Nos últimos meses temos escutado muito sobre a alta do dólar perante o real brasileiro. Se você separa um tempo do seu dia para assistir aos jornais ou ler um portal de notícias (ou até pelas redes sociais) com certeza já se deparou com reportagens e especialistas tratando das máximas da moeda norte-americana.
Desde o início de 2020 até o dia em que este texto é escrito, 11 de maio de 2020, a moeda se valorizou mais de 40%.
Nessa matéria, o Politize! tenta elucidar as principais questões que envolvem o assunto: Por que o real se depreciou tanto? Quais são as causas? As projeções? Existem pontos positivos?
Todavia, antes de entrarmos nesses tópicos, o que acha de entender como a moeda americana ganhou todo esse protagonismo no sistema financeiro internacional? Então, vem com a gente.
A alta do dólar
Você já reparou que enquanto a moeda norte-americana detém grande notoriedade, outros numerários como o euro – União Europeia – e a libra – Reino Unido – não são nem noticiados? E aí, você sabe como anda a cotação do euro ou da libra frente ao real? Há uma explicação, voltemos a história.
Até o primeiro quartel do século XX a libra dominava o cenário financeiro global. Não só pioneiros na Revolução Industrial, como seus professores te ensinaram na escola, os ingleses possuíam o sistema financeiro e bancário mais desenvolvido até então, atuando em diversas partes do mundo.
Aqui no Brasil, por exemplo, a independência em relação a Portugal somente foi reconhecida através de vultosas indenizações, totalizando um empréstimo de 3 milhões de libras, e no século seguinte, o governo brasileiro se utilizava muito do financiamento inglês para a política de defesa dos preços do café.
Ademais, todos os territórios os quais pertenceram a Inglaterra, que juntos formaram o maior império da história da humanidade, contribuíram para a expansão da zona da libra.
A Primeira Guerra Mundial foi o momento de inflexão da hegemonia inglesa para a ascensão americana. Os Estados Unidos mantiveram-se em neutralidade até 1917, aproveitando as oportunidades comerciais da guerra. Ao entrarem no conflito, concederam empréstimos à França e Inglaterra, ajudando a atrelar as moedas de seu aliados, a um câmbio desvalorizado, ao dólar.
O fim da batalha deu fim também aos empréstimos americanos para com seus aliados europeus, incluindo a Inglaterra, a qual já sofria pelas perdas materiais e humanas, teve que lidar com a falta de recursos para sua reconstrução e um endividamento dolarizado.
Apesar dos fatores acima, foi após a Segunda Grande Guerra que o poderio estadunidense se consolidou. Os motivos são inúmeros, mas aqui levantaremos apenas cinco:
Em primeiro lugar, o crescente desejo por dólares por parte de Inglaterra e França a fim de negociar com os EUA suprimentos para o conflito, como munições e petróleo.
- Em segundo lugar, a ação estadunidense de financiar e controlar diretamente a produção petrolífera no Golfo Pérsico. Os EUA perceberam o enfraquecimento de seu monopólio produtivo e por isso lograram buscar novos territórios para manter sua preponderância no setor. Desta forma, com a pressão americana, o petróleo passou a ser precificado em dólar(ou seja, o preço era dado em dólares), e por isso países que necessitavam importar o “ouro negro” precificaram também sua exportações em dólar. Assim, esses países importadores da commodity obtiam moeda americana para pagar as importações e satisfazer suas necessidades comerciais.
Os EUA saíram extremamente fortalecidos da guerra e o desenrolar pós conflito mostra os reflexos disso. A conferência de Bretton Woods estabeleceu o dólar como a moeda internacional, pareada em ouro, enquanto as outras deveriam manter sua conversibilidade em moeda americana, podendo oscilar. O Plano Marshall, que você se lembra das aulas de história, permitiu a reconstrução de economias aliadas e ocasionou o endividamento europeu em dólares.
