Quando falamos em cultura brasileira, o que vem a sua mente? Samba, futebol, folclore, culinária, religiões? E quando tratamos de cultura política? Você saberia dizer quais são as características gerais dos brasileiros neste departamento? Não? Então fique conosco neste texto sobre a cultura política no Brasil!
O que é cultura?
Antes de discutirmos o que é cultura política, é interessante nos perguntarmos o que é cultura, afinal. Por ser um conceito muito complexo, não existe um consenso acerca de sua definição. Assim, para tratar de cultura política, tomamos como premissa que:
A cultura é construída socialmente
Ou seja, ela não é transmitida através da genética, mas através do convívio social. É algo aprendido pelo indivíduo no decorrer de sua vida. Ela pode ser transmitida por várias gerações, através de costumes, valores e da cultura oral.
A cultura pode ser modificada
A cultura não é estática, o que significa que, com o passar dos anos, uma sociedade pode ter sua cultura completamente transformada. É importante notar que, ao mesmo tempo que as pessoas assimilam a cultura da sociedade em que vivem, também podem modificá-la.
A cultura é comum a um grupo social, não é algo individual
No entanto, o modo como cada pessoa se relaciona com a cultura da sociedade ou grupo em que está inserida varia.
Não existem sociedades ou grupos humanos sem cultura ou indivíduos que não sejam portadores de cultura
Isso significa que cada nação possui sua cultura própria, que a diferencia das outras.
Vários elementos compõem a cultura de um grupo, nação ou sociedade
Podem haver divergências em quais seriam esses elementos, mas alguns comumente citados são: comportamentos, conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, costumes, hábitos, valores e instituições.
Assim, ao analisar a cultura de um país, devemos levar em conta os pontos acima apresentados.
O que é cultura política?
Ok, então já compreendemos um pouco melhor quais são os pontos básicos que devem ser analisados ao se estudar a cultura de um povo. Agora chegou a hora de entendermos melhor o que é, exatamente, a cultura política de um país e quais são os aspectos que a determinam.
Para facilitarmos a compreensão do que seria a cultura política, podemos dividi-la em três componentes:
Tradições e instituições
A história do país e as suas instituições afetam diretamente a sua cultura política. Um país como o Brasil, por exemplo, que passou por muitos períodos autoritários ao longo da sua história, terá maior dificuldade em assimilar uma cultura política democrática do que um país que convive com a democracia há alguns séculos. Por outro lado, contamos com alguns regulamentos que facilitam a participação popular na política: a criação de leis através da iniciativa popular, audiências e consultas públicas, orçamentos participativos, plebiscitos e referendos são algumas das possibilidades.
Ideologias
Presente nos discursos políticos, as crenças e ideais promovidos por nossos representantes e seus partidos políticos também influenciam a cultura política. O contexto nacional e os grupos que se encontram no poder ou na oposição em determinado momento podem motivar uma cultura mais democrática ou mais autoritária, por exemplo.
Opinião pública
O modo como as pessoas pensam acerca da política e de seus representantes também é um forte componente da cultura política de um país. A mídia desempenha um grande papel na formação da opinião pública. Em um país como o Brasil, por exemplo, em que grandes grupos empresariais dominam os principais meios de comunicação, o impacto cultural pode ser ainda maior.
A partir dessas três dimensões, podemos começar a pensar em alguns indicativos da cultura política de um país. O que a população pensa de cada regime político, a taxa de comparecimento às urnas, a relação da população com os partidos políticos e as instituições políticas existentes podem ser bons pontos de partida.
Esses aspectos e alguns outros serão abordados a seguir, ao realizarmos uma análise da cultura política do Brasil hoje.
Como é cultura política do brasileiro hoje?
Já entendemos alguns dos elementos que compõem a cultura de uma sociedade e os pilares de sua cultura política. Agora, vamos conferir como é a cultura política do Brasil hoje? Antes de entrarmos em cada uma das características de nossa cultura política, confira este resumão em forma de infográfico!
