Nota do Politize!: este é o quarto texto da coluna Política em Números, parceria entre o Politize! e o blog Leis e Números, de Bruno Carazza dos Santos, doutor em Direito (UFMG) e mestre em Economia (UnB).
Em outro post do Leis e Números, discuti como os líderes partidários exercem um papel fundamental no presidencialismo de coalizão brasileiro, garantindo um índice de fidelidade partidária alto o suficiente para o governo sair vencedor na imensa maioria das votações. Em se tratando de medidas provisórias, os números indicam que o governo vence em 90% dos casos em que há votações nominais. E isto acontece desde 2001!
Os autores costumam analisar esse fato de duas formas diferentes. Uma corrente mais otimista (derivada dos trabalhos iniciais de Limongi & Figueiredo), acredita que, a despeito da ruidosa relação midiática entre Executivo e Legislativo no Brasil, o presidencialismo de coalizão brasileiro funciona de modo suficiente para implementar reformas econômicas e sociais, como aconteceu nos governos FHC e Lula.
Por outro lado, estudiosos como os brasilianistas Scott Mainwaring e Barry Ames acreditam que nosso sistema é bastante suscetível a crises e apresenta um alto custo em termos de concessões feitas pelo Executivo (cargos políticos, emendas parlamentares e até corrupção) para garantir essa governabilidade. As crises vividas por Dilma Rousseff – como também enfrentaram Collor e, em certa medida, também Sarney – seriam exemplos.
Não considero que essas duas visões sejam antagônicas, mas sim complementares para se analisar o sistema político brasileiro. Realmente há grande preponderância do Poder Executivo na definição da agenda legislativa, assim como há um custo social bastante elevado para o governo superar as crises e ameaças de crise em sua base parlamentar.
Considero, porém, que essas análises perdem de vista um elemento muito importante: esse arranjo institucional de um Poder Executivo com superpoderes legislativos e líderes partidários com grande ascendência sobre seus correligionários é muito permeável à influência de grandes grupos de interesses, sobretudo econômicos.
Partindo do pressuposto de que o Presidente da República define a agenda e acerta com os líderes dos vários partidos que constituem a base governista o que e quando será levado para votação, é de se esperar que surja daí um problema de ação coletiva. De um lado, reformas que possam beneficiar a maioria silenciosa, mas que trazem prejuízos a grupos organizados (reformas previdenciária, tributária, política, trabalhista, administrativa, etc.), têm baixa probabilidade de serem aprovadas, uma vez que encontrarão resistência de algum dos caciques da coalizão (este ponto foi levantado ainda em 1988 por Sérgio Abranches). Barry Ames, inclusive, questiona a importância creditada à elevada taxa de aprovação dos projetos do Executivo argumentando que esses números não levam em conta os casos em que o governo sequer consegue propor ao Congresso reformas que considera importantes, diante da reação negativa dos líderes partidários.
Política em números: análise legislativa na prática – o caso do PL contra Uber e outros aplicativos
Por outro lado, grupos de interesses bem organizados conseguem ser ouvidos por ministros, assessores graduados do Presidente da República e pelos líderes partidários, aumentando a chance de ter seus pleitos inseridos na agenda legislativa governista – via medida provisória, de preferência, ou algum projeto de lei com requerimento de urgência.
Se este raciocínio estiver correto, tendem a prosperar no Congresso as propostas que trazem consigo benefícios concentrados e custos diluídos perante a sociedade. Reformas com ganhos difusos e prejuízos concentrados têm poucas chances de ser aprovadas.
Analisando as contribuições de campanha, conseguimos apresentar algumas evidências para esse raciocínio. Afinal, elas são um meio utilizado pelos grupos de interesse para obter acesso privilegiado perante os líderes partidários e representantes do Executivo e, assim, barrar propostas que os prejudiquem e aprovar projetos que melhorem seu status quo. Para testar essa hipótese, calculei o volume médio de doações recebidas pelos líderes partidários provenientes de empresas e o comparei com o dos demais deputados que exerceram mandatos nas últimas legislaturas. O resultado consta no gráfico abaixo:
Como visto, com exceção da 52ª Legislatura (2003 a 2006), as doações recebidas pelos líderes são superiores às dos demais deputados. A diferença entre os dois grupos é estatisticamente relevante para a 53ª Legislatura (2007/2010, num nível de significância inferior a 5%) e para a 54ª Legislatura (2010/2014, com nível de significância inferior a 1%). Embora os líderes tenham recebido a mais que os demais deputados na eleição de 2014, a diferença entre os dois grupos não se mostrou estatisticamente relevante.
Alguém poderia argumentar, no entanto, que os doadores de campanha, no momento de decidir o quanto destinar a cada candidato, não há como prever se aquele candidato vencerá as eleições ou, muito menos, tornar-se um líder partidário. Acontece que os líderes partidários geralmente são políticos mais experientes e “profissionais” do que os demais – a diferenciação entre alto e baixo clero, comum no ambiente parlamentar, não é apenas figura de retórica. Os dados demonstram que líderes partidários tendem a desenvolver carreiras mais longas no Legislativo, como atestam as taxas de reeleição observadas nos últimos anos:
Diante de um cenário em que líderes partidários têm grande ascendência sobre seus correligionários e alcançam visibilidade midiática suficiente para desfrutar de maiores chances de reeleição, é de se esperar, então, que eles atraiam mais doações privadas nas eleições seguintes. E é isso que o gráfico abaixo demonstra: líderes partidários que decidem buscar a reeleição na Câmara dos Deputados recebem mais contribuições de empresas do que seus pares. Nas três últimas eleições, a diferença entre as doações médias dos líderes e dos demais deputados mostrou-se estatisticamente relevante com níveis de significância de 10% (2006), 5% (2010) e 1% (2014).
Embora ainda sejam necessários outros dados para comprovar a tese de que o presidencialismo de coalizão brasileiro favorece grupos de interesse e, em última instância, a concentração de renda, os dados acima parecem indicar que a posição-chave desempenhada pelos líderes partidários nesse arranjo institucional é explorada pelo setor privado via doações eleitorais. O dinheiro empresarial, nesse caso, “segue o líder” – e é bastante problemático se o comportamento desses líderes, no exercício de suas atribuições, seguir o dinheiro.
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