O governo estadunidense abriu seus mercados às exportações de parceiros comerciais estratégicos, o que garantia receita em dólares para estes países, além de estimular o investimento estrangeiro em suas multinacionais, o que claro, precisava ser feito em dólares.
Por último, organismos financeiros internacionais criados no pós guerra – como FMI e o BIRD – eram estruturados em moeda norte-americana, uma vez que era exigido dos países participantes aportes de capital.
Estas e outras investidas americanas internacionalizaram o dólar e expandiram sua zona de atuação para o mundo inteiro. Ufa, chega de história, não acha? Agora que você já descobriu como a moeda se tornou celebridade, vale discorrer sobre como os vaivéns do câmbio afetam sua vida, a exemplo da inflação.
Como assim inflação?
O conceito básico de inflação é o aumento generalizado dos preços em um período de tempo, sendo o índice mais comum o IPCA, calculado pelo IBGE. Esse índice mensura a inflação de uma cesta de bens e serviços, no varejo, de consumo das famílias de 1 até 40 salários mínimos.
Entendida essa parte, como uma mudança na cotação do dólar pode ter efeito inflacionário? Simples, basta que o produto consumido ou algum componente dele possua elementos importados, nesse caso, a depreciação do real – o dólar custar mais reais – pode levar ao aumento de preços.
Se sua cabeça está pensando no encarecimento de eletrônicos ou eletrodomésticos, como smartphones, computadores, televisores e geladeiras, saiba que você está meio certo. Existem também outros produtos atingidos pela ascensão do dólar, por exemplo o pão, ou sendo mais genérico, o trigo.
Leia mais sobre inflação aqui!
Até o trigo?
Caso alguma vez você tenha ouvido que o “Brasil é o celeiro do mundo”, os dados acima da ABIMAPI podem te surpreender. Tanto por conta da quantidade quanto da qualidade, mais de 50% do suprimento de trigo é importado, e como tal produto é precificado em dólar, o pão nosso de cada dia pode encarecer. Não só o pão como massas em geral e biscoitos também podem pesar mais no seu bolso.
Todavia, a relação não é tão direta assim: os preços variam de região para região, o comerciante pode optar por não repassar o ágio(ou só uma parte dele), há uma parcela de trigo estocada adquirida à cotações anteriores, e claro, as forças de oferta e demanda.
Gasolina e derivados do petróleo
Em 2016, Pedro Parente assumiu a presidência da Petrobras e foi dada a ele a missão de tirar a companhia do vermelho após inúmeros casos de corrupção. Nesse cenário, em outubro ele adotou uma nova política de preços, a qual consta no próprio site da Petrobras:
“A nova política terá como base dois fatores: a paridade com o mercado internacional – também conhecido como PPI e que inclui custos como frete de navios, custos internos de transporte e taxas portuárias – mais uma margem que será praticada para remunerar riscos inerentes à operação, como, por exemplo, volatilidade da taxa de câmbio e dos preços sobre estadias em portos e lucro, além de tributos.”
Basicamente, o preço dos combustíveis passou a refletir as oscilações do dólar e o valor do petróleo no mercado internacional, além dos ajustes nos preços serem feitos em espaços de tempo mais curtos. Certa ou não, anos mais tarde essa medida foi o epicentro da revolta dos caminhoneiros em maio de 2018, que você deve se lembrar bem. Pedro Parente pediu demissão, mas sua política continua em vigor.
Isso não quer dizer que os combustíveis só tendem a subir. Na verdade, de acordo com o gráfico das informações da ANP – produzido pelo G1 -, tem caído nos últimos meses devido as últimas quedas no preço do barril. Ademais, vale salientar: alterações nos combustíveis afetam toda a cadeia produtiva, já que o transporte brasileiro é preponderantemente rodoviário.
