É provável que você já tenha assistido algum filme ou desenho em que um personagem montou, ou mesmo caiu, em uma armadilha. Fácil de visualizar, não? O mundo da economia, no entanto, não é tão intuitivo em algumas situações e a Armadilha da Liquidez pode não ser o que você está pensando. Mas antes que o “economês” te leve para outra página, vamos traduzir esse idioma complicado e explicar o que é esse conceito e por que precisamos saber o que ele significa.
Primeiramente, o que é liquidez?
Uma definição simples de liquidez é a facilidade com que algo que possui valor monetário pode ser trocado por dinheiro, pois esse é o ativo mais líquido em uma economia. A qualquer momento, podemos comprar qualquer bem, em qualquer lugar do país e todas as pessoas ou empresas aceitarão dinheiro como meio de troca. Agora, se você quer transformar uma casa ou um carro em dinheiro, pode levar algum tempo até encontrar um comprador, o que faz com que essas formas de patrimônio sejam menos líquidas.
Associado a isso, as pessoas possuem preferência por diferentes níveis de liquidez, que costuma variar em função de fatores diversos: momento de vida, situação econômica da família ou do país, aversão ao risco etc. Em resumo, elas podem preferir ter mais ou menos facilidade para “usar” o dinheiro que possuem. A mesma lógica se aplica às empresas e demais agentes da economia, como instituições financeiras e governamentais, guardadas as devidas proporções de realidade.
Quando pensamos na economia como um todo, podemos dizer que a “soma” da liquidez de cada um desses agentes mencionados anteriormente (pessoas, empresas, instituições financeiras e governamentais) resulta na liquidez do sistema. De forma simplista, se todas as pessoas e empresas decidem deter apenas dinheiro “vivo”, haverá uma grande liquidez no sistema e muitos agentes dispostos a gastar, da mesma maneira que haverá pouca liquidez se todos decidirem apenas investir em imóveis ou títulos públicos, por exemplo.
O que se pode perceber é que nenhum dos dois extremos é bom para a economia e apesar de existirem movimentos “naturais” que venham a regular essas tendências, o Governo possui instrumentos capazes de direcionar o comportamento dos agentes para buscar o equilíbrio desejado e atingir suas metas.
A taxa de juro como instrumento de política monetária
Se esses termos te causaram estranhamento, calma! Confira nesse texto uma explicação detalhada sobre taxa de juro e, se quiser, leia mais também sobre política monetária.
Mas é claro que, para não te deixar na mão, vamos resumir esses dois conceitos agora:
Taxa de juro: remuneração paga a alguém por “emprestar” seu dinheiro durante determinado período de tempo.
Política monetária: conjunto de medidas que visam controlar a oferta de moeda de uma economia, ou seja, sua liquidez.
E como esses dois conceitos estão relacionados? É simples: a taxa de juro básica da economia é um dos mais poderosos instrumentos de política monetária. No Brasil, essa taxa de referência chama-se Selic e orienta as demais taxas de juros praticadas no mercado. A cada 45 dias, o Comitê de Política Monetária (Copom) se reúne para definir qual será a meta da Selic com base em diversas análises, sempre de acordo com os objetivos estabelecidos pelas autoridades monetárias. O principal deles, em geral, é garantir que a inflação se mantenha dentro dos limites estabelecidos como meta, o que comumente é chamado de meta de inflação.
A taxa de juro, portanto, funciona ao mesmo tempo como um “termômetro” e como um guia sobre as expectativas e preferências por liquidez dos agentes econômicos. Quando ela está elevada, a tendência é que a liquidez da economia diminua.
Pense assim: você tem R$100 sobrando (é um agente superavitário) e pode escolher comprar uma camiseta nova ou guardar o dinheiro a uma taxa de juro fictícia de 2% ao mês (ao final de 30 dias, você terá R$102). Em outro cenário, você tem os mesmos R$100, mas a taxa de juro é de 50% ao mês (ao final de 30 dias, você terá R$150!). A tendência é que você prefira comprar a camiseta no primeiro caso e guardar o dinheiro no segundo, pois o rendimento é mais atrativo do que o consumo imediato.
Agora vamos supor que você queira tomar um empréstimo de R$1.000 por um mês (é um agente deficitário). No primeiro cenário, você pagaria R$1.020 ao final do período (taxa de juro de 2% ao mês), enquanto no segundo, sua dívida seria de R$1.500 (taxa de juro de 50% ao mês). Melhor deixar para outro dia, não é mesmo? Em ambos os casos, o estímulo funciona no sentido de reduzir o volume de dinheiro circulando na economia: quem tem sobrando prefere guardar, quem tem faltando prefere tomar emprestado em outro momento.
O oposto também é verdadeiro: se a taxa de juro está baixa, a tendência é que guardar recursos não seja uma opção muito atraente, ao mesmo tempo em que tomar crédito fica mais barato, de modo que o resultado tende a ser o aumento de liquidez na economia.
Esse é apenas um ponto de vista que ilustra de forma simples a relação entre taxa de juros e liquidez, mas por ora é suficiente para chegarmos ao ponto central.
E então, o que é Armadilha da Liquidez?
O economista britânico John Maynard Keynes, em seu livro Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda, de 1936, discorre sobre uma situação em que o governo perde a capacidade de estimular a economia através da política monetária. Nessa situação hipotética, mesmo com a redução da taxa de juro, não há um efeito expressivo, ou suficiente, no aumento de liquidez na economia, ao que ele dá o nome de “Armadilha da Liquidez”.
