Um dos direitos trabalhistas mais conhecidos de nossa Constituição Federal é o adicional de horas extras. Através dele é possível a prorrogação e a compensação da jornada de um trabalhador. Mas o que esses dois termos querem dizer na prática? A seguir a gente te explica!
Esse é o segundo texto de uma trilha de conteúdos sobre Direito do Trabalho. Confira os demais:
- Jornada de trabalho
- Intervalos pra descanso
- Descanso semanal remunerado
1) PRORROGAÇÃO DA JORNADA DE TRABALHO
Horas extras nada mais são do que a materialização da prorrogação da jornada de trabalho. Ou seja, na prática, através delas o empregado pode trabalhar mais do que o previsto em sua jornada normal de trabalho. Contudo, quando esse aumento de jornada – autorizado de forma excepcional pelo Art. 7º, XVI, da Constituição Federal (CF) – ocorre, é devida remuneração “superior, no mínimo, em cinquenta por cento à do normal”. A esta remuneração, damos o nome de adicional de horas extras.
Para exemplificar
Imaginemos um empregado X que trabalha 8 horas diárias ou 44 horas semanais (ou seja, de segunda a sábado). Assim, temos um total de 220 horas por mês. Também imaginemos que o salário do colaborador é de R$ 2.200,00. Portanto cada hora trabalhada custa R$ 10,00. Com isso, caso o empregado X, em determinado dia trabalhe 1 hora a mais que o normal, essa hora suplementar será 50% maior que a hora normal, chegando, no caso em análise, a R$ 15,00.
Para compreendermos melhor como as horas extras se aplicam em nosso cotidiano, é necessário entendermos duas formas de prorrogação de jornada de trabalho presentes em nosso ordenamento jurídico trabalhista: o Acordo de prorrogação da jornada de trabalho e a Prorrogação de jornada decorrente de necessidade imperiosa. Se esses nomes tiverem ficado confusos para você, calma que já te explicamos.
O que é o acordo de prorrogação da jornada de trabalho?
É o acordo de prorrogação mais comum existente na relação de emprego. Ele está no Art. 59 da Consolidação de Leis Trabalhistas (CLT). Esse artigo traz que a duração diária do trabalho poderá ser acrescida de horas extras, em número não excedente de duas, por acordo individual (acordo entre empregador e empregado), convenção coletiva (acordo entre dois ou mais sindicatos) ou acordo coletivo de trabalho (acordo entre sindicatos e empregadores). Ou seja, a partir destes instrumentos, é possível que sejam acrescidas até 2 (duas) horas de trabalho além da jornada regular de determinado empregado.
Com isso, o aspecto mais relevante dessa figura é o da remuneração dessas horas extras, ou seja, o que é devido ao empregado caso sua jornada seja prorrogada. De acordo com o § 1º do Art. 59 da CLT, e em consonância com nossa Constituição, a remuneração da hora extra deve ser de, pelo menos, 50% superior à hora normal. Portanto, para exemplificar, se uma hora trabalhada por um determinado empregado vale R$ 10,00, a remuneração da hora extra trabalhada pelo mesmo empregado deverá ser de, no mínimo, R$ 15,00.
E o que é a prorrogação de jornada decorrente de necessidade imperiosa?
Esta é uma forma de prorrogação de jornada um pouco menos comum em nosso cotidiano, mas ainda assim possível e presente. A partir do Art. 61 da CLT, em casos de necessidade imperiosa, a duração do trabalho poderá exceder o limite legal estipulado, ou seja, as horas extras podem até extrapolar o limite de 2 (duas) horas por dia.
Mas, afinal, o que seria necessidade imperiosa? Em que casos realmente o limite de 2 horas extras diárias pode ser extrapolado? Então, existem duas espécies de necessidade imperiosa:
-
Motivo de força maior, como exemplo, uma forte ventania que atinge parte de um edifício em construção e acaba por “obrigar” que os empregados daquela obra continuem seus serviços para realizarem consertos no edifício.
-
Serviços inadiáveis ou cuja inexecução possa acarretar prejuízo manifesto: como exemplo, os empregados de uma rede de frigoríficos que simplesmente não podem deixar carnes expostas mesmo que já tenha ocorrido o término de sua jornada, devendo recolhê-las. Ou seja, é aquele serviço que não dispõe da possibilidade de adiar sua conclusão para a próxima jornada.
Porém, apesar de dessa possibilidade de prorrogação ser claramente mais liberal, o § 2º do Art. 61 estabelece um limite de 12 horas trabalhadas por dia, ou seja, em uma jornada de 7 horas diárias de trabalho, as horas extras não podem ser maiores que 5 (cinco).
2) COMPENSAÇÃO DA JORNADA DE TRABALHO
Já a compensação de jornada de trabalho é uma espécie de prorrogação da jornada do empregado em alguns dias para poder reduzir em outros, de maneira que, no final, a jornada será obedecida dentro do normal de um período, mas sem haver o pagamento de horas extras. Ou seja, haverá uma redistribuição das horas, não sendo devido o adicional de 50% já explicado anteriormente, pois o trabalho prestado além do horário normal em determinados dias será compensado com a redução da jornada de trabalho em outros dias.
Exemplo: empregado Y tem uma jornada de 8 horas diárias. Em determinado dia, ele trabalha por 9 horas diárias, o que extrapola sua jornada comum. Mas, para compensar, ele, no dia seguinte, por exemplo, trabalha 7 horas no dia.