Outros produtos
O Brasil é o maior importador mundial de fertilizantes e apenas em 2019 foram comprados 27 milhões de toneladas. Tal fato nos sinaliza que variações no câmbio podem ter efeitos mais abrangentes na agricultura do que só o preço do trigo. Dados da Scot Consultoria, em São Paulo, já revelam aumento de 3,2%, em média, no preço de fertilizantes nitrogenados entre fevereiro e março deste ano.
Mudando de setor, produtos eletrônicos e eletrodoméstico demandam muitos componentes importados, situação na qual as indústrias por vezes atuam quase como montadoras. Artigos químicos importados também são essenciais para a fabricação de produtos de beleza e higiene.
A empresa farmacêutica é extremamente dependente de matéria-prima estrangeira. Mesmo assim, lembre-se que a situação não é exatamente proporcional: variações nos preços dependem também do volume dos estoques, da região, se o comerciante pretende repassar o aumento para o consumidor entre outros aspectos.
Analisadas as consequências do dólar para a inflação, vamos entender por que estamos diante desse cenário de forte valorização da moeda norte-americana.
Por quê o dólar subiu? Explicações
Vejamos abaixo alguns possíveis motivos para a recente alta do dólar.
1) Recorde Nominal X Real
Antes de apresentarmos os motivos para o rali do dólar, vale uma observação. Apesar de ter atingido seu recorde nominal, o câmbio ainda não atingiu seu recorde verdadeiro, ou melhor, real. De maneira resumida, quando nos referimos a valores nominais estamos tratando de valores não ajustados pela inflação. Geralmente, os dados apresentados em programas de televisão e jornais estão em termos nominais.
Se você pensou o contrário para valores reais você já entendeu: neste caso, a inflação entra na conta. Para calcular a taxa real é necessário ter em mãos as inflações acumuladas dos EUA e Brasil, escolher um momento passado e sua cotação naquele momento. Em 10 de outubro de 2002, o dólar chegou a atingir R$3,99 e desde então a moeda americana acumula inflação aproximada de 42%, enquanto o Brasil 179,41%(!).
Para obter o mesmo poder de compra de outubro de 2002, uma regra de três simples resulta que um dólar deveria ser equivalente a mais de R$7,86 hoje. Esse é o recorde real. No entanto, é importante ressaltar: tal valor não é fixo, já que conforme o tempo passa, o cálculo deve ser refeito para novos montantes de inflação acumulada. Sabendo disso, é bem possível que o recorde aumente, basta o Brasil registrar índices inflacionários superiores aos índices dos EUA.
2) A taxa de juros
Você já deve ter ouvido que a Selic é a taxa básica de juros na economia brasileira, mas essa não é a verdade por inteira. Segundo as palavras de Alexandre Assaf Neto, em seu livro “Mercado Financeiro”, página 58:
“O Selic é um sistema informatizado que executa a custódia dos títulos públicos de emissão do Tesouro Nacional e Banco Central, e efetua também o registro, controle e liquidação das operações com esses papéis.”
Tal sistema propiciou maior organização, segurança e liquidez às operações do mercado monetário. Por meio dele, as instituições financeiras podem realizar compras e vendas de títulos todos os dias, originando, para este fim, uma taxa diária chamada de Selic overnight (ou apenas over). Ela é a média ponderada dos juros praticados pelas entidades financeiras cujos ativos estão custodiados no sistema Selic.
Por outro lado, é a taxa Selic meta que servirá de referência e norte para tais transações interfinanceiras. Ela é definida por um comitê atrelado ao Banco Central, o COPOM, em reuniões periódicas. Enquanto a taxa Selic meta em 2016 era de dois dígitos, 14,25%, hoje está em apenas 3%.
Uma queda extraordinária, não acha? Os motivos que levaram a esse declínio não fazem parte do escopo dessa discussão, porém você pode pensar que o governo diminui o juros quando está mais preocupado em estimular a economia do que controlar a inflação.
