O PCC e as facções criminosas

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Créditos: Revista Piauí

Muito se fala sobre o sistema prisional e as medidas que precisam ser tomadas para que a segurança aumente no Brasil. Porém, os fatores que rondam a segurança pública são inúmeros, e envolvem muito mais do que o cidadão comum seguro em casa e a criação de novos presídios.

O aumento numérico de presos e a falta de estrutura para esse volume de pessoas culminou na criação e no fortalecimento de facções criminosas no país. Mas como funcionam essas facções? Como foram criadas e cresceram de maneira tão rápida? Neste post, vamos explicar tudo isso – e você conhece ainda a história de uma das maiores facções atuantes no Brasil: o famoso PCC.

Veja também nosso vídeo sobre legalização das drogas!

Primeiro Comando da Capital (PPC)

Conhecimento popularmente como PCC, a facção criminosa paulista teve início na tarde do dia 31 de agosto de 1993, durante um jogo de futebol na Casa de Custódia “Pinheirão”. O livro-reportagem O sindicato do crime, de Percival de Souza, conta:

“‘Eram 8 presos, transferidos da capital por problemas disciplinares, para ficar em Taubaté – até então, temido pela classe carcerária’. Os detentos permaneciam 23 horas ininterruptas dentro da cela. Os oito estavam sendo punidos pela má conduta no antigo presídio e pelo fato de ter vindo de São Paulo o time foi chamado de Comando da Capital.”

A facção é considerada por muitos a mais perigosa do País. Apesar de seu surgimento ter ocorrido neste dia, jornais de grande circulação, como a Folha de S. Paulo, só começaram a mencionar o grupo posteriormente. Até o dia 22 de maio de 1997, o veículo se referia à Sigla PCC como ‘Plano de Classificação de Cargos’. No dia 25, o jornal citou pela primeira vez o título Primeiro Comando da Capital, no caderno Cotidiano, validando assim o nome pelo qual  o grupo seria conhecido.

Entre uma conversa e outra, discutiu-se a criação de uma fraternidade de presos, com um único objetivo: evitar que se repetissem eventos como o ‘massacre do Carandiru’ – como ficou conhecida a rebelião no pavilhão 9 da extinta Casa de Detenção do Carandiru, no dia 2 de outubro de 1992, um dos episódios mais sangrentos da história penitenciária mundial. A lógica do grupo era de que, criando uma hierarquia entre os presos, seria possível evitar conflitos internos, como o que serviu de estopim para a rebelião no Carandiru, e ainda combater os maus tratos e exigir melhores condições aos presos do Estado.

Com o passar dos anos e com um número crescente de presos filiados à facção, pertencer ao PCC deu um novo ‘patamar’ ao mundo do crime e aos que o compunham. Nos primeiros anos, o PCC contava com oito mil integrantes. Em 2006, contabilizando apenas nos presídios, o grupo registrava 120 mil integrantes. Hoje, comandada por presos e foragidos, em especial no estado de São Paulo, estima-se que a facção conte com 130 mil membros.

Quer entender mais sobre violência e cultura de paz? Confira o conteúdo do Projeto Direito ao Desenvolvimento: Como o ODS 16 ajuda a combater a violência e promover uma cultura de paz?

Como funciona o PCC?

Desde o seu início, a facção cobra mensalidade de seus ‘associados’, tendo criado e  ampliado com o passar dos anos uma rede de apoio aos presos, o que inclui a contratação de advogados e apoio financeiro às suas famílias. Com o passar dos anos, o grupo criminoso se espalhou por todo o sistema prisional e impôs regras de condutas aos detentos, como, por exemplo, a proibição do uso do crack nas cadeias e de assassinatos por dívidas de drogas.

De acordo com Graham Willis – professor da Universidade de Cambridge e também autor do livro ‘The Killing Consensus’, que trata da violência homicida em São Paulo – e o próprio PCC, as regras teriam diminuído os índices de morte nas penitenciárias. Porém, de acordo com a Pastoral Carcerária, não há a divulgação de dados oficiais que retratem a evolução da mortalidade nos presídios. Os dados existentes, retirados de um levantamento realizado pela entidade nos presídios de São Paulo entre 1999 e 2006, apontam que as mortes caíram de 522  (o equivalente a 1% da população carcerária na época), em 1999, para 377 (0,3%), em 2006. No entanto, a Secretaria de Administração Penitenciária de São Paulo não confirmou esses números, e quando questionada pela BBC Brasil, não enviaram novos dados.

