Todo cidadão e cidadã é, de alguma forma, um comunicador e pode produzir conhecimento a partir de suas vivências, o que é fundamental para gerar transformações sociais. Chamada também de comunicação popular, a comunicação comunitária tornou-se uma maneira diferente de se comunicar, por ser um instrumento que busca resgatar a cidadania e participação direta da população.
Você sabe como a comunicação comunitária começou no Brasil? Neste post, mostraremos como esse tipo de comunicação tornou-se uma ferramenta que ajuda a protagonizar, dar autonomia e contribui para o conhecimento dos direitos e deveres do cidadão, além de levar melhorias para diferentes comunidades.
O acesso à comunicação no Brasil
Você sabia que, assim como o transporte, a energia elétrica e o atendimento médico no posto de saúde, a comunicação também é um serviço público?
Mas diferente dos transportes públicos, que têm regras para regime de autorização de sua circulação, a comunicação ainda não tem uma lei específica que proíba o oligopólio de quem a comanda. Contudo, os veículos de comunicação precisam seguir alguns requisitos em nome da democracia, já que a ausência de concorrências legais gera muitas divergências sobre a importância da regulação da mídia, principalmente com a retomada das discussões do novo Marco Regulatório para a comunicação no Brasil.
Embora alguns coletivos e grupos de mídias alternativas tenham ganhado força, o direito de acesso à comunicação no Brasil ainda é pequeno diante do domínio econômico da comunicação, dita propriedade cruzada dos meios de comunicação, isto é, quando uma mesma empresa jornalística tem sob seu domínio emissoras de rádio, TV e jornal. O relatório da pesquisa Monitoramento da Propriedade da Mídia, divulgado em outubro de 2017 e realizado pela ONG Repórter Sem Fronteiras, mostra quais são as cinco famílias que detém o controle das mídias e travam brigas incessáveis em nome da audiência.
Ainda de acordo com o relatório, as emissoras Globo, SBT, Rede Record, Grupo Bandeirantes e RedeTV detêm, juntas, 50% das concessões de rádio, televisão, plataformas digitais e jornais impressos do Brasil. Isso dificulta a existência de uma diversidade na política de direção que o veículo de comunicação irá seguir para produzir informações, ou seja, diversidade de ideias na linha editorial da imprensa local e nacional.
Em 2015, o então ministro das comunicações, Ricardo Berzoini, afirmou em entrevista à Empresa Brasil de Comunicação (EBC), que é necessário assegurar a competição e propiciar investimentos para oferecer mais serviços de internet à todos os brasileiros, gerando emprego, renda, impostos, desenvolvimento e inclusão social. Mas enquanto isso não acontece, os dados da Pesquisa TIC Domicílios 2015, realizada entre novembro de 2015 e junho de 2016, apontaram que quanto maior a classe social, maior o acesso à internet. A pesquisa mostra que 95% dos entrevistados da classe A utilizaram a rede a poucos menos de três meses antes da pesquisa. A proporção cai para 82% na classe B, 57% na classe C, e 28% nas classes D/E.
De acordo com o parágrafo 5º do artigo 220 da Constituição Federal de 1988, os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio. O cumprimento deste artigo estaria condicionado a uma mudança do cenário político, com um novo marco regulatório para o setor de sistema de comunicação no país, descentralizando os recursos públicos de forma justa e plural. Segundo a revista eletrônica Peruzzo, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, a democratização da comunicação e mídia abre mais espaço para o jornalismo alternativo e popular. Assim, as comunidades terão mais autonomia para mostrar questões importantes sobre suas realidades.
Propostas de mudanças na comunicação social
Por outro lado, foram propostos por parlamentares da Câmara dos Deputados projetos de lei com relação à imprensa brasileira que tiveram pouco respaldo ou andamento. O Projeto de Lei (PL) 6446/13, de autoria do senador Roberto Requião MDB/PR, que propõe o direito de resposta ou retificação do ofendido por matéria divulgada, publicada ou transmitida por veículo de comunicação social, foi aprovado e transformado na Lei Ordinária 13188/2015.
Outra proposição é o PL 256/91 da deputada federal Jandira Feghali do PCDOB/RJ, que regulamenta o inciso III do artigo 221 da Constituição Federal, referente à regionalização da programação cultural, artística e jornalística, e à produção independente nas emissoras de rádio e TV, além de prever mais liberdade de programação e o estímulo aos conteúdos regionais, sem domínio político-partidário. O projeto permanece aguardando apreciação no Senado Federal.