Os dados do infográfico são referentes ao ano de 2015.
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Pouco democrática
Segundo o Democracy Index – publicado pela Unidade de Inteligência do The Economist – o Brasil é uma “democracia imperfeita” e ficou em 49 lugar no ranking das democracias do mundo, no relatório de 2020.
O objetivo da Unidade de Inteligência é avaliar o nível da democracia nos países do globo – classificando-os em estados desde democracias totais até regimes autoritários. Assim, os critérios utilizados na pesquisa foram: o processo eleitoral e o pluralismo nas eleições, o funcionamento do governo, a participação política, a cultura política do país e as liberdades civis.
Seguindo esses critérios, a pontuação brasileira foi de 6,92 – está em nona posição quando comparado aos outros países da América Latina. A pior pontuação brasileira foi no parâmetro de funcionamento do governo: o Brasil teve nota 5,36. Nessa nota, foram avaliadas questões como: se há um sistema de freios e contrapesos efetivo; se o governo é livre de influências militares; como poderes estrangeiros determinam políticas do governo; entre outros.
A nota sobre cultura política também foi baixa: 5,63. Para avaliar a cultura política de cada país, foram qualificados a afinidade da população com a democracia ou com regimes autoritários, como a população percebe líderes fortes, como a população se sente em relação a governos militares, se os indivíduos acham que a democracia é benéfica ou não para a economia do país e o grau de secularização (separação entre Igreja e Estado) do país.
A nota brasileira neste quesito foi a mesma do que a atribuída a Nicarágua – considerada pelo Democracy Index como um país em estado de regime autoritário.
A frágil cultura política democrática do Brasil aparece também no estudo “Latinobarômetro” de 2018, que realizou pesquisas de opinião em 18 países da América Latina.
O relatório demonstra que somente 33,9% dos brasileiros preferem a democracia a qualquer outra forma de governo. Para outros 40,5%, não faz diferença viver em um regime democrático de um não democrático. A Guatemala e El Salvador foram os únicos países que tiveram uma porcentagem mais baixa: 27,9% e 27,7%, respectivamente.%. Para efeitos de comparação, as porcentagens de nossos vizinhos Venezuela e Argentina foram 74,5% e 57,9%, respectivamente.
Laicidade e liberdade religiosa
Conforme pesquisa de 2014 do Pew Research Center, 63% dos brasileiros concordam que o governo não deve promover valores religiosos, enquanto apenas 33% acham que as políticas governamentais deveriam, sim, promover os valores e crenças religiosos. A percepção dos brasileiros vai ao encontro da maior parte de seus vizinhos latino-americanos, que também demonstraram preferência pela laicização do Estado.
Entretanto, o Brasil faz parte de uma minoria no subcontinente latino-americano quando tratamos da influência específica de líderes religiosos na política: mais da metade dos brasileiros (55%) concordam que líderes religiosos devem ter alguma ou grande influência na política do país, contra 42% que acreditam que os líderes religiosos não devem influenciá-la. Somente em outros quatro países da região – Panamá, Paraguai, Venezuela e Argentina – a maioria pensa como no Brasil. Nos demais, ou há “empate” ou a maior parte dos cidadãos acredita que os líderes religiosos não devem ter influência alguma na política.
Esses dois dados parecem se contradizer um pouco, certo? Como é possível que líderes religiosos tenham influência na política sem que o governo promova valores e crenças religiosas? Uma possível resposta é a de que os brasileiros acreditam na laicidade do Estado, ou seja, separação entre Igreja e Estado, mas também creem que líderes religiosos devem ter a liberdade de expor seus valores e crenças individuais no âmbito político, representando aqueles que compartilham da sua fé.
Assim, a opinião do brasileiro é a de que, como coletividade e unidade, o Brasil não deve defender ou promover uma crença ou religião específica, mas os seus cidadãos devem ser livres para se expressar e defender seus valores.
Leia mais: Estado Laico: o que é?
