O que é Genocídio? 5 pontos para entender o conceito

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O garimpo ilegal está destruindo a floresta dos índios, e poluindo seus rios com mercúrio. Ilustrativo do genocídio indígena Fonte: Colin Jones/Survival
O garimpo ilegal está destruindo a floresta dos índios, e poluindo seus rios com mercúrio. Ilustrativo do genocídio indígena. Fonte: Colin Jones/Survival

Apesar de o termo “genocídio” ser relativamente recente, os atos aos quais se refere vêm sendo praticados há séculos por diferentes povos no mundo inteiro. A crise mundial de refugiados, por exemplo, está intrinsecamente ligada a essas práticas.

Em meio a tantas discussões sobre violações de direitos humanos e propagação de discursos de ódio, vale relembrar o que a História nos ensinou sobre o resultado que a combinação destas práticas pode gerar.

1- O que é genocídio?

Em 1944, o advogado polonês Raphael Lemkin cunhou o termo “genocídio” em sua obra, “O Domínio do Eixo na Europa Ocupada”, para descrever os assassinatos sistemáticos do povo judeu na Europa pela Alemanha nazista. No ano seguinte, o termo foi utilizado no Tribunal Militar Internacional de Nuremberg, que julgou os crimes cometidos pelos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial, junto à acusação de “crimes contra a humanidade”.

Esse foi o primeiro passo para que, em 1948, a recém-criada Organização das Nações Unidas (ONU) aprovasse a Convenção para a Prevenção e Punição de Crimes de Genocídio, caracterizando o genocídio como crime de caráter internacional e o definindo como “atos cometidos com a intenção de destruir, total ou parcialmente, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso”. Dentre esses atos, estão explicitados:

  • O assassinato e provocação de danos à integridade física ou mental de membros do grupo;
  • A imposição de condições de vida que possam causar sua destruição física e mental ou que impeçam a reprodução física de membros do grupo;
  • A transferência à força de crianças de um grupo para outro.

Atualmente, o órgão competente para julgar genocídios, crimes de guerra e crimes contra a humanidade é a Corte Penal Internacional, situada em Haia (Países Baixos), em casos nos quais tribunais nacionais não possam ou não queiram fazer o julgamento. Apenas sete países se opuseram ao Estatuto de Roma de 1998, responsável pelo projeto de criação do tribunal: Estados Unidos, China, Israel, Iêmen, Iraque, Líbia e Qatar.

Dentre os casos mais conhecidos julgados pela Corte, estão as condenações de Dragomir Milosevic, por crimes contra a humanidade durante a Guerra da Bósnia (1992-1995), Theoneste Bagosora, Callixte Kalimanzira e Augustin Bizimungu, pelo massacre dos tutsis em Ruanda (1994), e Ante Gotovina, pelos crimes de guerra contra a população sérvia na Croácia (1995).

Qual a pena para o crime de genocídio

O genocídio é considerado crime contra a humanidade e a Organização das Nações Unidas (ONU) formulou uma série de medidas para impedir que estes crimes aconteçam. No Brasil, o sistema jurídico define o combate ao crime de genocídio em nível constitucional e infraconstitucional.

Na Constituição Federal, o art. 4 determina repúdio às práticas de racismo e genocídio, além disso, o texto constitucional indica que crimes dessa natureza sejam inafiançáveis e imprescritíveis, conforme diz o art. 5, incisos XLI e XLII da CF/88.

Veja também nosso vídeo sobre a Organização das Nações Unidas!

2 – Diferença entre genocídio e etnocídio

Como já foi dito anteriormente, genocídio é a eliminação/extermínio sistemático e intencional de um grupo, seja através da aplicação da força ou por meio de negligência. A motivação decorre da discriminação contra estes grupos, geralmente, minoritários.

etnocídio é um termo que passou a ser utilizado pela antropologia e diz sobre a ação de “matar” uma cultura de determinado povo, ou seja, a destruição de elementos culturais, símbolos, religião e tudo o que envolve a cultura de um povo.