Entretanto, já existe um projeto de lei de iniciativa popular chamado de Lei de Mídia Democrática. A proposta prevê uma série de normas para acabar com a concentração de mídia, como a destinação de 33% do espaço de rádio e TV para canais públicos e comunitários, e a proibição de publicidade de bebidas alcoólicas, tabaco e outros produtos vegetais. O projeto está tramitando no Congresso e sua aprovação dependerá da pressão da sociedade para que se torne lei a regulamentação da mídia brasileira e seja expandida a comunicação popular, de acordo com a deputada federal Luiza Erundina do PSB/SP.
O que é comunicação comunitária?
A comunicação comunitária vai além de informar. Ela tem como objetivo estimular moradores a analisar situações-problema de sua comunidade e se desafiarem a enfrentá-las, propondo ações concretas através da elaboração de um projeto coordenado por seus representantes comunitários. Dessa forma, cria-se condições e espaços para a prática do que chamamos de protagonismo popular.
Os processos comunicativos são formas de acolhimentos, de educação social, visibilização e principalmente de caráter mobilizador de pessoas e espaços. Isso se dá de algumas maneiras, por exemplo quando os cidadãos conseguem participar da produção dos meio de comunicação expressando suas opiniões sobre a produção dos conteúdos – seja essa participação através de reuniões, rodas de conversas, debates, etc. Isso facilita a interação entre os moradores e aqueles que detém o meio de comunicação, estimulando para que mais vozes sejam ouvidas e, com isso, a comunidade passa a sentir-se parte da informação e não apenas um ouvinte de massa.
Na comunicação popular, ninguém é detentor único do conhecimento e todo mundo tem algo a compartilhar. Essa é uma forma mais acessível de comunicar porque possibilita o desenvolvimento de habilidades de pessoas com pouco ou nenhum estudo para auxiliar no trabalho da oratória, a escrita, leitura e a arte como um todo, gerando, portanto, uma nova ideia de cultura e política.
A comunicação comunitária e popular é, de acordo com o Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé um passo em direção à democratização dos veículos de comunicação no Brasil. E quando isso vai sendo alcançado, o cidadão consegue, cada vez mais, fazer o enfrentamento político e social, especialmente em localidades marginalizadas, onde moradores têm acesso à informação de maneira precária.
A origem da comunicação popular
O formato de jornalismo popular, que dialoga com a comunidade e promove a sua participação nos processos de produção, teve início no Brasil na década de 1960 durante a ditadura militar. Surgiu como um ato de resistência contra a mídia convencional e as opressões do governo. Por meio de lutas da classe operária, esse novo formato jornalístico se expandiu por toda a América Latina.
A escritora Regina Festa, em seu livro Comunicação Popular e Alternativa no Brasil, publicado em 1986, mostra que a comunicação comunitária nasce efetivamente a partir dos movimentos sociais, sobretudo da emergência das organizações sindicais, tanto na cidade como no campo. Esse foi o modo de expressão que as classes populares conseguiram divulgar na mídia uma série de questões de seu interesse, como reivindicar por melhores condições de trabalho.
Alguns jornais ficam famosos nessa época, como O pasquim (1969), Opinião (1972), Movimento (1975) e Em Tempo (1977), que tinham o objetivo de publicar o que o regime militar impedia que fosse comunicado à população. Surgiu ainda nessa época o jornal feminista Mulherio (1982), produzido por um grupo de mulheres, tratando de temas como a desigualdade de direitos entre gênero. Três anos após a criação da Fundação Nacional do Índio (FUNAI) em 1967, surgiu o jornal O Porantim (1979), que passou atuar como Conselho Indigenista Missionário (CIMI) para denunciar crimes contra os indígenas.
Esses são exemplos que mostram como a comunicação alternativa consegue viabilizar a inserção de outras vozes no rádio, TV, internet e impresso. É por isso que ONGs e setores da sociedade civil estão se apropriando cada vez mais dessa forma de fazer comunicação. O diferencial é que a informação é construída não apenas para as comunidades rurais, indígenas, quilombolas, e outras minorias, mas em conjunto com elas.
A comunicação, ao se tornar um direito universal e tendo a participação de todos, passa a ser mais democrática, respeitando o direito à liberdade de expressão. O resultado disso é uma comunicação horizontalizada, ou seja, onde todos possam ter fácil acesso à informação, mais humana e com ampla participação popular.
Comunicação popular e educação: uma via de mão dupla
“[…] A comunicação é um ato de pedagógico.
