 1988 que altera as bases da lei daquela matéria.
Nesse caso, a PEC 125/2011, conhecida também como “PEC da reforma política”, foi apresentada inicialmente no dia 13/12/2011 e seu objetivo era impedir a realização de eleições em datas próximas a feriados. No entanto, nos dez anos de tramitação na Câmara, o texto foi alterado algumas vezes e, hoje, a proposta alteraria o modelo de eleições proporcionais no Brasil.
A mudança para o sistema do ‘distritão’ foi proposta no Art. 2º da PEC:
Nas primeiras eleições a serem realizadas após a promulgação desta Emenda à Constituição, será empregado o sistema eleitoral majoritário para a escolha dos cargos de Deputado Federal, Deputado Estadual e Deputado Distrital, observado o seguinte:
§ 1º A circunscrição eleitoral será, conforme o caso, o Estado, o Território ou o Distrito Federal, sem subdivisões geográficas.
LEIA TAMBÉM: Emenda constitucional: quando não pode ser feita?
No ano de 2017, a Comissão especial da Câmara dos Deputados que analisa uma possível reforma eleitoral aprovou uma mudança na Constituição Federal que institui o sistema chamado distritão. Nessa época, a proposta inicial era que nas eleições de 2018 e 2020 a mudança já passasse a valer. Mas, existia um prazo para a PEC (Proposta de Emenda Constitucional) ser aprovada para a mudança já começar a valer nas eleições gerais de 2018, mas isso não aconteceu.
Já no dia 11 de agosto de 2021, a PEC foi colocada em votação e o resultado foi o seguinte:
A mudança inicial, de impedir a realização de eleições próximas a feriados, ou seja, o texto-base da PEC foi aprovado por 339 votos a favor. Outros 123 deputados votaram contra a mudança. Já a mudança para o ‘distritão’ foi rejeitada pela Câmara dos Deputados, com apenas 35 votos favoráveis e 423 contrários.
2. Como funciona o sistema eleitoral proporcional
Atualmente, o sistema eleitoral é o proporcional com lista aberta. Nesse tipo de sistema, o eleitor pode optar por votar em um candidato, ou seja, votar nominalmente ou votar em um partido político específico. É então a partir do número de votos totais que o partido recebe é calculado o quociente eleitoral. A fórmula para o cálculo do tal quociente eleitoral é:
Quociente eleitoral (QE) = número de votos válidos / número de vagas
Na prática, esse sistema define o número de vagas que cada coligação ou partido político terá direito. São eleitos os candidatos daquele partido que tiverem o maior número de votos até que todas as vagas tenham se esgotado.
Segundo o cientista político e autor de “Sistemas Eleitorais”, Jairo Nicolau, o argumento utilizado por especialistas que defendem a representação proporcional
é o de que tal sistema garante uma equidade na relação entre votação e representação dos partidos. Nos últimos anos, a representação proporcional passou a ser defendida como opção para novas democracias com intensas divisões étnicas e religiosas, já que ela oferece aos grupos minoritários, dispersos pelo território, mais chances de obter representação.
Outro ponto bastante importante para compreendermos as possíveis mudanças são os distritos eleitorais. Esses distritos, de acordo com Jairo Nicolau, representam “a unidade territorial onde os votos são contabilizados para efeito de distribuição das cadeiras em disputa”. Atualmente, no Brasil, essas delimitações – chamadas de circunscrições, são bastante simples:
Para eleições de senadores e deputados federais, as circunscrições são estaduais, ou seja, cada um dos 26 estados e o Distrito Federal. Já nas eleições presidenciais, o país forma, na sua totalidade, uma só circunscrição federal.
Além disso, vale destacar que o sistema proporcional com lista aberta brasileiro vigora desde 1945. Um dos principais objetivos desse tipo de sistema é um equilíbrio e uma correspondência entre os candidatos eleitos e o número de votos recebidos. Isso porque, se a gente para pra pensar, o que acontece é:
Se você votar no candidato X, o seu voto também vai para o partido daquele candidato. Caso aquele nome não seja eleito, o seu voto ainda será contabilizado para aquele partido e pode ajudar a eleger algum outro candidato daquela sigla. Isso acontece porque o nosso sistema atual favorece e possibilita os “puxadores de votos”, o que contribui para uma representação mais equilibrada da sociedade brasileira.
LEIA TAMBÉM: Voto Distrital Misto e ‘Distritão’
3. O que mudaria com o ‘distritão’?
Como diz o nome, cada um dos estados da federação virariam um ‘distritão’. Isso porque, os estados teriam um número pré-definido de cadeiras no Congresso Nacional.
