Você conhece a atuação do feminismo negro no Brasil?
Dentre as vertentes do movimento feminista, existe aquele que foca nas especificidades próprias das mulheres negras, denominado de feminismo negro. No Brasil, essa vertente teve início propriamente na década de 1970 com o Movimento de Mulheres Negras (MMN), a partir da percepção de que faltava uma abordagem conjunta das pautas de gênero e raça pelos movimentos sociais da época.
Veja também nosso vídeo sobre a história do feminismo no Brasil!
A luta das mulheres negras
O movimento feminista não tinha uma abordagem interseccional e racial, não pautando, dessa forma, a dupla discriminação que as mulheres negras passam, tanto de gênero quanto de raça. Além disso, dentro do movimento negro o, liderado por homens, não havia interesse em atuar nas lutas contra o sexismo.
Nesse contexto, tem início o MMN e, como consequência, do Feminismo Negro no Brasil, fez com que os demais movimentos começassem a entender sobre a importância dos recortes raciais e de gênero nas mobilizações de direitos humanos.
Leia também: Vertentes do feminismo: conheça as principais ondas e correntes!
As mulheres negras no trabalho
No ambiente profissional, as mulheres negras ainda possuem menos garantias de direitos do que as mulheres brancas. De acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (IPEA), as desigualdades raciais são mostradas tanto na busca por um emprego quanto nas competições sociais por espaços de poder, as quais podem estar presentes nas condições de proprietários (as) de uma empresa, posições de gestão e chefia.
No caso das mulheres negras, elas estão inseridas em um contexto das desigualdades básicas provocadas pelo racismo e pelo patriarcado.
Historicamente, as reivindicações pelos direitos das mulheres negras com relação ao trabalho tiveram suas primeiras manifestações na década de 1940. A imprensa negra tinha, até então, suas publicações voltadas ao universo do homem negro, abdicando de qualquer intervenção e inclusão de gênero.
Foi por meio do jornal Quilombo, vida, problemas e aspirações do negro que a questão das mulheres negras foi abordada na época, em um retrato que foi o início das mobilizações de gênero e raça no Brasil.
Depois dessas primeiras manifestações na mídia impressa, ocorreram outras por meio de congressos nacionais e das empregadas domésticas. O trabalho doméstico era e ainda é a área que mais abrange mulheres, principalmente as negras, por uma questão histórica de falta de oportunidades que coloca essas mulheres em serviços operacionais.
Foi a partir de todo esse processo de reconhecimento de grupos que reivindicam pautas específicas que surgiram organizações de lideranças negras femininas.
Leia também: Racismo, como essa prática é estruturada no Brasil?
As ações sociais das mulheres negras
As lideranças negras femininas em trabalhos sociais vêm crescendo, com foco na pauta de direitos humanos direcionada às especificidades das mulheres negras. Porém, muitas vezes, esses trabalhos sociais são renegados ao segundo plano pelos homens, inclusive os negros.
O movimento feminista, que deveria destacar as diferentes formas de discriminação e preconceito vivenciadas pelas mulheres, por vezes considera que o sexismo supera o racismo e que todas passam pela mesma forma de opressão e subordinação perante os homens.
A filósofa, pesquisadora e ativista do feminismo negro no Brasil, Djamila Ribeiro, sempre destaca a importância de ter um movimento que trate de forma específica dos preconceitos e discriminações que as mulheres negras passam. Para ela, existe uma sociedade na qual opera a supremacia branca e que o movimento feminista também acaba por fazer parte desse sistema.
A questão da não compreensão das especificidades das mulheres negras pelas ativistas das demais vertentes do feminismo ocorre desde tempos mais remotos e exemplos bem relevantes dessa situação foram a atuação das sufragistas e a luta pela emancipação financeira feminina na primeira onda do movimento feminista.
Leia mais: Vertentes do feminismo: conheça as principais ondas e correntes!
Com raras exceções, essas manifestações eram lideradas por mulheres brancas da classe média alta, as quais não pautavam as especificidades das mulheres negras, como as lutas contra o racismo e por melhores condições de trabalho, tanto no Brasil como em outros países. Faltou então, já nessa época, que todas as mulheres lutassem em conjunto, pois além do sufrágio e da independência feminina, as mulheres negras e as mais pobres reivindicavam melhores condições de trabalho.
Angela Davis, professora universitária e filosófa estadunidense, em sua obra Mulheres, raça e classe, afirma que as organizações de mulheres que lideraram o movimento sufragista nada faziam pela pauta das população negra. Nesse contexto, as mulheres negras não eram incluídas nessas organizações e nem mesmo suas denúncias contra o racismo e a discriminação de gênero eram acatadas.
Veja também: Angela Davis e Lélia Gonzalez: conheça duas teóricas do feminismo negro nos EUA e no Brasil!
Segundo Davis, as feministas brancas de classe média não se importavam sequer com a classe trabalhadora branca. Dessa forma, com as manifestações das chamadas mulheres vetadas, ocorreram as divisões de grupos feministas.
Nesse ínterim, a antropóloga e professora Lélia Gonzalez enfatiza de forma bem relevante que “a tomada de consciência da opressão ocorre, antes de tudo, pelo racial“. Assim, determina-se que a prioridade das lutas das mulheres negras é o combate ao racismo, pelo fato de haver um grupo dominante dentro do movimento feminista, que é o das mulheres brancas.
Contudo, mesmo com esses obstáculos, as mulheres negras se destacam em lutas que atingem diretamente o próprio opressor, nas diferentes formas de atuação. As ações acontecem em situações de posses de terras que lhes são de direito (como no caso das comunidades quilombolas) e uma funcional organização comunitária, principalmente nas questões relacionadas às mulheres da periferia.