Retomando a explicação anterior, uma consequência clara do tombo dos juros é o menor retorno dos título públicos, comercializados a pessoa física através do conhecido programa Tesouro Direto. Se paga pouco e o cenário é de risco (mais explicações abaixo), você pega seu dinheiro e vai embora.
E como isso afeta o câmbio? Muitos investidores estrangeiros aplicavam seu dinheiro em títulos públicos brasileiros, porque como já foi dito, o juro era alto. Esses investidores precisavam trocar seus dólares por reais para comprarem os títulos, o que inundava o mercado de dólares, a oferta da moeda aumentava – lei de oferta e demanda – e seu preço caía.
O “mesmo processo” ocorre quando você compra a fruta que mais gosta dentro ou fora da estação: quanto mais no mercado, mais barata.
O Brasil foi um dos países o qual mais cortou sua taxa de juros esse ano e muito se discute se o país viverá uma nova fase de juros baixos. Não se engane pensando que esse processo é prejudicial. Com as taxas lá em cima, o governo separava uma grande fatia da pizza orçamentária pagando o rendimento aos investidores, dinheiro que poderia ser destinados a outros fins, como saúde.
Se quiser, faça uma pesquisa: pense em algum país rico, que você usa de modelo nas discussões de redes sociais, e pesquise sua taxa de juros básica. Majoritariamente encontrará valores mais baixos do que os praticados anos atrás no Brasil.
3) Conjuntura
Um investimento atrativo é aquele que possui boa relação risco-retorno, ou seja, o maior retorno com o menor risco possível. No tópico anterior foi abordado como e quanto o retorno caiu. Neste tópico, trataremos do aumento da insegurança e do risco, analisando a conjuntura atual.
Brasil
O Brasil atravessa um momento extremamente delicado e vários indicadores econômicos provam isso. Começando pelo desemprego: a menor taxa averiguada pelo IBGE desde o início da série histórica, em 2002, foi de 5,8%, no primeiro trimestre de 2012. Nos últimos meses, os números passam de 10%, enquanto a média dos países da OCDE, organização que reúne 35 das principais economias do mundo, foi abaixo de 6% no início de 2020.
O PIB representa a soma de todos os bens e serviços finais produzidos a preços de mercado dentro do país, geralmente no período de um ano. No Brasil, a média de crescimento do PIB da última década – de 2010 a 2019 – foi de 1,39%, pior resultado desde 1900.
Em 2015 e 2016, o Produto Interno Bruto encolheu 3,55% e 3,28%, respectivamente. A expectativa atualizada de crescimento do PIB para 2020, dada pelo boletim Focus, emitido pelo Banco Central, é de -5,12%.
Ainda analisando indicadores, iremos agora para a dívida pública. Segundo o site do Tesouro Nacional:
“A Dívida Pública Federal (DPF) refere-se a todas as dívidas contraídas pelo governo federal para financiamento do seu déficit orçamentário, nele incluído o refinanciamento da própria dívida, e para outras operações com finalidades específicas, definidas em lei”.
Saiba mais: como a dívida pública afeta o seu dia a dia?
Existem dois conceitos de cálculo mais utilizados no Brasil, sendo eles a Dívida Bruta do Governo Geral (DBGG) e a Dívida Líquida do Setor Público (DLSP), todos em relação ao PIB. Esse indicador, que é ótimo para avaliar a saúde do governo, tem tido trajetória ascendente desde 2014, em que, segundo o conceito DLSP, saiu de níveis a 30% para mais de 50%.
A queda observada no final de 2019 e início de 2020 não se deve a superávits fiscais(ou seja, mais receita do que despesa), mas sim a fatores extraordinários, como a recompra de títulos públicos, leilões de petróleo e venda de reservas internacionais.
O resultado do desempenho desses e de outros indicadores se resume em uma palavra: risco. É com esses olhos que investidores do mundo todo tem observado o Brasil.