3 – O genocídio na história

Práticas de dizimação de populações por motivos políticos, étnicos, raciais e/ou religiosos datam de muitos séculos anteriores à origem do termo “genocídio” e da Corte Penal Internacional. É o caso da própria colonização dos continentes americano e africano, baseada na exploração, perseguição e extermínio de povos que neles habitavam – responsáveis por diversos reflexos e desigualdades sociais persistentes ainda hoje.

Além disso, existem exemplos históricos que permitem caracterizar o genocídio como prática corriqueira de expansão imperialista, aqui entendida como ampliação e manutenção do controle ou influência de grandes potências, como a Grã-Bretanha, a França e os Estados Unidos, sobre países ou nações com menores recursos econômicos, políticos e militares.

O genocídio de tutsis

O palco deste caso foi em Ruanda, realizado pela etnia hutu — etnia majoritária —, durante a guerra civil que ocorreu no território entre 1990 e 1994. Os registros mostram que, somente em 1994, cerca de 800 mil tutsis teriam sido mortos no combate por guerrilheiros hutus no território de Ruanda.

A grande fome de Mao

Durante o governo chinês, na liderança de Mao Tse-Tung, com a segurança alimentar garantida pelo desenvolvimento agrícola no país teria sido abalado, com isso, veio um surto de fome que, somado a uma sequência de imposições, resultou na morte dos cidadãos por inanição, além de mortes por soldados do governo. Calcula-se cerca de 40 milhões de pessoas dentro de um intervalo de cerca de 18 anos.

O holocausto judeu – Shoah

O nazismo foi um movimento totalitário que teve como líder Adolf Hitler. Durante os anos de poder, foi notória a perseguição aos judeus e outras minorias étnicas e religiosas, como negros, ciganos, LGBTs, dentre outros. 

A perseguição se excedeu a ponto de criar-se um campo de concentração onde:

  • Aqueles considerados aptos para o trabalho, trabalhariam até morrer por exaustão e fome;
  • Aqueles considerados não-aptos para o trabalho: seriam mortos na câmara de gás.

Os genocídios soviéticos

Outro caso ocorreu na União Soviética sob liderança de Josef Stalin. Os registros estimam que nos campos Gulag teriam morrido cerca de três milhões de pessoas.

Veja também nosso vídeo sobre como era a vida na União Soviética!

O holocausto africano

Este caso diz sobre o que ocorreu no Congo Belga no início do século XX, durante a expansão do novo colonialismo. Com as tropas do rei Leopoldo II instaladas no território, os cidadãos da região foram obrigados a servir à Coroa como escravos e, ainda, ocorreram diversos assassinatos, torturas e estupros. A estimativa é de que teriam morrido cerca de 10 milhões de congoleses nesse período.

4 – Genocídio no Brasil: a população indígena Yanomami

No Brasil, o genocídio foi reconhecido como crime a partir da Lei no. 2.889 de 1956. O caso mais famoso, em termos de repercussão internacional, de um genocídio julgado no Brasil diz respeito ao chamado “massacre de Haximu”, perpetuado por garimpeiros contra a população indígena Yanomami. Em resumo, o caso consistiu em dois ataques durante os meses de junho e julho de 1993, nos quais os garimpeiros cercaram um acampamento Yanomami armados de facões, espingardas e revólveres, mutilando e assassinando 16 pessoas, dentre elas, mulheres idosas, adolescentes e crianças.

Leia também: Os direitos indígenas no Brasil

Em 1996, a Justiça Federal de Boa Vista (Roraima) condenou 5 garimpeiros a 19-20 anos de prisão pelo massacre na comunidade Haximu. Após tentativas de revisão do caso nos anos seguintes, o Supremo Tribunal Federal proferiu a decisão final e unânime sobre o caso de Haximu: que fora genocídio e que a condenação da Justiça Federal de Boa Vista deveria ser mantida.

Xamã Yanomami, Davi Kopenawa. O garimpo ilegal está ameaçando a vida dos Yanomami.  Fiona Watson/Survival
Xamã Yanomami, Davi Kopenawa. O garimpo ilegal está ameaçando a vida dos Yanomami. Fiona Watson/Survival

Cabe ressaltar que o massacre dos Yanomami estava inserido no contexto, ainda atual, de conflitos entre as comunidades indígenas e o trabalho de exploração e extração de minérios dos garimpos, particularmente comuns na região amazônica. Este caso reflete o legado colonial de violência contra os povos indígenas brasileiros.

