No mês de maio, manifestações ocorreram em várias partes do mundo contra o racismo e o discurso de ódio. Foto: Shannon Stapleton/Reuters.
Atualmente existe um grande debate acerca da linha tênue entre liberdade de expressão e discurso de ódio. O primeiro é fundamental para uma democracia existir, o outro, por sua vez, representa uma fala intolerante e sem empatia.
Sendo assim, existe a necessidade de se compreender o que caracteriza um discurso de ódio e quão prejudicial ele pode ser para uma sociedade democrática. Neste texto você verá algumas visões de estudiosos sobre esse conceito, exemplos de discurso de ódio e suas repercussões e, por fim, maneiras de combater essa prática, tanto na internet quanto no mundo real. Ficou interessado(a)? Então continue a leitura!
Em primeiro lugar, o que é discurso de ódio?
Não existe uma única definição para discurso de ódio, entretanto, todas elas se assemelham. Segundo Samanta Ribeiro Meyer-Pflug, doutora em Direito, o discurso de ódio é a manifestação de “ideias que incitem a discriminação racial, social ou religiosa em determinados grupos, na maioria das vezes, as minorias”. Entretanto, podemos ver que nesta definição são abordados apenas os pontos de discriminação racial, social ou religiosa, sem considerar, por exemplo, gênero, orientação sexual, peso, algum tipo de deficiência, classe, dentre outros.
Já Daniel Sarmento, doutor em Direito Constitucional, afirma que discurso de ódio pode ser caracterizado por “manifestações de ódio, desprezo ou intolerância contra determinados grupos, motivadas por preconceitos”.
Sendo assim, com base nessas duas conceituações e no senso comum que existe sobre o termo, podemos chegar a conclusão que discurso de ódio é um conjunto de ações com teor intolerante direcionadas a grupos, na maioria das vezes, minorias sociais (mulheres, LGBTs, gordos(as), pessoas com deficiência, imigrantes, dentre outros).
O que caracteriza o discurso de ódio?
O discurso de ódio é considerado um tipo de violência verbal, e a sua base é a não-aceitação das diferenças, ou seja, a intolerância.
Entretanto, quando falamos de diferenças, o foco dessa prática se dá, em sua maioria, naquelas ligadas a aspectos de crença, origem, cor/etnia, gênero, identidade, orientação sexual etc.
Não colocaremos aqui exemplos reais de discurso de ódio, mas imaginamos que, ao menos uma vez, você já tenha se deparado com este tipo de situação na internet. Não é raro vermos, por exemplo, comentários xenofóbicos com pessoas do nordeste do Brasil ou, trazendo mais para os dias de hoje, com o povo chinês, os culpando pela pandemia do novo coronavírus e julgando seus hábitos alimentares e de higiene.
Outra situação que você infelizmente já deve ter presenciado é a de ataques à população LGBT+. Comentários invalidando a existência de pessoas trans e travestis, por exemplo, ainda são comuns, especialmente na internet. Mais uma vez, não colocaremos aqui exemplos práticos, mas perceba que esta situação ainda se faz presente.
Leia também: O que é transfobia?
Um exemplo claro de prática motivada por crime de ódio foi o regime nazista, que perdurou durante a Segunda Guerra Mundial e pregava, dentre outras ideologias, o antissemitismo (ódio e preconceito contra os judeus). Este é um exemplo mais duro — por se tratar de um regime totalitário —, mas que nos mostra que este discurso já pôde alcançar proporções inimagináveis, bem como perdas incontáveis.
Nos exemplos que citamos, o discurso de ódio se dá por conta dessas singularidades (origem e identidade de gênero/orientação sexual), como se estas rebaixassem o indivíduo e o tornassem menos ser humano do que alguém que não está em uma dessas “classificações”. Essa hierarquização de seres humanos, levando especialmente em consideração aspectos biológicos, é chamada de eugenia.
A criminalização dessa prática
Antes de mais nada, ao falar sobre discurso de ódio, se faz necessário falar sobre direitos humanos. Segundo a Organização das Nações Unidas, direitos humanos são “direitos inerentes a todos os seres humanos, independentemente de raça, sexo, nacionalidade, etnia, idioma, religião ou qualquer outra condição”, incluindo “o direito à vida e à liberdade, à liberdade de opinião e de expressão, o direito ao trabalho e à educação, entre e muitos outros. Todos merecem estes direitos, sem discriminação”.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) também deve ser analisada nesse sentido. Em seu artigo II ela traz que “Todo ser humano tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, idioma, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição”.
Perceba que nestas definições os direitos humanos são garantias de todos os indivíduos, independente de suas singularidades, certo? Isso, por sua vez, vai contra o discurso de ódio, que prega o preconceito contra seres humanos que fazem parte de alguma minoria social. Ou seja, o discurso de ódio fere as garantias e direitos fundamentais de todo e qualquer cidadão.