Além das regras impostas de maneira oral, a facção tem sua atuação norteada por um estatuto. Criado em 2001, de acordo com a obra de Percival de Souza, o documento possui 16 itens que preveem os princípios da organização. Um trecho do livro O Sindicato do Crime diz que o “crime organizado construiu seu formato, estabeleceu seus códigos, criou uma nova linguagem, avançou sobre funcionários de presídios, sobre juízes, policiais, promotores, advogados e sobre jornalistas”.

Tanto é que o modelo que a facção segue serviu de inspiração e contribuiu para a formação de outras organizações criminosas nos presídios paulistas, que em contrapartida se dedicam até hoje a fazer frente ao poder do PCC.

Os ‘negócios’ do PCC

Em 15 de junho de 2016, com o assassinato de Jorge Rafaat – conhecido como o “Rei da fronteira”, o “chefão” do crime organizado na fronteira com o Paraguai – o PCC alcançou a hegemonia do tráfico de drogas e armas a partir da região, tornando-se assim o primeiro cartel internacional de drogas com sede no Brasil, nomeado de Narcossul.

De acordo com a edição 2498 de outubro de 2016 da Revista Veja, se a facção criminosa fosse uma empresa, seria uma das maiores do país:

“Se fosse uma empresa, o PCC seria hoje a décima sexta maior do país, à frente de gigantes como a montadora Volkswagen. Trata-se de um império corporativo em que os produtos são as drogas ilícitas. Os clientes são dependentes químicos. Os fornecedores são criminosos paraguaios, bolivianos e colombianos. Os métodos são o assassinato, a extorsão, a propina e a lavagem de dinheiro. As áreas de diversificação são os assaltos a bancos, o roubo de carga e o tráfico de armas.Apenas com a venda de drogas para o consumo no território nacional, a organização alcança um faturamento anual da ordem de 20,3 bilhões de reais, sem incluir as receitas com roubo de cargas e assalto a banco.”

Tendo, de fato, a prática de negócios inspirada em modelos empresariais, o grupo tem o tráfico de drogas como um de seus principais negócios desde a sua fundação, sendo considerado hoje o “carro-chefe” do PCC.

Ainda de acordo com a Veja, a organização controla mais da metade do comércio de entorpecentes no Brasil e alcança um faturamento anual de 20,3 bilhões de reais, sem incluir as receitas com roubo de carga e assalto a banco. Em 2015, cerca de 3 000 caixas eletrônicos foram explodidos no país. Suspeita-se que o PCC esteja por trás de pelo menos um terço dos ataques.

O levantamento da revista aponta que o dinheiro dos narcotraficantes do PCC é destinado a propinas (para pagar policiais, juízes e políticos); patrocinar execuções e remunerar todos os filiados que atuam neste “ramo” da facção. Ainda segundo a Veja, uma parte considerável do lucro da facção é utilizada nas operações de lavagem de dinheiro e em empresas de fachada, para ocultar a origem do dinheiro do poder público. Os custos podem ser altos, mas a margem de lucro do tráfico é imbatível. A diferença de preço entre 1 quilo de cocaína na Bolívia e 1 quilo da droga no Brasil é de 1.500%.

Outras facções criminosas

Tendo sido responsáveis por eventos de grande repercussão, como as megarrebeliões em presídios, ataques simultâneos a órgãos públicos, incêndios a ônibus, sequestro de jornalista e até a suspensão da rotina na cidade de São Paulo – que ocorreu em maio de 2006 -, o PCC chamou a atenção não só da mídia e do público, mas também de outras facções criminosas, conquistando inúmeros inimigos ao longo dos anos.

Com base na Operação Echelon – que investigou em âmbito nacional o PCC, prendeu inúmeros membros e obteve cartas e celulares de integrantes da facção -, o UOL apontou que:

“O PCC tem, ao menos, dez facções inimigas e 14 aliadas no Brasil. Quem se associa ao PCC recebe vantagens como a possibilidade de comprar carregamentos de armas e cocaína a custos inferiores do que o praticado pelos concorrentes, por exemplo.”

(…) Apesar de inspiradas no modelo paulista, gangues estaduais passaram a disputar com o PCC o domínio dos cárceres e das rotas e pontos de vendas de drogas. A amazonense Família do Norte e a paraibana Okaida surgiram nesse panorama”.