Na prática, os partidos apresentam os seus candidatos e o eleitor vota em apenas um deles e, de acordo com o número já definido de cadeiras por estado, os nomes mais votados seriam eleitos.
A partir deste ponto, podemos perceber algumas diferenças entre o sistema atual e o modelo proposto pela PEC 125/11.
O primeiro deles é a mudança dos distritos eleitorais, que passariam a ser cada um dos estados da federação. Outro ponto importante é o fato de que o sistema de eleição seria, praticamente, majoritário. Esse tipo de sistema tem como principal objetivo garantir que aqueles candidatos que receberam mais votos sejam eleitos.
4. E quais seriam as possíveis consequências?
Apesar de ter dado um primeiro passo para a aprovação dentro da Câmara dos Deputados ao ser aprovada pela comissão especial que analisava a matéria, a proposta foi derrubada pelo plenário da Câmara dos Deputados. Antes disso, alguns especialistas criticaram duramente o sistema proposto – o que contribuiu para o resultado da votação.
As principais críticas feitas pelos especialistas foram :
- Reduziria a chance de renovação política e favorece os candidatos mais populares
Segundo Lara Mesquita, professora da FGV e pesquisadora do Centro de Estudos em Política e Economia do Setor Público, seria mais fácil e mais provável que políticos que tentam a reeleição sejam eleitos. Ela explica que a literatura científica mostra que em sistemas eleitorais majoritários isso tende a acontecer.
O fim dos “puxadores de votos”, que contribui para a eleição daqueles candidatos que não foram os mais votados de determinado partido, é outro fator que dificultaria a renovação política.
Nesse sentido, a mudança também favoreceria candidaturas de celebridades – pessoas conhecidas e políticos que já tinham sido eleitos anteriormente.
- Enfraqueceria a democracia
Como o sistema poderia favorecer indivíduos já conhecidos, a disputa eleitoral passaria, cada vez mais, a valorizar menos as ideias e propostas e se torna mais personalista. Segundo Cláudio Couto, cientista político da Fundação Getúlio Vargas, Cláudio Couto afirma que o modelo ‘distritão’ reduz e enfraquece o papel dos partidos políticos e, consequentemente, enfraquece a democracia brasileira. De acordo com o especialista tudo passaria a depender de indivíduos e não dos partidos, o que causa prejuízo no debate de ideias para o país.
LEIA TAMBÉM: 3 funções práticas dos partidos políticos
- Aumentaria os gastos eleitorais e favoreceria os mais ricos
Como o sistema se tornaria mais competitivo, já que apenas os mais votados seriam eleitos, o custo de campanha – que tem relação com o grau de competição eleitoral – aumentaria. Isso quer dizer que o gasto médio por candidato seria maior. Segundo Thiago Alexandre Melo Matheus, esse fator colocaria alguma incerteza sobre uma real diminuição dos gastos totais de campanha.
Além disso, como o partido perderia espaço e os candidatos, como indivíduos, ganhariam destaque (apesar da candidatura individual não ser permitida no novo sistema), aquele que pudesse fazer uma campanha mais cara seria beneficiado.
Isso porque, hoje, no Brasil, o valor da campanha influencia no alcance do candidato. O cientista político Cláudio Couto, afirma que “para poder se tornar muito votado individualmente, o candidato tende a precisar de muito dinheiro”.
LEIA TAMBÉM: Fundo Eleitoral X Fundo Partidário: quais as diferenças
- Desperdício de votos
Como já falamos antes, mesmo que o seu candidato não seja eleito, o seu voto contribui para a eleição de outro candidato daquele partido. No modelo ‘distritão’, caso o seu candidato não seja eleito, o seu voto seria desperdiçado.
Isso porque, pelo modelo, todos os votos em outros candidatos que não foram eleitos são desconsiderados.
Segundo Cláudio Couto e Jairo Nicolau, pesquisador de sistemas eleitorais e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), os votos dos eleitores que não tiveram seus candidatos eleitos seriam “jogados no lixo” e não teriam nenhuma importância. Isso iria privilegiar os eleitores que escolheram os candidatos mais votados e excluiria a possibilidade de se eleger um representante de todo o resto da população.
De acordo com os especialistas, o Poder Legislativo foi pensado para representar todos setores da sociedade e no “distritão”, essa representação poderia ficar distorcida, já que muitos votos que representam um setor podem ir para a mesma pessoa e não são distribuídos com colegas com plataformas similares. Já Lara Mesquita, esclarece que o ideal é o que o Legislativo represente a totalidade da sociedade brasileira e consiga refletir as clivagens que existem na sociedade no sistema legislativo – já que vivemos em uma democracia representativa. O ‘distritão’ prejudicaria essa representação.