Os agentes econômicos, no caso, acreditam que a taxa básica atingiu seu patamar mínimo possível, ou seja, não pode cair mais. Portanto, a tendência é voltar a subir em algum momento próximo. Ora, se a única possibilidade é que os juros subam no futuro próximo, as pessoas que guardam seu dinheiro tenderão a reter seus recursos para fazê-lo depois, quando as taxas forem maiores e puderem obter uma remuneração melhor. Um dos resultados, então, é que a liquidez da economia não aumenta, mesmo com a adoção da política.
Outro ponto relevante. Em momentos de crise, o nível de atividade econômica diminui drasticamente, o desemprego aumenta, a renda das famílias se reduz, o nível de consumo cai, muitas empresas vão à falência e tantas outras enfrentam dificuldades para honrar seus compromissos firmados anteriormente na forma de empréstimos, de modo que o setor bancário também é afetado. O sistema como um todo se retrai, e mesmo reduções na taxa de juro podem não ser efetivas para o estímulo da atividade econômica, pois há pouco recurso disponível para os agentes, além de um temor em relação ao futuro.
É importante lembrar que uma situação de crise pode ser desencadeada por inúmeros fatores, inclusive uma pandemia que fez praticamente o mundo inteiro ficar em quarentena. Parece o cenário do início de 2020? É aí que entra a importância de compreender a potencial capacidade das políticas monetárias de darem respostas em momentos de incerteza como esse.
Podemos estar próximos do patamar mínimo da Selic?
Economistas não são “futurologistas” e nem devem tentar ser. Previsões são sempre acompanhadas de estudos de tendência, de condições necessárias e uma imensa quantidade de variáveis consideradas “constantes”, ou seja, “se nada mudar, podemos ter um resultado próximo a…”. No final do dia, são os fatos – e não as previsões – que trazem as respostas. Ou mais perguntas…
O Banco Central do Brasil possui uma série histórica da taxa Selic que tem início em 1999 e é marcada por níveis elevados. Isso sempre esteve associado a diversas causas, como você deve ter lido nesse artigo citado anteriormente, mas uma das mais importantes e faladas é o histórico de inflação alta e muitas vezes fora do controle.
De forma simples, inflação é o aumento generalizado e contínuo dos preços em uma economia. Muitas vezes, o processo inflacionário é causado por um excesso de demanda, ou seja, há muitas pessoas querendo comprar as mesmas coisas, portanto os preços tendem a subir. Isso faz com que o dinheiro perca seu poder de compra, já que cada vez menos produtos podem ser comprados com uma mesma quantia de moeda.
O que a taxa de juro tem a ver com a inflação?
Lembra que falamos que um aumento do juro tende a reduzir a liquidez de uma economia, e que liquidez está diretamente ligada à disposição das pessoas em gastar seu dinheiro? Pois é, diante de um excesso de demanda, quando os agentes estão muito dispostos a gastar, uma forma de controlar isso é desestimulando-os através da política monetária, que significa taxas de juros mais altas. Esse foi o cenário do Brasil por muito tempo: alta inflação e juros altos.
O que importa agora é que estamos justamente em um cenário totalmente oposto: atingimos um patamar da Selic nunca registrado nessa série histórica, 2,25%a.a, em junho de 2020. O menor valor até então fora registrado em 2013, 7,25%a.a., mais tarde atingindo o pico de 14,25%a.a, o maior nível dos últimos 10 anos. Desde 2015, a trajetória do juro é decrescente.
E quais as perspectivas nesse momento?
Na reunião de maio/2020, o Copom mencionou um cenário desafiador especialmente para os países emergentes, como o Brasil, em função da necessidade de se enfrentar a intensa recessão que se anuncia e já mostra seus primeiros efeitos no mundo todo. As perspectivas apontam para uma trajetória de inflação abaixo da meta e redução da demanda agregada, o que, em termos simples, significa que o total dos gastos dos agentes econômicos como um todo diminuirá e isso fará com que os preços de modo geral subam menos do que o desejado. Esse movimento é absolutamente comum em contextos como esse causado pela pandemia do coronavírus, de incerteza e alto nível de desemprego.
O Comitê afirmou na ata mencionada anteriormente que o momento exigia “estímulo monetário extraordinariamente elevado”, o que se confirmou com o corte na Selic à época e se repetiu na reunião seguinte, em junho. Sem mencionar explicitamente o termo Armadilha da Liquidez, uma das pautas da discussão de maio foi o suposto limite mínimo da taxa de juro. Para os presentes, pode não ser possível fazer novos cortes expressivos na taxa básica sem incorrer em riscos altos.
Na prática, isso significa que talvez em breve as autoridades monetárias não poderão mais fazer ajustes na Selic visando prover o estímulo à economia que desejam para atingir a meta de inflação. De qualquer modo, a existência ou não de um limite mínimo da taxa de juro não é de fato consenso entre especialistas da área e o debate deve ser conduzido de forma a garantir que as melhores decisões possíveis e viáveis serão tomadas para a recuperação sustentável da economia.
Como mencionado anteriormente, por mais que as previsões sejam feitas de forma sólida e estruturada, apenas os dados são capazes de mostrar os resultados positivos – ou não – das medidas adotadas e é a partir deles que os passos seguintes devem ser definidos.
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REFERÊNCIAS
O que é liquidez. E por que países agem para aumentá-la na crise
O que é a taxa Selic e como ela afeta sua vida?
Entenda a diferença entre as políticas fiscal, monetária e cambial
SGS – Sistema Gerenciador de Séries Temporais v2.1
Ata da 230ª Reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central do Brasil