Este é o terceiro texto de uma trilha de conteúdos sobre planejamento urbano. Confira os demais posts da trilha:
- Planejamento urbano no Brasil: um breve histórico
- O que é um Plano Diretor?
- Você está aqui!
- Plano diretor participativo: necessidade ou ilusão?
Ao terminar de ler este conteúdo, você terá concluído 75% desta trilha.
Há vários instrumentos que, de uma forma ou de outra, remetem ao planejamento de uma cidade, como o PPA, a LOA e o Plano de Metas. Contudo, quando falamos de planejamento urbano, nenhum instrumento tem maior relevância do que o plano diretor.
Conforme vimos sobre planejamento urbano, o plano diretor é o principal instrumento da política urbana brasileira. Durante sua elaboração, é comum vermos notícias sobre confusões e “quebra pau” em audiências públicas e sessões de discussão sobre seu conteúdo nas Câmaras de Vereadores. Afinal, por que o plano diretor é tão relevante, do que trata exatamente e por que movimenta tanto interesse? Continue aqui e entenda esse importante instrumento público.
Centralidade do plano diretor no planejamento das cidades brasileiras
No Brasil, as bases para o planejamento das cidades estão estabelecidas no Estatuto da Cidade (Lei 10.257/2001). O Estatuto da Cidade pode ser considerado o principal marco legal para o desenvolvimento das cidades, junto à Constituição de 1988, de onde originam seus princípios e diretrizes fundamentais. Ele estabelece as normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental.
Quer entender mais sobre cidades sustentáveis? Confira o conteúdo do Projeto Direito ao Desenvolvimento: Você sabe o que são cidades sustentáveis? Entenda o ODS 11!
Já no seu artigo 2º, o Estatuto da Cidade dispõe que “a política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana”. Mas, o que isso significa? De forma geral, são duas coisas:
- A propriedade urbana, embora privada, deve ter uma função social. Em tese, o dono de um terreno baldio tem o direito de fazer dele o que preferir, correto? Contudo, se for melhor para a cidade como um todo que aquela região onde o terreno se encontra seja exclusivamente residencial, é legítimo que o poder público fixe a obrigação de que apenas moradias sejam instaladas ali. A propriedade continua sendo privada, porém sua função social será garantida pela exigência que a lei impõe sobre seu uso;
- No Brasil, assim como em outras regiões subdesenvolvidas do planeta, as cidades cresceram de modo desordenado, criando problemas como a degradação do meio ambiente, os longos deslocamentos, a falta de saneamento básico, entre outros. Cabe à política urbana induzir o desenvolvimento inclusivo, sustentável e equilibrado, de modo a corrigir essas distorções históricas.
Assim, o planejamento urbano deve ir além dos aspectos físicos e territoriais, encarando o ordenamento do território como um meio para cumprir objetivos maiores, a citar:
- Garantia do direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infraestrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações;
- Oferta de equipamentos urbanos e comunitários, transporte e serviços públicos adequados aos interesses e necessidades da população e às características locais;
- Evitar e corrigir as distorções do crescimento urbano e seus efeitos negativos sobre o meio ambiente.
É nesse contexto que se introduz o plano diretor como ferramenta central do planejamento de cidades no Brasil. Conforme os artigos 39º e 40º do Estatuto da Cidade, o plano diretor é “o instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão urbana”. É ele quem deve promover o diálogo entre os aspectos físicos/territoriais e os objetivos sociais, econômicos e ambientais que temos para a cidade. O plano deve ter como objetivo distribuir os riscos e benefícios da urbanização, induzindo um desenvolvimento mais inclusivo e sustentável.
Fica ainda mais nítida a importância legal atribuída a esse instrumento uma vez que consideramos três fatores:
- Legalidade: o plano diretor é um instrumento estabelecido na Constituição Federal de 1988, regulamentado pelo Estatuto da Cidade. Os demais instrumentos de planejamento de governo – o plano plurianual, as diretrizes orçamentárias e o orçamento anual – devem incorporar as diretrizes e as prioridades nele contidas;
- Abrangência: o plano diretor deve abranger o território do município como um todo. Não está restrito a bairros ou partes específicas da cidade;
- Obrigatoriedade: sua realização é obrigatória para municípios com mais de 20 mil habitantes, o que significa afirmar que para quase ⅓ (31,6%) dos municípios brasileiros o plano diretor não é uma opção, é uma obrigação. Mais importante ainda, significa afirmar que pelo menos 84,2% da população do país vive em municípios que (em tese) deveriam ter seu desenvolvimento econômico, social e ambiental regido por um plano diretor.
Por fim, cabe destacar que o Estatuto da Cidade mantém a divisão de competências entre os três níveis de governo (federal, estadual, municipal), concentrando na esfera municipal as atribuições de legislar em matéria urbana.
Afinal, o que é o plano diretor?
O professor Flávio Villaça, da USP, define plano diretor como:
Um plano que, a partir de um diagnóstico científico da realidade física, social, econômica, política e administrativa da cidade, do município e de sua região, apresentaria um conjunto de propostas para o futuro desenvolvimento socioeconômico e futura organização espacial dos usos do solo urbano, das redes de infraestrutura e de elementos fundamentais da estrutura urbana, para a cidade e para o município, propostas estas definidas para curto, médio e longo prazos, e aprovadas por lei municipal. (Villaça, 1999, p.238)
Essa definição acadêmica pode parecer complicada, por isso dividimos a definição do que é plano diretor a partir de três aspectos: seu propósito, seu processo e seu produto.
Quanto ao produto: o que é um plano diretor?