O que diziam os defensores da proposta
- Mais transparência
De acordo com a deputada federal Renata Abreu, que é a relatora do projeto que prevê o uso do “distritão”, o modelo seria mais simples e fácil de entender para a população. Isso porque o cálculo do sistema proporcional é complexo e nem toda a população brasileira compreende. Nesse sentido, a adoção do ‘distritão’ facilitaria esse entendimento e passaria mais transparência.
- O Sistema é comum em democracias consolidadas
O modelo seria apenas uma “transição” para o sistema distrital misto, no qual o eleitor vota em um candidato de seu distrito eleitoral e em uma lista fechada do partido. O sistema distrital misto é utilizado em algumas democracias consolidadas, como por exemplo, a Alemanha. O que os defensores do ‘distritão’ alegam é que a proposta seria apenas uma transição para o sistema misto.
- Seria um sistema eleitoral mais democrático
Para os defensores do ‘distritão’, o modelo também é mais democrático, já que computa o voto de todos os eleitores em todos os momentos, evita a polarização política e favorece aqueles que têm menor rejeição.
A deputada Renata Abreu ainda sinaliza que “o ‘distritão’ consiste em um sistema de votação por ranqueamento, no qual os eleitores escolhem seus candidatos por ordem de preferência.” Na prática então, os ‘puxadores de votos’ acabariam e o eleitor daria seu voto apenas para o seu candidato, e não para o partido político e, eventualmente, para outro nome.
5. E na prática? Como seria o ‘distritão’?
O RenovaBR, escola de educação política que prepara pessoas comuns de diferentes origens e ideologias para renovar a democracia brasileira, desenvolveu uma plataforma para simular as eleições de 2018 no modelo do ‘distritão’, apelidado de Dash Distritão pela escola.
Com a simulação feita pelo Politize!, alguns pontos são perceptíveis:
Observação: os dados analisados levam em conta os candidatos aos cargos de deputado estadual e federal. No caso do Distrito Federal, os deputados distritais foram contabilizados como deputados estaduais.
- Gastos médios de campanha
Para a eleição de 2018, os gastos médios para a eleição de um candidato são, aproximadamente, R$ 560.823,00. Já com a simulação, foi possível avaliar que os gastos médios subiram para, aproximadamente, R$ 603.269,00.
O aumento de gastos para a mesma eleição, numa comparação entre os dois tipos de sistema foi de, aproximadamente, 7%.
Outro gasto que chama atenção é o custo médio por um único voto, que passa de 8 reais e 75 centavos no sistema proporcional para 9 reais e 18 centavos no ‘distritão’.
Num primeiro momento, o aumento de quase 5% em cada voto computado para o candidato pode parecer insignificante, mas se a gente avalia que um candidato precisa de mais de 60.000 votos para se eleger, fica claro que os gastos são significativamente maiores.
- Renovação política
O Dash Distritão também confirma a expectativa dos especialistas em relação à queda na renovação política.
Isso porque, nas eleições de 2018, com o sistema proporcional, 800 candidatos foram reeleitos para o mandato 2018-2022 e 772 novos candidatos chegaram ao poder.
Já na simulação com o sistema ‘distritão’, 888 candidatos seriam reeleitos e apenas 684 novos nomes conseguiriam uma cadeira.
- Velha política
Outro dado interessante a ser analisado é a idade média dos nossos representantes eleitos nos dois tipos de sistemas.
Com o ‘distritão’, os candidatos mais velhos acabam sendo mais eleitos do que candidatos mais jovens.
Veja a comparação abaixo:
Qual a sua opinião sobre o ‘distritão’? Acha que seria benéfico para o país?
REFERÊNCIAS
- BBC Brasil – O que é o ‘distritão’ eleitoral e por que ele é tão criticado
- Câmara dos Deputados – PEC 125/2011
- CNN Brasil – Modelo atual também favorece celebridades, defende relatora da PEC do Distritão
- G1 – Entenda o que é o ‘distritão’ e por que especialistas o consideram um retrocesso
- MATHEUS, Thiago Alexandre Melo. Distritão: tramitação no Congresso Nacional e possíveis consequências para o sistema partidário brasileiro. In: X Jornada de Pesquisa e Extensão. Brasília: Programa de Pós-Graduação do Centro de Formação, Treinamento e Aperfeiçoamento (Cefor) da Câmara dos Deputados, 2017.
- Nicolau, J. (2015). Sistemas eleitorais. Editora FGV.