É comum ouvirmos as pessoas falarem que os postos de saúde estão sempre cheios e que o SUS não funciona. Ainda que em parte isso possa ter origem na falta de planejamento local, fizemos um levantamento das equipes de trabalho minimamente necessárias para a execução da principal estratégia de saúde brasileira, a fim de conferir o que está acontecendo com a nossa saúde pública e um de seus principais serviços de saúde.
Entendendo a Atenção Básica à Saúde no Brasil
No Brasil, a Atenção Básica à Saúde, representada pelos postos de saúde, atendem cerca de 80% das demandas de saúde. Regida pela Estratégia Saúde da Família (ESF), é embasada em princípios como a universalidade, integralidade, equidade, descentralização, regionalização, hierarquização e, claro, a participação social.
De acordo com a Política de Atenção Básica (PNAB) de 2011, cada equipe de Estratégia Saúde da Família deve conter no mínimo:
- um médico da família;
- um enfermeiro da família;
- um auxiliar e/ou técnico de enfermagem;
- e agentes comunitários de saúde (para cada 750 pessoas cobertas).
Além disso, a política afirmava (antes da sua reforma) que, para a execução da estratégia com eficiência, cada equipe ESF deve cobrir até 4.000 habitantes, sendo 3.000 no caso de uma região considerada em estado mais vulnerável. Ainda que a atual reforma da PNAB tenha alterado um pouco esses parâmetros, os critérios utilizados neste artigo se basearam na sua constituição de antes da reforma, visto que os dados analisados são de 2017.
Considerado isto, a Tabela 1 traz a média populacional coberta por uma equipe ESF. Ainda que seja uma média, podemos perceber claramente que a proporção de usuários cobertos pelas equipes de ESF foram em sua maioria superiores ao estipulado na PNAB.
Tabela 1. Proporção de usuários do SUS cobertos por equipes ESF, segundo macrorregiões brasileiras (2017)
A Tabela 1 mostra que a região com menor cobertura populacional é a Sudeste, onde uma equipe ESF atende, em média, 66,6% mais pessoas do que uma equipe localizada no Nordeste brasileiro. Ainda que não possamos desconsiderar que a SUS-dependência seja maior no Nordeste, o confronto mostra que, excetuando essa macrorregião, as demais não estão em acordo com a PNAB.
Aprofundando a análise para os estados, a Figura 1 mostra quantos habitantes uma equipe ESF tem que cobrir, de acordo com o estado.
Figura 1. Proporção de usuários cobertos por equipe ESF, segundo estados (2017)
Nos parâmetros adotados para a análise, apenas 37% dos estados (10) apresentaram, na média, a relação de cobertura indicada pela Política Nacional de Atenção Básica. O Distrito Federal apresentou a pior relação entre equipes ESF e o número de habitantes. Na média, uma equipe ESF cobriu cerca de quatro vezes mais habitantes que o Piauí, estado com o melhor índice. Avaliando o segundo estado com pior cobertura, São Paulo, foi verificado que uma equipe ESF cobria 3,5 vezes mais habitantes que o Piauí.
Quando analisadas as capitais dos estados, a Figura 2 traz algumas curiosidades. Apenas 11,1% das capitais (3) apresentaram, na média, a relação de cobertura indicada pela Política Nacional de Atenção Básica. A capital com a pior cobertura de ESF foi Macapá (AP), cuja equipe ESF em média cobria mais de quatro vezes o número de habitantes que a melhor capital, Palmas (TO). Outro ponto que merece destaque é que alguns estados mal ranqueados mostraram uma maior atenção às capitais, como é o caso do Rio de Janeiro, com o estado na 23ª posição e com a capital na 8ª posição, e do Espírito Santo na 21º posição, com sua capital Vitória na 6º posição, o que denota concentração de investimentos.
Afirmações mais profundas só podem ser realizadas a partir da análise de uma série de variáveis, como os fatores condicionantes e determinantes do perfil de saúde e doença da região analisada, não considerados neste artigo. É importante entendermos que a ineficiência do SUS possui uma série de problemáticas, tendo os pontos aqui levantados, o objetivo de instigar a reflexão de qual estrutura a população dispõe para atender às suas necessidades em um serviço básico como os oferecidos pelos postos de saúde. Ainda assim, é certo afirmar que a realidade se mostra longe do que a política sugere.
Figura 2. Proporção de usuários cobertos por equipe ESF, segundo capitais dos estados (2017).
Para concluir, o artigo sugere que não são, necessariamente, as regras do jogo que tornam os postos de saúde menos eficientes, mas sim a falta de equipes ESF e a desigualdade e concentração de investimentos em algumas macrorregiões e estados brasileiros. Mais variáveis devem ser consideradas para um melhor delineamento dos problemas que assolam os serviços de saúde no SUS, mas é certo afirmar que a maioria das regiões analisadas não mostrou ter a cobertura preconizada pela Política Nacional de Atenção Básica, no ano de 2017.
Para complementar seus conhecimentos sobre o tema, confira também o vídeo feito em parceria com o Paulo Sérgio, autor deste texto:
Se gostou de saber sobre como andam nossos serviços de saúde, leia também da nossa trilha sobre saúde pública.
Referências do texto: confira aqui onde encontramos dados e informações!
BRASIL. Ministério da Saúde. Política Nacional de Atenção Básica / Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção a Saúde. Departamento de Atenção Básica. – Brasília: Ministério da Saúde, 2012.
BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria nº 2.436, de 21 de Setembro de 2017. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes para a organização da Atenção Básica, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Brasília: Ministério da Saúde, 2017.
IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Estimativas de População. Acesso em 05/03/2018.
DATASUS. Ministério da Saúde. Histórico de Cobertura (período dez/2017). Acesso em 05/03/2018.
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