O despotismo é considerado a forma mais simples de governo que já existiu. Nele, o poder é concentrado em um único governante arbitrário, o déspota (do grego despotes – senhor).
Marcado por características autoritárias, ele se diferencia de outras formas tirânicas de governo, como absolutismos, autocracias e ditaduras, por não encontrar oposição expressiva do povo.
Em diferentes épocas da História, o despotismo se manifestou de formas diversas. Mas há sempre um ponto em comum a todas essas variações: o poder detém a razão.
Primeiros déspotas
O despotismo teve forte presença durante a antiguidade, principalmente na Grécia e em Roma. Não foram poucos os imperadores que exerciam poder soberano, sem que ninguém tivesse direito à sucessão.
Mas o termo déspota, na época, possuía outro significado. Déspotas era como eram chamados os senhores de escravos. O conceito se transformou ao longo dos séculos, mas ali nascia sua essência – não havia apelação contra o poder irrestrito de um homem que subjugava outros.
Nos impérios Bizantino, Latino, Búlgaro e Sérvio, déspota era um título concedido a herdeiros dos imperadores. Neste contexto também não existia ainda relação direta com a concepção moderna de despotismo. Mas as características autoritárias e o direito inalienável ao poder já estavam presentes.
A era do esclarecimento
A razão é o único guia infalível para se chegar ao conhecimento. A afirmação, herança de ícones da filosofia e da ciência como René Descartes e Isaac Newton, norteou o pensamento iluminista do século XVIII.
Por incrível que pareça, mesmo esta visão de mundo progressista acabou servindo de suporte ao despotismo. Antes de sabermos como isso aconteceu, vamos falar um pouco sobre os principais pensadores deste período conhecido como Iluminismo, esclarecimento ou ilustração.
Em todas estas palavras reside o mesmo propósito: trazer luz. Não faltaram representantes desta filosofia no chamado “século das luzes”. Seus maiores expoentes surgiram na França.
Voltaire foi um notório antiabsolutista. Montesquieu, o precursor da separação dos poderes. Rousseau, ao contrário dos dois anteriores, representava os anseios das classes populares. Diderot e D´Alembert, por sua vez, priorizavam o registro do conhecimento humano acumulado ao longo das gerações. Para todos eles havia a noção de que o universo é governado por leis físicas, e não divinas.
Despotismo esclarecido
(Catarina, a Grande – amiga de Voltaire, governou a Rússia como déspota, implementando os ideias iluministas no país).
Com os ideais iluministas a todo vapor na Europa, começaram as primeiras tentativas de colocar em prática suas ideias sociais e políticas. Estas experiências substituíram a decadente monarquia absolutista, trazendo à tona uma espécie de absolutismo ilustrado.
O despotismo esclarecido vingou sobretudo no leste europeu e na península ibérica, países mais atrasados na época, onde o feudalismo e o mercantilismo ainda sobreviviam, mas já davam sinais de desgaste.
Estes “laboratórios” de ideais iluministas visavam acelerar o processo de modernização dessas regiões, alegando a “felicidade do povo” como motivação para profundas reformas. Tais investidas teriam relativo sucesso com o passar dos anos, e suas características variavam de país para país:
- Áustria – Maria Tereza despertou a reação, a reprovação e a revolta do clero e da nobreza taxando as grandes fortunas. O dinheiro arrecadado ajudou a financiar a criação do exército nacional.
- Prússia – Frederico II reformou o sistema penal, abolindo a pena de morte e a tortura que eram praticadas pelo seu próprio pai. Fundou escolas, incentivou a cultura e decretou a tolerância religiosa.
- Rússia – Catarina II, nascida na Prússia, assumiu o império Russo e construiu escolas, hospitais e até mesmo cidades inteiras. Reformou a administração pública e ampliou o território do país, levando-no a um grande desenvolvimento. Mas, em muitos momentos, priorizou seus amantes em detrimento do governo.
- Espanha – Carlos III, um pacifista, promoveu grandes reformas econômicas, com destaque para a ampliação da indústria têxtil. Enfraqueceu os mosteiros, diminuindo seus privilégios. Promoveu a ciência e as pesquisas universitárias visando à modernização do comércio e da agricultura. Suas reformas, no entanto, não foram duradouras.
- Portugal – O Marquês de Pombal, conde que administrou Portugal durante o reinado de Dom José I, estabeleceu um governo tão peculiar que ficou conhecido como “despotismo pombalino”. Desenvolveu o comércio colonial isentando impostos sobre exportações, fundou o Banco Real, expulsou jesuítas, limitou os poderes da inquisição e aboliu a escravatura (exceto nas colônias, como era o caso do Brasil).