No Brasil, o Artigo 5º da Constituição Federal de 1988 trata dos direitos e deveres individuais e coletivos. Segundo ele, “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”.
Ao definir que ninguém será submetido a tratamento desumano ou degradante, bem como que a lei punirá qualquer discriminação que atente aos direitos e liberdades fundamentais, a Constituição defende os direitos humanos e pune quem violá-los, ou seja, quem praticar discurso de ódio.
Discurso de ódio x liberdade de expressão
Como dito anteriormente, o discurso de ódio se configura como crime e atenta às garantias e direitos fundamentais de todo cidadão. Entretanto, o principal debate que surge ao falarmos dessa prática é a diferença entre discurso de ódio e liberdade de expressão. Isso porque, muitos alegam que a liberdade de expressão lhes dá direito de se expressarem da maneira que melhor lhe convém sobre todo e qualquer tema.
O direito à liberdade de expressão é garantido pelo inciso IX do Artigo 5º da Constituição, ou seja, uma garantia constitucional. Isso, por sua vez, não significa que ela seja uma garantia absoluta, afinal, ela também precisa respeitar outras garantias constitucionais, como o direito à intimidade, por exemplo.
Na prática isso significa que você tem a liberdade de expressar suas crenças e opiniões, desde que elas não firam outras leis e garantias. Ou seja, ter falas racistas, homofóbicas e similares, utilizando do argumento de liberdade de expressão, além de ser um ato nada empático e respeitoso, é configurado como crime, por ferir vários direitos fundamentais assegurados em nossa atual Constituição.
Discurso de ódio na internet
A internet, assim como qualquer outro espaço ou ferramenta, pode ser usada para exponenciar boas e más ações. Por se tratar de um espaço imenso, muitas pessoas acreditam que a internet é “terra sem lei”, ou seja, que é permitido agir da maneira que lhes convém, sem lidar com as consequências. Por isso ainda é comum vermos comentários intolerantes nas redes sociais.
Uma pesquisa feita por economistas doutorandos da Universidade de Warwick, na Inglaterra, trouxe dados relevantes sobre a relação entre discurso de ódio e o uso do Facebook. O estudo publicado em 2018 teve como alvo cidades alemãs que se teve registro de ataques violentos a refugiados e concluiu que nas cidades em que as pessoas eram mais ativas no Facebook, maior foi o número de ataques. Você pode saber mais sobre a pesquisa aqui.
Ainda não existe uma lei específica que trate sobre discurso de ódio na rede mundial de computadores, entretanto, o Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014) é a principal fonte a ser utilizada nesta questão. Segundo ele,
“A disciplina do uso da internet no Brasil tem como fundamento o respeito à liberdade de expressão, bem como:
[…]
II – os direitos humanos, o desenvolvimento da personalidade e o exercício da cidadania em meios digitais;
III – a pluralidade e a diversidade;”
Além disso, as próprias redes sociais contam com mecanismos reguladores de conteúdos sensíveis, que devem ser acionados pelos usuários quando os mesmos se depararem com alguma publicação de teor intolerante e desrespeitoso. Dessa maneira, por mais que não exista uma lei específica, não quer dizer que uma pessoa que cometa crime de ódio na internet possa sair impune.
Como podemos combater o discurso de ódio?
Como comentado anteriormente, existe a necessidade de uma lei específica que tipifique o crime de discurso de ódio e as penas cabíveis para tal. Além disso, as redes sociais, jogos on-line, fóruns e a internet como um todo também precisa estar atuante no combate a esse crime. Para isso, não deixe de denunciar postagens e perfis com esse tipo de discurso.
Entretanto, ainda existe muito a ser feito no sentido de conscientização. Isso porque muitas pessoas nem sequer sabem o que é o discurso de ódio, o que pode fazer com que essa prática seja reproduzida sem ao menos saber o quão grave ela é de fato.
Por isso, ações de conscientização se fazem fundamentais. Desde palestras e dinâmicas em escolas e ambientes de trabalho, como a difusão deste tipo de conteúdo na internet. Agora que você já sabe o que é o discurso de ódio e como pode ajudar a combatê-lo, que tal fazer sua parte?
Gostou do conteúdo? Compartilha a sua opinião com a gente nos comentários!
REFERÊNCIAS
Aula Livre: Discurso de ódio na internet | Temas de Redação
Nexo: A relação entre uso de Facebook e crimes de ódio, segundo este estudo
Senado Federal: Discurso de ódio – Da abordagem conceitual ao discurso parlamentar
ONU: O que são direitos humanos?
Já conhece nosso canal no Youtube?