Porém, entre os seus adversários, o Comando Vermelho é o que mais se destaca. Facção com origem no Rio de Janeiro ainda durante a ditadura militar,  inspirou a criação do PCC. Ambas eram parceiras, porém, em 2013, conflitos fizeram com que as duas facções criminosas rompessem definitivamente em 2016.

Comando Vermelho

A facção Comando Vermelho Rogério Lemgruber (CV), tida como o segundo maior grupo criminoso do Brasil, teve sua criação na prisão Cândido Mendes em 1979, na Ilha Grande, em Angra dos Reis, no Rio de Janeiro.

Ao contrário do PCC, o CV descende da Falange Vermelha, criada por Rogério Lemgruber na década de 1970. A prisão, que antes era destinada a doentes de cólera e febre tifoide chegados da Europa e da África, se transformou em uma prisão de presos políticos, opositores da ditadura militar, guerrilheiros, criminosos, assassinos e estupradores cariocas.

Com o lema “Paz, Justiça e Liberdade”, nascia a Falange Vermelha – que posteriormente seria conhecida como Comando Vermelho – a partir da convivência de criminosos e presos enquadrados na Lei de Segurança Nacional, o que incluía de pessoas comuns contrárias à ditadura a sequestradores e ladrões de banco.

Tendo como primeira regra o “respeito ao companheiro”, a facção iniciou o assalto a bancos e o sequestro de empresários e personalidades, porém, com o passar dos anos, o grupo passou a ter como foco o narcotráfico e o roubo de cargas.

O livro-reportagem Comando Vermelho: A história secreta do crime organizado, de Carlos Amorim, revela que, em 1990, 90% das favelas do Rio pertenciam à facção criminosa, tendo, inclusive, financiado escolas de samba e campanhas políticas. Porém, o domínio no Rio tem como ameaça ex-membros da facção, que fundaram o Terceiro Comando Puro (TCP) e a facção Amigos dos Amigos (ADA).

Guerra de facções

CV e PCC são consideradas as maiores facções criminosas do país, disputando o domínio em inúmeros estados, motivados pelo domínio das rotas de drogas e dos próprios presídios.

De acordo com um mapeamento realizado pelo NEV/SP (Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo), dentre os estados mais disputados estão: Acre, Amapá, Alagoas, Ceará, Pará, Rio Grande do Norte, Rondônia, Roraima e Tocantins.

Para os pesquisadores do NEV/SP, Camila Nunes Dias e Bruno Paes Manso, o confronto pelos estados se dá também pelo projeto de expansão da facção paulista pelo Brasil, o que fez com que PCC, CV e facções locais se chocassem. Fato este que contribui também para o aumento de homicídios nestas regiões e as chacinas que foram recorrentes no começo de 2018, por exemplo.

De acordo com o UOL, a rixa entre o Primeiro Comando da Capital e o Comando Vermelho se estabeleceu em 2016, quando líderes da facção paulista enviaram à cúpula do CV um comunicado, através de um bilhete: “Tem algumas facções nos estados, que estão querendo bater de frente com nós [PCC], e elas dizem que fizeram uma aliança com vocês [CV]”.

A facção paulista esperava que os traficantes cariocas intermediassem um acordo, o que não aconteceu, pois, segundo as regras da facção carioca, cada “filial” do Comando Vermelho possui autonomia.

Entre os inúmeros confrontos que se desenrolaram depois dessa negativa, o maior foi o Massacre de Manaus no início de 2017. Na ocasião, membros aliados do CV assassinaram 56 presos, destes, 26 eram filiados ao PCC.

O que as facções criminosas mudam no seu dia a dia?

O título facção pode parecer muitas vezes restrito às prisões e aos crimes mostrados nos noticiários, entretanto, não é isso que aponta o levantamento nacional do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, feito pelo Instituto Datafolha em agosto de 2017. O estudo diz que 23% dos consultados consideram que é alta a chance de que o crime organizado ou facção atue em sua vizinhança; 26% afirmam que a chance é média.

Antigamente restritas a São Paulo e Rio de Janeiro, hoje, as facções estão presentes dentro e fora de presídios de todos os estados do país, tendo, inclusive, conexões internacionais com os principais produtores de cocaína da América do Sul.

