Quem acompanha o noticiário internacional já deve ter ouvido falar em um movimento político de nome curioso que tem se espalhado pela Itália. É o movimento autoproclamado sardine, ou “sardinhas” em português, responsável por manifestações em praças de diversas cidades.
Vamos entender melhor o que esse movimento defende, a quem ele se opõe e como se insere no contexto da política italiana.
Primeiro, quem é Matteo Salvini?
Para compreender o movimento das sardinhas, é preciso primeiro saber quem é Matteo Salvini. Senador eleito pela região da Calábria, ele é o líder da Liga Norte, um partido ultranacionalista de extrema-direita fundado em 1991.
Ex-radialista, Salvini ganhou projeção internacional entre 2018 e 2019 ao ocupar o cargo de ministro do Interior da Itália no governo de coalizão formado pelo seu partido e o Movimento 5 Estrelas. Sua postura radical, especialmente na oposição à União Europeia e ao recebimento de imigrantes e refugiados, fez com que alcançasse grande popularidade. Em certo ponto, Salvini chegou a ofuscar o então primeiro-ministro do país, Giuseppe Conte.
A ascensão do “capitano”, como é chamado por seus admiradores, pode ser compreendida no contexto do surgimento de líderes populistas de extrema-direita no Ocidente. Tanto que um de seus admiradores é Steve Bannon, ex-estrategista de Donald Trump e espécie de guru de diversos políticos conservadores.
Em agosto de 2019, Matteo Salvini pediu ao parlamento um voto de desconfiança contra o primeiro-ministro (Giuseppe Conte) a fim de convocar eleições para criar um novo governo. Revoltado, Conte renunciou, culpando Salvini e denunciando suas ambições.
A jogada, entretanto, não deu certo. O Movimento 5 Estrelas formou um novo governo de coalizão, desta vez com o Partido Democrático (PD) – de centro-esquerda – e o cargo de primeiro-ministro ficou novamente com Giuseppe Conte.
Mesmo assim, o líder da Liga Norte segue popular e mantém a ambição de ver seu projeto político no comando da Itália. Por isso, ele tem viajado para apoiar aliados em eleições regionais, especialmente do norte do país. No fim de outubro, sua candidata Donatella Tesei venceu na Úmbria, tradicional reduto da esquerda. Em meados de novembro, Salvini viajou a Bolonha, outra cidade de tendências esquerdistas, para apoiar a advogada e colega de partido Lucia Borgonzoni.
O movimento das ‘sardinhas’ contra Salvini
Quatro jovens bolonheses chamados Mattia Santori, Giulia Trappoloni, Roberto Morotti e Andrea Garreffa acharam que deviam mostrar sua discordância em relação às ideias de Matteo Salvini.
Eles então convocaram cidadãos para se reunir na Praça Maggiore e, juntos, bem apertados, como um cardume de sardinhas, andarem até a arena esportiva Paladozza, onde aconteceria um evento da Liga Norte. A intenção era juntar seis mil pessoas e assim superar numericamente a capacidade da arena, de 5570 lugares.
“Sem bandeira, sem partido, sem insulto. Crie sua própria sardinha e participe da primeira revolução dos peixes da história”, dizia a convocação do ato.
Deu certo: cerca de 15 mil pessoas compareceram ao flash-mob (espécie de manifestação instantânea com fins artísticos ou, no caso, políticos). Dias depois, na cidade de Modena, mais sete mil pessoas se reuniram e embalaram o ato com a música antifascista Bella Ciao.
Dessa forma, o que era para ser uma ação pequena de oposição ao populista se transformou no “movimento das sardinhas” e se espalhou pelo país.
Por exemplo, no começo de dezembro, foi a vez da cidade de Milão, onde Matteo Salvini nasceu, ver 25 mil pessoas encherem a Praça do Domo. Ainda, há manifestações previstas em dezenas de cidades da Itália durante o mês de dezembro, incluindo as maiores do país, como Roma, Turim e Nápoles.
‘Sardinhas’ à esquerda?