E a educação é um ato comunicativo […] (PAULO FREIRE, 1981)”
Para o educador e escritor, Paulo Freire, o papel da educação no Brasil é ajudar na formação da consciência crítica, de modo que as pessoas possam se tornar protagonistas de sua cultura e da história. Contudo, para que a capacidade de intervir na sociedade se concretize, ele diz que o ser humano precisa de uma formação ampla, ou seja, de um processo educativo que ultrapasse o ler e escrever palavras. Para ele, é necessária uma educação que possibilite também a leitura do mundo.
A comunicação popular é o modo de expressão que cada classe popular possui sobre o contexto social do qual ela pertencente. Essa forma de se comunicar explora a capacidade das pessoas de produzir conhecimento dentro e fora da comunidade, a fim de dar visibilidade às pautas e demandas em outros locais. Nesse contexto, a comunicação comunitária pode ser usada como ferramenta para a construção de uma educação política e conscientizadora. Daí o porquê dela se expressar em espaços como as Comunidade Eclesiais de Base (CEBs) das igrejas católicas, sindicatos, pastoral da Terra, grupos de mulheres, centros de educação e comunicação popular, grupos culturais dentre outros.
A comunicação popular no combate aos preconceitos
A população brasileira é majoritariamente negra, com aproximadamente 54% das pessoas autodeclaradas pretas e pardas, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Entretanto, segundo o site Geledés, ainda é baixa a representatividade desse público na mídia tradicional. Diante dessa realidade, torna-se um desafio ainda maior para essas pessoas encontrar referências negras em telejornais, teledramaturgias, comerciais e as diversas formas de comunicação. Esse pensamento é reafirmado pela jornalista negra Joyce Ribeiro, âncora do jornal SBT, em entrevista ao Instituto da Mulher Negra sobre pessoas negras na TV.
As mídias comunitárias no Brasil
Agora que você já sabe o que é a comunicação comunitária, qual sua origem e sua função social, que tal conhecer algumas iniciativas que a promovem no Brasil? Confira!
- Agência de Notícia Jovens Comunicadores da Amazônia: é um projeto de educomunicação na cidade de Belém-PA e funciona no Instituto Universidade Popular (UNIPOP). A agência é a continuidade do curso de comunicação popular promovido pelo próprio Instituto. Ela é movimentada por uma equipe composta de jovens moradores dos bairros de Belém e Região Metropolitana. Os jovens comunicadores da Amazônia produzem conteúdos para internet, além de promoverem incidência política, ou seja, vão às ruas promover ações e dialogar com moradores e parlamentares sobre questões que atingem a vida de jovens e seus territórios, como o extermínio da juventude negra.
- Agência Viração: é uma revista digital, cuja produção acontece na cidade de São Paulo e trabalha com a juventude na produção de conteúdos midiáticos e promoção de debates sobre diversos assuntos, como Juventude, gênero e sexualidade, política, violências, entre outros. Ainda atua na promoção do protagonismo de meninas e meninos do estado de São Paulo. A agência já realizou vários atos de mobilização em defesa dos direitos de adolescentes e jovens em todo país.
- INTERVOZES: é um coletivo brasileiro de comunicação que atua na área de comunicação popular sobre direitos humanos e projetos sociais, através da radiodifusão, telecomunicações e internet. O coletivo luta pelo direito à comunicação e à liberdade de expressão, por uma mídia democrática e uma internet livre e plural, respeitando as diferenças de ideias, dialetos, manifestações religiosas e, sem discriminação de cor, raça e etnias.
- Teia Popular: é uma rede de comunicação popular com diferentes experiências contra a hegemonia da comunicação brasileira, ou seja, contra a dominação ideológica de uma classe social sobre outra. A rede faz parte do Núcleo Piratininga de Comunicação, constituído por um grupo de comunicadores, jornalistas, professores universitários, artistas gráficos, ilustradores e fotógrafos que trabalham com o objetivo de melhorar a comunicação, tanto de movimentos comunitários ou populares, quanto de sindicatos e outros coletivos existentes no Brasil.
Como vimos ao longo deste texto, o objetivo da comunicação popular ou comunicação comunitária é criar mais espaços educativos e abertos à interação do público. Ela é um canal de expressão, de prestação de serviços e, principalmente, de representatividade.
Por ser uma ferramenta de transformação social, ela dialoga com a cultura de povos, melhora a pedagogia nas salas de aula e fora dela, amplia a cidadania e transforma vidas, resgatando o sentimento de pertencimento do lugar. Afinal, uma sociedade participativa e articulada é uma sociedade bem informada.
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REFERÊNCIAS