Os pesquisadores do NEV/SP, Camila Nunes Dias e Bruno Paes Manso, alertam que além da expansão da facção paulista, outros fatores contribuíram com o crescimento de grupos criminosos, como por exemplo a migração de especialistas de roubos a bancos para outros estados, a abertura de filiais do Comando Vermelho e o surgimento de facções estaduais inspiradas no PCC.

Entretanto, não só a expansão desses grupos influencia nossas vidas, através dos crimes que cometem, mas também as motivações que levaram as facções a serem criadas, pois mostram as lacunas do Estado na administração pública do país.

De acordo com o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen), realizado pelo Departamento Penitenciário Nacional, e divulgado em dezembro de 2017, o total de pessoas encarceradas no Brasil era, em dezembro de 2014, de 622.202 pessoas. Em junho de 2016, esse número chegou a 726.712 presos e presas, o que demonstra um crescimento de 104 mil pessoas. Além disso, 40% desta população é de presos provisórios, ou seja, que não possuem condenação judicial. Para o Depen (Departamento Penitenciário Nacional), o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e as entidades da sociedade civil, a superlotação dos presídios tem como consequência um déficit de 250 mil vagas, levando estes locais a condições precárias.

O fato do Estado não conseguir manter e administrar esses locais, torna mais difícil que o objetivo da prisão – a ressocialização dos presos para torná-lo um indivíduo melhor através de atividades, cursos profissionalizantes, etc – seja cumprido. Dessa forma, o crime organizado encontra meios para se fortalecer, desenvolver o tráfico de drogas nas prisões e aliciar novas pessoas para as facções criminosas.

Outra questão muito discutida é que com as situações insalubres dos presídios, presos de menor periculosidade acabam por se sujeitar a hierarquia interna dos presídios (que em nada se relaciona com o Judiciário) e a contribuir com o poder e a instalação do PCC e de outras inúmeras facções em seus respectivos estados. Ao deixar o cárcere, de acordo com especialistas entrevistados pelo jornal alemão Deutsche Welle, essas pessoas retornam à sociedade piores e ainda aliadas ao crime organizado.

Agora que você conhece um pouco melhor sobre facções, que tal continuar aprendendo e entender o que são milícias? Confira!

Conseguiu entender o que é o PCC e as outras facções criminosas? Deixe suas dúvidas e sugestões nos comentários! 🙂

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4 comentários em “O PCC e as facções criminosas”

  1. Achei um tanto tendenciosa a apresentação dessas duas pessoas falando sobre milícia e cutucando o Pres. da República através de seu filho Flávio Bolsonaro. Muito estranho, no meu ponto de vista estavam indo bem, mas não ouvi falar bem dessa tal vereadora que foi assassinada supostamente pelos milicianos. Ouvi falar que coisa boa não era a vereadora, não que ela merecesse ser assassinada, isso jamais. Foi notória a crítica a família do presidente J.Bolsonaro, insinuar que melicianos são amigos do presidente ou de seus filhos soou meio esquisito. Mas entendi onde vocês realmente queriam chegar, tomem cuidado com as insinuações e falta de respeito.

  2. FABIO EDUARDO SOMME

    O conteúdo do curso permite compreender que o crime organizado, as organizações criminosas vão além dos presídios, como sua origem. Atualmente, com muitas fragilidades que o Governo tem, as facções se infiltraram nas instituições e em todas as camadas sociais, e isso é o que torna essa guerra contra o crime cada vez mais difícil.

  3. ISAIAS JUNIOR RIBEIRO

    O vídeo é interessante mas o viés de tentativa de ligar o crime da tal de Mariele Franco ao filho do presidente é algo vil. Vou destacar essa fala e joga-la na lata de lixo, o que não invalida o restante, é claro, lugar comum, coisa de jornalismo pequeno, parcial e inútil.

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Conteúdo escrito por:
Redatora Voluntária no Politize! Estudante de jornalismo, com formação complementar em Locução e Redação Jornalística pelo SENAC. Aprovada e certificada em Global Diplomacy – Diplomacy in the Modern World pela Universidade de Londres, através da plataforma Coursera. Atualmente, compõe a Assessoria de Comunicação do Centro Paula Souza e é redatora voluntária também do site português Trend Alert.
Bergamin, Beatriz. O PCC e as facções criminosas. Politize!, 4 de fevereiro, 2019
Disponível em: https://www.politize.com.br/pcc-e-faccoes-criminosas/.
Acesso em: 20 de nov, 2024.

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