Baixa participação política
Há várias formas de participar na política. Algumas delas são um pouco mais difíceis de mensurar. Por isso, nos baseamos em alguns dos critérios utilizados pelo The Economist para avaliação da participação política de cada país: comparecimento às urnas, porcentagem de mulheres no Congresso, filiação a partidos políticos e interesse dos cidadãos em relação à política. A lista completa pode ser acessada aqui. A instituição atribuiu a nota 6,67 para o Brasil nesse quesito em 2018. Agora vamos conferir alguns dados sobre os pontos citados acima:
- Comparecimento às urnas: Conforme relatório de 2015 do Latinobarômetro, apesar do voto ser obrigatório no Brasil, muitas pessoas não vão votar. Nos últimos 20 anos, a média de eleitores que votam nas eleições presidenciais é de 79,8%. Ainda assim, o país está entre os que mais participam das votações, se comparado a outros países da América Latina. Aqui cabe uma observação: apesar de ser comumente utilizado como indício de baixa participação política, o não comparecimento às urnas também pode ser um ato político – como forma de protesto, por exemplo. Portanto, não necessariamente essa ausência representa um desinteresse por política.
- Representatividade feminina: De acordo com a pesquisa elaborada pela União Inter-Parlamentar, em 2019 o Brasil ocupa a 134º posição no ranking de representação feminina no Legislativo. Hoje, dos 513 membros da Câmara dos Deputados, apenas 77 são mulheres. E no Senado Federal, apenas 12 das 81 cadeiras são ocupadas por mulheres. Respectivamente, esses números representam 15% e 14,81% de cadeiras no Congresso Nacional. Essas porcentagens estão abaixo da média mundial, que é igual a 22% nos parlamentos. Há inúmeros motivos para a baixa participação feminina no Congresso, mas o certo é que essa disparidade acarreta diretamente em uma avaliação negativa da participação política no país.
- Filiação a partidos políticos: Cerca de 11% dos eleitores brasileiros – porcentagem correspondente a pouco mais de 16 milhões de pessoas- estão filiados a algum partido político. A faixa etária com mais filiados – acima de 6 milhões de cidadãos – têm entre 43 e 58 anos. O número baixo faz sentido quando observamos que somente 23% dos brasileiros têm afinidade com algum partido político, a menor porcentagem da região latino-americana. Se não conseguimos nos sentir próximos de nenhum partido, é natural que também não busquemos nos afiliarmos a eles. Esta porcentagem também pode ter relação com a alta descrença na política e nos políticos que vivemos no país atualmente, tópico que será melhor abordado em seguida.
- Interesse em relação à política: Segundo pesquisa do Pew Research Center, menos da metade dos brasileiros (42%) acompanha com alguma regularidade os acontecimentos relacionados ao governo e à política nacional. Se não temos informações acerca do que acontece nesse âmbito, é natural que também não haja participação ou engajamento.
Descrença nos partidos e na política
A opinião pública em relação aos representantes e à política em geral também é um componente da cultura política de um país. No Brasil, a imagem da política e dos partidos políticos está bem desgastada. Segundo o Latinobarômetro de 2018, 66,5% das pessoas não confiam nos partidos políticos do país. Além disso, 32% das pessoas consideram que quase todos os parlamentares estão envolvidos em atos de corrupção ou fraude. Ainda, o Latinobarômetro de 2015 revelou que apenas 12,8% das pessoas se sentiam representadas no Congresso.
Esses números transmitem uma falta de representatividade e conexão entre o povo e seus representantes, assim como uma descrença no sistema político em geral.
A falta de esperança da população no sistema político atual pode ainda ser percebido por dois outros números: em 2018, somente 7.5% dos brasileiros acreditavam que os governantes atuam em benefício de todo o povo e 90% acreditava que os seus representantes atuam somente em benefício próprio e de alguns poucos grupos poderosos. A primeira é a porcentagem mais baixa de toda a América Latina.