Especificidades à parte, notam-se os contornos comuns a todos os governos despóticos do século XVIII. A extinção da servidão, dos maus-tratos, a diminuição do poder da igreja, o estabelecimento do casamento civil e do divórcio e o incentivo da educação pública foram alguns dos principais avanços.
Mas, contrapostos a eles, houve um flagrante negligenciamento de princípios democratizantes e liberais do iluminismo, visto que estes não interessavam à manutenção do poder da realeza. Contudo, esta contradição não foi exclusividade dos despotismos ditos esclarecidos.
Despotismo contemporâneo
A partir do século XIX surgiram líderes autoritários que atingiram o poder (inclusive por meios democráticos ou levados por movimentos populares) e exerceram-no de forma arbitrária, aproximando os conceitos de despotismo e ditadura e tornando-os, muitas vezes, sinônimos.
Um típico governo despótico dos últimos dois séculos se caracteriza por uma liderança opressora que submete seu povo a um regime tirânico (por mais que esta adjetivação seja subjetiva, visto que, em muitos casos, o apoio popular permanece em maior ou menor grau).
Excetuando-se algumas unanimidades, como Hitler, Stalin, Mussolini e Mao Tsé Tung, não há consenso definitivo sobre quem foram os maiores déspotas na História recente, mas figuram na maior parte das listas nomes como Napoleão Bonaparte, Fidel Castro, Sadam Hussein e Perón.
(Napoleão Bonaparte, o último grande imperador, é considerado um dos maiores déspotas da História).
Floriano Peixoto e Getúlio Vargas
O Brasil também teve em seu quadro executivo figuras com características despóticas.
O primeiro foi Floriano Peixoto. Seu governo de vice-presidente em exercício, cuja legitimidade era contestada, foi marcado pelo autoritarismo. Empossado após a renúncia do Marechal Deodoro da Fonseca, assumiu em meio a uma crise econômica e política.
Pautou suas ações pelo viés nacionalista, apoiando-se no exército. Suas ações populistas visavam a conquista do apoio da população de baixa renda. Ainda assim, teve um papel central na consolidação da República.
O segundo foi Getúlio Vargas. O lado despótico desta controversa figura da nossa república é evidente, mas é apenas uma de suas múltiplas facetas. Adepto da necessidade de um governo autoritário, defendia que o poder precisava ser exercido por uma elite moral e intelectual.
Getúlio se colocava em um patamar acima das instituições, defendendo abertamente ditaduras de cunho positivista (onde o poder é vertical, do Estado para o povo). Seu estilo de “conduzir as massas” teve como saldo um governo por decretos, com censura e perseguição a opositores. Momentos de poder absoluto eram intercalados por períodos mais democráticos, com conquistas sociais importantes, sobretudo no âmbito trabalhista.
Quando o justo governa…
Por mais que todos tenham uma visão e uma opinião sobre a justiça, cabe ao Direito estabelecer critérios para sua aplicação. Quando o Estado de Direito é um modo de exercer o poder, o Direito deixa de ser um limite para ele. Ao contrário, passa a ser a forma utilizada para exercer o poder irrestrito.
A isso, Norberto Bobbio chamou “despotismo jurídico”. Nesta concepção, a lei é uma coação que limita a liberdade. Estados autoritários e déspotas de diferentes épocas utilizaram o poder judiciário em diferentes medidas para legitimarem seus atos.
No despotismo esclarecido, por exemplo, alguns reis se apoiavam na teoria do direito natural de Thomas Hobbes para dar margem ao seu poder arbitrário. Sentiam-se no direito de legislar a seu bel-prazer, como detentores da razão, da mesma forma que seus antecessores absolutistas davam a si o direito divino de governar (o endeusamento da razão, inclusive, foi denunciado por Rousseau).
O livro “A Revolução dos Bichos” é uma alegoria que demonstra bem esta eterna dinâmica política. Animais de uma fazenda se revoltam contra os fazendeiros e tomam o poder, mas se transformam naquilo que pretendiam combater. Fazem isso, sobretudo, deturpando as leis, moldando-as a seus interesses.
É importante sempre estar atento e vigilante a todo e qualquer ideal.
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REFERÊNCIAS:
Despotismo esclarecido: História do Mundo
Despotismo esclarecido: Toda Matéria
Catarina, a Grande: Superinteressante
Marquês de Pombal: Estudo Prático
BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico.
HOBBES, Thomas. Leviatã.
ORWELL, Georg. A Revolução dos Bichos.