Também destacam-se os trabalhos na área de educação, por meio do processo de inclusão de pessoas negras nas universidades e sua permanência nesses espaços e na área de saúde da população negra.
Veja também: cotas raciais no Brasil
Diante de todo esse contexto, percebe-se a necessidade de representatividade da mulher negra dentro da sociedade e, fazendo o recorte de gênero, de uma nova visão e conscientização do que é ser racista, de se colocar no lugar do outro e de não colonizar seu lugar de fala.
Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha
Em todo 25 de julho comemora-se o Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha. Esta data surgiu em 1992, na República Dominicana, durante o 1º encontro de mulheres negras da América Latina e do Caribe. A data foi reconhecida pela ONU no mesmo ano.
O encontro propôs a união das mulheres negras desta região e, além disso, organizou a mobilização de ações de combate ao racismo e machismo enfrentados por elas nas Américas e em todo o globo.
No Brasil, a Lei 12.987/2014 definiu que no dia 25 de julho também seria comemorado o Dia Nacional de Tereza de Benguela e o Dia da Mulher Negra. O propósito é, além de compartilhar os princípios estabelecidos em 1992, dar visibilidade ao papel da mulher negra na história do Brasil, através da figura de Tereza de Benguela.
Tereza de Benguela foi líder do Quilombo Quariterê, no Mato Grosso, e liderou a resistência contra a escravidão, coordenando atividades economicas e políticas na organização, sendo conhecida como “Rainha Tereza”.
Leia mais: Os direitos dos quilombolas no Brasil
O feminismo negro no Brasil se organiza
Para entender como o Movimento de Mulheres Negras (MMN) se organiza, vale contextualizar a sociedade e a forma como ela encara as questões raciais e de gênero.
Dessa forma, destaca-se que o patriarcado tem bases ideológicas semelhantes ao racismo, focando na superioridade do homem e na inferioridade da mulher. Nesse ínterim, prevalecem ideias hegemônicas de uma elite masculina branca, a qual detém a maior parte dos direitos reconhecidos e goza de uma extensa esfera de oportunidades.
As importantes contribuições às organizações do MMN são: as experiências diárias, as lideranças comunitárias, o trabalho das escritoras, as manifestações das empregadas domésticas, a atuação de ativistas pela abolição da escravidão e pelos direitos civis e as manifestações de cantoras e compositoras de música popular.
As pautas do Movimento de Mulheres Negras se caracterizam por cinco temas fundamentais, os quais são:
- Legado de uma história de luta;
- Natureza interligada de gênero, raça e classe;
- Combate aos estereótipos ou imagem de controle;
- Atuação como mães, professoras e líderes comunitárias;
- Política sexual.
E é dentro desses temas que se estabelece as premissas do feminismo negro interseccional, vertente do movimento feminista que atua na redução das desigualdades por razões raciais e de gênero, as quais são pontos principais das condições econômicas e sociais de determinado grupo.
Novos contornos do feminismo negro no Brasil
O feminismo negro tem a experiência como base legítima para a construção do conhecimento, enfatizando o ângulo particular de visão do eu, da comunidade e da sociedade. Em sua construção há a necessidade de interpretações da realidade das mulheres negras por aquelas que a vivem no dia a dia e o reconhecimento de que a supressão ou aceitação condicional do conhecimento das mulheres negras está dentro de um contexto machista e racista.
A atuação e concretização da ideologia do feminismo negro parte da necessidade de contrapor a visão equivocada da sociedade de que a mulher negra tem uma marginalidade peculiar e estigmatizada a uma subordinação perante os demais indivíduos.
Também estimula um ponto de vista especial das mulheres negras, em uma visão distinta das ideologias do grupo dominante branco. Ressalta-se que a luta tem origem nas reflexões e nas ações políticas.
O feminismo negro no Brasil do século XXI se configura por meio de estudos e ações concretas em diferentes áreas de atuação. As mulheres negras se organizam em movimentos sociais, ONG’s e Conselhos por todo o país, mobilizando-se contra a prática do racismo e do sexismo como foco para a garantia de igualdade de direitos e de oportunidades. Como negras e mulheres, elas se capacitaram para não mais aceitar a subordinação histórica e estão tendo cada vez mais voz para mostrar e reivindicar contra o racismo estrutural da sociedade.
Você compreendeu como atua o feminismo negro no Brasil? Deixe sua dúvida ou opinião nos comentários!
Referências:
- Ipea – Dossiê Mulheres Negras: retrato das condições de vida das mulheres negras no Brasil
- Geledés – Nossos feminismos revisitados
- Rebecca Reichmann – Mulher negra brasileira: um retrato
- Ina Kerner – Tudo é interseccional? Sobre a relação entre racismo e sexismo
- Andreza Maria Sá Coelho e Sansarah da Silva Gomes – O Movimento Feminista Negro e suas particularidades na sociedade brasileira
- Bianca Vieira – Mulheres negras no Mercado de trabalho brasileiro: um balanço das políticas públicas
- Heci Regina Candiani – Experiências das mulheres na escravidão, pós-abolição e racismo no feminismo em Angela Davis
- Sueli Carneiro – Mulheres em movimento
- QG Feminista – O que é o Feminismo Negro?
- SIPAD – Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha
1 comentário em “Feminismo Negro no Brasil: história, pautas e conquistas”
Sou educadora financeira para mulheres negras e dentro desse contexto a pesquisa por conteúdo escrito para e por mulheres negras se torna necessário mas ainda existe pouco. Ao ler seu texto me sinto acolhida e um pouco mais forte. Obrigada.