Vale lembrar que essa descrença no sistema político pode ter como consequência um menor engajamento político generalizado, afetando, assim, o exercício da cidadania.
Direita, Esquerda ou Centro
As ideologias são parte importante da cultura política de um país. Apesar das denominações “direita” e “esquerda” serem muito simplistas para explicar todas as diferenças de opiniões políticas existentes dentro de um território, podem ser um indicativo do pensamento predominante.
No Brasil, vivemos um caso raro: temos quase a mesma porcentagem de pessoas que se declaram de direita (24% da população) e de esquerda (23%). A maior porcentagem fica com o Centro, que abrange 38% da população. Assim, no aspecto ideológico, podemos dizer que os brasileiros se encontram bem divididos, não havendo uma predominância clara.
Ao mesmo tempo que essa divergência pode gerar mais debates e discussões saudáveis, também pode aumentar os conflitos. Além disso, pode resultar em problemas de governabilidade, especialmente se os diferentes grupos e partidos não aceitarem colaborar e dialogar para chegar a conclusões comuns.
O que esses dados significam em comparação com os outros anos?
Bom, de acordo com o Índice de Democracia – entre 2010 e 2013 – o Brasil manteve uma pontuação estável de 7,12, variando entre as posições 44º e 47º no ranking mundial. Em 2014, a nota brasileira subiu para 7,38 – a principal mudança esteve no critério de cultura política, em que o Brasil evolui de 4,38 dos anos anteriores para 6.25 em 2014.
Nessa época, os outros quesitos da avaliação como o processo eleitoral, funcionamento do governo, participação política e liberdades civis mantiveram-se relativamente estáveis e com notas elevadas. Por exemplo, em 2010, as notas brasileiras para as categorias acima foram respectivamente: 9,58; 7,50; 5,00 e 9,12. Em 2014, essas notas foram basicamente as mesmas.
Entretanto, nos anos de 2015, 2016 e 2017, as notas atingiram patamares mais baixos. Por exemplo, em 2016, o país teve a pior avaliação registrada com a nota de 6,86. As principais diferenças foram nas categorias de funcionamento do governo e liberdade civis. Naquele ano as notas para tais foram respectivamente 5,36 e 8,24.
Em 2020, o desempenho do Brasil (6,92) pode ser considerado excelente em termos de Processo eleitoral e pluralismo (9,58 pontos); razoável em Liberdades civis (7,94 pontos); abaixo da média em Participação política (6,11 pontos); e fraco em Funcionamento do governo (5,36 pontos) e Cultura política (5,63 pontos).
Em resumo…
A cultura política do brasileiro, de acordo com os dados apresentados, é pouco democrática, pouco participativa, laica, descrente dos políticos e da política e dividida ideologicamente. Essa é a nossa cultura hoje, na prática. Podemos realizar uma reflexão final e nos perguntarmos se essa é a cultura que queremos ter, se é a nossa cultura ideal.
Cada um encontrará uma resposta a esse questionamento, de acordo com suas próprias percepções e experiências. Retomando o conceito de cultura apresentado no início do texto, lembramos que a cultura de um povo não é fixa, mas sim mutável: todos os cidadãos são produzidos pela cultura ao mesmo tempo em que são seus produtores. Assim, mantendo as portas abertas para o diálogo, construímos e reconstruímos a cultura política brasileira, juntos.
Você já sabia dessas características da cultura política brasileira? Lembrou de mais alguma que deveria estar nessa lista? Conte para nós!
Atualizado em 06 de novembro de 2019.
REFERÊNCIAS
Ensaios e notas; Estadão; Latinobarômetro 2016; Latinobarômetro 1995-2015; Pew Research Center; Revista Saber Eletrônico; The Economist; The Yale Review; TSE; UCB; TSE; Democracy Index 2018; Democracy Index 2010; Democracy Index 2013; Democracy Index 2014
BAQUERO, Marcello. Desafios da democratização na América Latina. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 1999.