O plano diretor é uma lei municipal, elaborada pelo Poder Executivo (prefeitura) aprovada pelo Poder Legislativo (Câmara de Vereadores), que estabelece regras, parâmetros, incentivos e instrumentos para o desenvolvimento da cidade. Ele atua em sentidos distintos, porém complementares:
- Obrigando aos privados (empresas, cidadãos) o cumprimento de certas exigências, por exemplo, restringindo os usos permitidos para os terrenos ou imóveis;
- Incentivando ou induzindo os privados a tomarem certas ações, por exemplo, estabelecendo incentivos tributários para a instalação de empresas em certos locais;
- Comprometendo o poder público municipal a realizar investimentos, intervenções urbanas e afins, por exemplo, ampliando a infraestrutura urbana ou a oferta de equipamentos públicos em determinadas regiões.
Quanto ao processo: como se faz um plano diretor?
O próprio Ministério das Cidades publicou um guia basilar para elaboração dos planos diretores que estabelece uma série de etapas para sua elaboração, priorizando a participação social em todo o caminho.
Ele começa com o estabelecimento de um núcleo gestor com participação de lideranças dos diferentes segmentos da sociedade (governo, empresas, sindicatos, movimentos sociais), segue com a realização de uma leitura (tanto da perspectiva técnica quanto da perspectiva comunitária) da cidade como é hoje, passa à elaboração e discussão de uma minuta de lei e, finalmente, a aprovação na Câmara Municipal.
Nesse aspecto, apontamos dois aspectos centrais do plano diretor:
- Político: é necessário equilibrar aspectos técnicos e políticos, pois planejar é fazer política. Um plano tecnicamente bom pode ser politicamente inviável, e um plano politicamente justo pode ser tecnicamente impraticável. Vivemos em uma democracia, onde aspectos técnicos sempre precisam passar por uma discussão política.
- Democrático: o plano diretor se estabelece como um instrumento democrático, uma vez que pressupõe a realização de audiências públicas abertas, com ampla participação. Os moradores devem ser chamados a participar do debate sobre a cidade que eles mesmos querem.
Essa abordagem vem ao encontro da diretriz do próprio Estatuto da Cidade, que pressupõe a gestão democrática, com participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade na formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano.
Quanto ao propósito: para que serve um plano diretor?
Conforme já apontado, cabe ao plano diretor criar as bases para uma cidade inclusiva, equilibrada, sustentável, que promova qualidade de vida a todos os seus cidadãos, reduzindo os riscos do crescimento desenfreado e distribuindo de forma justa os custos e benefícios da urbanização.
Além disso, o plano diretor fornece transparência para a política de planejamento urbano, ao instituí-la em forma de lei. Diretrizes urbanas sempre existirão, a diferença é que com o plano diretor elas ficam explícitas, disponíveis ao cidadão para criticar, compreender e atuar sob “regras do jogo” bem definidas. Com ele, o cidadão pode decidir melhor ao escolher onde comprar uma casa para morar, o empresário pode escolher melhor onde investir em um novo negócio.
Apresentamos a você o que é o plano diretor, como ele deve ser elaborado e para que ele serve. Contudo, será que na prática ele funciona? Para saber mais, continue aprendendo no próximo texto da trilha!
E aí, compreendeu o que como um plano diretor é elaborado? Deixe suas dúvidas nos comentários!
Referências:
- BRAGA, Roberto. Plano Diretor Municipal: três questões para discussão. Caderno do Departamento de Planejamento, Faculdade de Ciências e Tecnologia-Unesp, Presidente Prudente, v.1, n.1, p.15-20, ago. 1995. BRASIL. Ministério das Cidades. Lei no 10.257/2001: Estatuto da Cidade. 2001.
- CARVALHO, S. H. Estatuto da Cidade: aspectos políticos e técnicos do plano diretor. São Paulo em Perspectiva, v.15, n.4, p.130-135, 2001.
- GLAESER, E. “O triunfo das cidades”. BEI, 2016. BGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Publicado em: 13/09/2016. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/estimativa2016/estimativa_dou.sh tm. Acesso em: 3 de agosto de 2017.
- MCKINSEY GLOBAL INSTITUTE. Urban world: Meeting the demographic challenge in cities, 2016.
- UN HABITAT. World Cities Report | Urbanization and Development: Emerging Futures, 2016.
4 comentários em “Plano diretor: como é feito e para que serve?”
Muito importante conhecer o plano diretor da sua cidade.
Boa noite, sou José Luís, morador de Jacareí – SP. Depois de ler calmamente toda essa publicação, me interessei em aprender mais sobre Plano Diretor!
No próximo dia 4 de agosto, estarei concorrendo uma vaga de delegado, e ao estudar a matéria acima, entendi que, não só devo concorrer a essa vaga, mas também, além dos meus oito anos como assessor político na Câmara municipal, devo contribuir ainda mais para que minha cidade, Jacareí, venha ser, a cidade que eu quero.
Um forte abraço e parabéns a todos que elaboraram esse estudo sensacional.
Olá! Quem tem acesso ao Plano diretor ? é obrigatório a prefeitura fornecer para quem quer que seja ? Ou há algum repositório público no qual posso buscar o Plano Diretor da minha cidade?
É hilário acontecer um eleição para prefeito e vereadores de um município, onde a população não sabe o que é um PPAM, um PDM e nem um PEM. O Pior, é que o Prefeito que está saindo não apresenta seus resultados quantos a esses Planos. Pelo menos o PPAM.
Ainda mais vergonhoso, que os planos dos candidatos a prefeitos apresentam planos como um lista simplista com verbos que não dizem nada, como “garantir, restabelecer, e ….” não informando o como será realizado, o quando será realizado, e quanto vai custar e de onde vai vir a verba. ISSO TEM QUE MUDAR!