Por se posicionarem contra um político e um partido de extrema-direita, as sardinhas são por vezes tratadas como um movimento de esquerda. Porém, os porta-vozes dizem que se trata de um grupo apartidário e preferem se posicionar mais claramente contra o populismo e aquilo que consideram uma política baseada no ódio e na divisão.
O manifesto do divulgado na página oficial do movimento no Facebook ajuda a entender melhor esse posicionamento. Confira alguns trechos abaixo.
“Caro populista, você entendeu. A festa acabou. Por muito tempo você puxou a corda dos nossos sentimentos. Você esticou demais e quebrou. Durante anos, você derrubou mentiras e ódios de nós e de nossos concidadãos: combinou verdade e mentira, representando o mundo deles da maneira que lhe fosse mais conveniente”.
[…]
“Já somos centenas de milhares e estamos prontos para lhe dizer o suficiente. Faremos isso em nossas casas, em nossas praças e nas redes sociais. Compartilharemos esta mensagem até você ficar enjoado. Porque somos as pessoas que se sacrificarão para convencer nossos vizinhos, parentes, amigos, conhecidos que mentiram por você por muito tempo. E tenha certeza de que os convenceremos”.
Apesar de não citadas expressamente no manifesto, outras plataformas ligadas às sardinhas são a defesa dos direitos humanos e dos imigrantes, a democracia, o antiautoritarismo e o diálogo na política.
O movimento também ganhou um símbolo: um desenho de dez sardinhas lado a lado dizendo o nome da próxima cidade seguido pela frase “non se lega” (“não liga”, em português), trocadilho com a Lega Nord, o nome em italiano do partido liderado por Salvini.
O ex-ministro do interior, por sua vez, responde de maneira ambígua. Primeiramente, disse que preferia gatos a sardinhas, pois eles comem peixes. Depois, se mostrou disposto a “abraçar um por um” e parabenizou seus integrantes pela participação política.
O futuro do cardume
As manifestações constantes e a quantidade de pessoas mobilizadas balançou a política italiana, que meses atrás parecia estar nas mãos da extrema-direita. Mas há planos de fazer mais do que um barulho momentâneo.O movimento já busca formas de se financiar e apoiar suas causas, vendendo sardinhas coloridas feitas de pano, por exemplo.
Em 15 de dezembro, eles pretendem fazer, na capital Roma, sua maior manifestação, com 60 mil pessoas – dez vezes mais do que o pretendido na primeira edição.
Será uma espécie de reunião nacional que, mais do que dar nova prova de força, poderá definir novos rumos, inclusive a entrada na política tradicional. Seus porta-vozes, os quatro jovens de Bolonha que organizaram o primeiro flash-mob já afirmaram que estão abertos ao diálogo.
Enquanto isso, alguns políticos e partidos tentam se colar ao cardume. Stefano Bonaccini, candidato do PD nas eleições de janeiro na região da Emilia-Romagna, afirmou que espera ter um voto de cada sardinha por ser a alternativa à Liga na disputa. Mattia Santori confirmou presença em um dos eventos de Bonaccini, mas, segundo ele, porque gosta de estar na praça, e não exatamente por apoiar sua candidatura.
Em entrevista ao jornal La Repubblica, os quatro jovens tentaram ser mais evasivos. “Tomaremos uma cerveja todos juntos e cada um dirá [o que pensa]”, disseram. “As sardinhas, pelo menos por enquanto, são apenas a praça: a praça de Bolonha exatamente em todas as praças da Itália”.
Então, o que você acha do movimento das ‘sardinhas’ que está lotando as praças italianas para protestar contra a extrema-direita? Compartilha com a gente a sua opinião sobre o movimento nos comentários!
Referências
BBC – Italy’s Sardines push back against Salvini’s nationalist tide
La Reppublica – Dal laboratorio Bologna alla prova della politica. Le sardine a congresso
Money.it – Movimento delle sardine: chi sono e cosa vogliono i manifestanti
Money.it – Movimento delle Sardine, manifestazioni: calendario prossimi eventi
Panorama.it – Chi sono le “sardine”: storia di un movimento e del suo nome