Por sinal, essa figura é uma garantia constitucional, visto que a Constituição Federal de 1988, em seu Art.7º, XIII, traz que “duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho”.
Diante disso, de acordo com o disposto na Consolidação de Leis Trabalhistas (CLT) e com os estudos doutrinários, podemos chamar essa “compensação de horários” de Banco de horas. Essa figura possui algumas modalidades dispostas em nossa legislação:
-
Banco de horas anual
-
Banco de horas semestral
-
Banco de horas mensal
O Banco de horas anual, com base no Art. 59, §2º da CLT, é um regime de compensação em que a folga compensatória ocorrerá no período máximo de até um ano, a contar da prestação do serviço. É necessário que esteja previsto em acordo ou convenção coletiva, pois se trata de uma situação mais gravosa para o trabalhador, devendo respeitar o limite de dez horas diárias, portanto, o máximo de duas horas prorrogadas por dia. Importante destacar que, mesmo que a jornada de trabalho normal do empregado seja inferior a oito horas diárias, deve-se respeitar o limite máximo de horas prorrogadas por dia.
Com relação aos regimes de compensação semestral e mensal, previstos, respectivamente, no Art. 59, §5º e 6º, da CLT, o primeiro foi uma novidade trazida pela Reforma Trabalhista (Lei nº 13.467/2017), que constituiu a possibilidade de se estabelecer banco de horas por meio de acordo individual escrito entre empregado e empregador, com a compensação devendo ocorrer no prazo máximo de até seis meses. Já o segundo, pode ser feito por meio de acordo individual tácito ou escrito, sempre observando o limite máximo de dez horas diárias e devendo a compensação ser feita no mesmo mês.
Outro ponto bem interessante e de possível ocorrência no cotidiano se refere à possibilidade de rescisão contratual enquanto ainda existam horas a serem compensadas. Nesse caso, o trabalhador terá direito ao pagamento das horas extras que não foram compensadas, ou seja, terá direito a horas acrescidas do adicional de 50% sobre o valor da hora normal de trabalho. Além disso, essas horas extras devem ser calculadas com base no valor da remuneração do empregado na data da rescisão, assim previsto no Art. 59, §3º da CLT.
Leia mais sobre a CLT!
E o que significa “Jornada 12 x 36”?
A Reforma Trabalhista (Lei nº 13.467/2017) trouxe como exceção ao Art. 59 da CLT a jornada 12 x 36, uma modalidade de compensação de jornada prevista no Art. 59-A da CLT. Nesse modelo de sistema, o empregado trabalha além das 8 horas permitidas, ficando 12 horas prestando serviços. Entretanto, ele goza de um descanso prolongado de 36 horas consecutivas. Esse sistema pode ser estabelecido por meio de acordo individual escrito, convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho.
Os intervalos intrajornada em jornada 12 x 36 podem ser concedidos ou indenizados pelo empregador. Dessa maneira, o empregado pode prestar 12 horas de trabalho contínuo sem nenhuma pausa para descanso, recebendo posteriormente uma verba de natureza indenizatória pelo intervalo não concedido.
Quanto à remuneração dessa hipótese de compensação, da leitura do parágrafo único do Art. 59-A podemos entender que a remuneração mensal decorrente desta jornada de trabalho diferenciada (12×36) já engloba os pagamentos do descanso semanal remunerado e do descanso em feriados, e serão considerados compensados os feriados e prorrogações de trabalho noturno, quando houver, abrangidos nessa jornada diferenciada.
3) ALTERAÇÕES REFERENTES À MP 927/20
Diante do estado de calamidade pública pelo qual estamos passando decorrente da pandemia do novo coronavírus, no início desta crise aqui no Brasil, o governo federal publicou a MP 927 em 22 de Março. Porém, a referida MP não foi votada no Senado Federal no intervalo de 120 dias e perdeu sua validade no último dia 20 de Julho. Apesar disso, é válido ressaltar algumas inovações, relacionadas ao tema em questão, ocorridas durante a vigência desta Medida, pois elas impactaram nas relações trabalhistas durante esse período e alguns acordos embasados nesta MP ainda podem estar em pleno vigor.
-
O Art. 26 da MP 927 autorizou os estabelecimentos de saúde, mesmo em casos de atividades insalubres e para Jornada de 12 x 36, e mediante acordo individual escrito, a prorrogarem para além do limite legal ou convencionado. Ou seja, estabeleceu uma exceção ao já citado Art. 61 da CLT.
-
Já o Art. 14 da MP autorizou a interrupção das atividades pelo empregador e a constituição de um “banco de horas especial”, em favor do empregador ou do empregado, estabelecido por meio de acordo coletivo ou individual formal, para a compensação no prazo de até 18 meses, contado da data de encerramento do estado de calamidade pública. Ou seja, autorizou que um banco de horas possa ser compensado em 18 meses por acordo individual, estabelecendo assim mais uma exceção ao disposto no Art. 59 da CLT.
Portanto, por fim, é válido ressaltar que essas alterações trazidas pela MP 927 não podem mais ser aplicadas, visto que a Medida perdeu sua vigência, apesar de que acordos e convenções realizados à época de sua validade continuam em pleno vigor.
Gostou do conteúdo? Compartilha a sua opinião nos comentários!
REFERÊNCIAS
Constituição Federal, CLT, MP 927/20, Manual de Direito do Trabalho (Gustavo Garcia), Jusbrasil.