Em janeiro de 2023, outro caso veio à tona com o povo yanomami. O Ministério da Saúde declarou estado de emergência de saúde pública no território yanomami devido ao aumento de casos de desnutrição e malária na reserva indígena. Esses casos ocasionaram inúmeras mortes, calculando ao todo cerca de 570 crianças yanomami mortas por desnutrição e causas evitáveis ao longo dos últimos quatro anos.

Desde que a situação se tornou pública, o Ministério da Saúde adotou ações para controlar a crise, para isso, foi instalado um hospital de campanha e foram direcionados insumos e profissionais da saúde para a reserva indígena.

Além disso, o Ministério da Justiça também adotou medidas, dessa forma, determinou a abertura de inquérito para investigar a situação e considera que houve: crime de genocídio, crimes ambientais — como o garimpo ilegal — e omissão de socorro com a população.

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) afirmou que a situação teria sido denunciada, no mínimo, 21 vezes à Justiça, porém não tiveram resposta.

5 – Outros debates nesse tema

Atualmente, há um grande debate sobre o reconhecimento do genocídio da população negra, particularmente da juventude negra, em países com perfis carcerário e de violência policial como os do Brasil e dos Estados Unidos. Nestes países, os índices de desigualdade racial dentro dos presídios são tão alarmantes que o encarceramento em massa é visto, por muitos, como uma continuidade das políticas de segregação racial.

Outra questão frequentemente debatida, tanto em âmbito nacional quanto no âmbito de organizações como a ONU e a Anistia Internacional, está relacionada aos altos índices de violência contra a população LGBTQI, especialmente no Brasil, que foi um dos países com maior número relativo de assassinatos de transexuais no mundo entre 2008 e 2016.

Recentemente, no contexto da CPI da Covid-19, o relatório da investigação trouxe o termo genocídio à tona como um dos possíveis crimes cometidos contra populações indígenas pelo Governo Federal – no entanto, a acusação foi removida da versão final do relatório.

A inserção do termo “genocídio” ao debate possibilitou a elaboração de formas de proteção jurídica a grupos marginalizados. Entretanto, é necessário ter em mente que a perseguição e exterminação sistemáticas de um determinado grupo de pessoas não ocorre de forma espontânea ou automática – as práticas que caracterizam o genocídio devem ser entendidas dentro de seu contexto histórico, interpretadas como a expressão máxima de uma crescente trajetória de violência.

Uma vez compreendida desta forma, torna-se possível mapear o início desta trajetória e adotar medidas para prevenir que seu desenvolvimento resulte em genocídio.

Referências:
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1 comentário em “O que é Genocídio? 5 pontos para entender o conceito”

  1. Jacob Caetano da Silva

    Bom dia a todos!, tenho Dúvidas sobre o tema, gosto de ler muito e o termo Genocídio, eu entendia que era gerado pelo ódio e a vontade de eliminar uma classe social contrária as suas ideias e convicções, no caso do Brasil, chamar Bolsonaro de Genocida, é coisa de adversário aproveitador, se fosse verdade, todos os países do mundo teriam seu genocida pelos mesmos motivos., mas, minha dúvida é sobre o massacre dos ‘haximu”, em 1996(16 pessoas), pelos garimpeiros cujo os registros dizem que foram condenados(5), neste caso as mortes foram ao meu ver por interesses comerciais, e, não importa quem estivessem lá seriam mortos…, essa minha duvida, obrigado.

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Conteúdo escrito por:
Mestranda em Ciência Política pela UFRGS e bacharela em Relações Internacionais pela mesma universidade. É também sócia-fundadora da Descomplicando, portal de serviços de assessoria acadêmica.
Lammerhirt, Laura. O que é Genocídio? 5 pontos para entender o conceito. Politize!, 24 de janeiro, 2018
Disponível em: https://www.politize.com.br/genocidio-o-que-e/.
Acesso em: 20 de nov, 2024.

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