Por fim, para a receita do bolo ainda falta acrescentar as inúmeras crises política internas, desde a operação Lava-Jato, caso e possíveis ameaças de impeachment, delações premiadas, troca-troca de ministros, entre outras turbulências que aumentam a sensação de instabilidade nacional.
Mundo
Nem tudo é culpa do Brasil. A globalização coloca cada Estado refém do desempenho e das expectativas de agentes econômicos espalhados pelo mundo, e claro, isso varia de país para país. Nossa nação é a maior população da América do Sul, é o país mais extenso em terras e possui o maior PIB, sendo o oitavo maior PIB do mundo.
Apesar disso, ainda não somos vistos de maneira singular aos nossos vizinhos sul-americanos, mas sim como um bloco conjugado a eles.
Isso quer dizer que a depressão venezuelana, com inflação que já chegou a mais de 1.000.000% ao ano, a Argentina sofrendo estagflação – combinação de estagnação econômica e inflação – a crise e as manifestações em Santiago, no Chile, são um balde de água fria em qualquer perspectiva positiva para o Brasil.
Não podemos deixar de tratar da COVID-19, a qual se tornou oficialmente pandemia pela Organização Mundial da Saúde em onze de março. Segundo dados da OMS, até a primeira quinzena de maio, o número de infectados ultrapassa os 4,5 milhões de pessoas e o de mortes 300 mil.
A maioria dos países emitiu recomendações de distanciamento, higiene, por vezes lockdown – quando as recomendações tornam-se mais rígidas, obrigatórias e seu descumprimento sujeito a punição – e a ajuda emergencial para vulneráveis.
Todas essas medidas, as quais visam controlar ao máximo a circulação de pessoas, não conseguiram evitar em sua totalidade o colapso dos sistemas de saúde, a falta de equipamentos de proteção e o número ascendente de mortes.
Tudo isso em um cenário de conhecimentos científicos ainda escassos, perigo de uma nova onda de contaminações e uma pancada inevitável em certos setores econômicos após o isolamento.
Os comentários acima são necessários para nos situarmos brevemente no status quo mundial. Há sentimentos generalizados de insegurança e incerteza, agravados no Brasil por crise econômica e política preexistente. Seguindo em frente, vamos fazer uma análise mais técnica, porém necessária para entender os movimentos do dólar.
4) Balança Comercial
A balança comercial é um dos componentes do balanço de pagamentos de um país. Este é registro contábil das transações econômicas entre um país e outras nações do mundo durante um determinado intervalo de tempo.
Dentro deste registro de contas, inserido em uma divisão chamada conta corrente, está o balanço comercial, o qual simplificadamente consiste na subtração de dois montantes, exportações menos importações. Se você concluiu o primário sabe que o resultado de uma subtração pode ser positivo, negativo ou zero, o que nesse caso significa superávit, déficit ou equilíbrio, respectivamente.
Agora fica fácil raciocinar: se no superávit as exportações são maiores que as importações, contabiliza-se mais entrada de dólares do que saída, logo a oferta da moeda aumenta e o valor do dólar pode cair. O inverso ocorre quando há déficit na balança comercial: saída de dólares e eventual valorização da moeda norte-americana.
No entanto, não pense que só a balança comercial resume o saldo monetário do país, pois outras contas do balanço de pagamentos também são importantes nesse aspecto, como a conta capital e a conta financeira.
O gráfico abaixo, extraído do Valor Econômico, expõe o desempenho modesto da balança comercial nos últimos anos, principalmente a partir de 2018. Se junto a isso somarmos os fatores já levantados sobre a taxa de juros e a conjuntura mundial, teremos como resultado o que vemos hoje, fuga de dólares e queda do investimento estrangeiro.
Nem tudo são lágrimas
Há um pensamento pessimista que paira sobre a desvalorização do real. Ele está relacionado a inflação, problemas para algumas empresas, seja por conta de dívidas em dólar ou necessidade de importar componentes e tecnologias, e claro, ao cancelamento das suas viagens de férias.
Mesmo diante disso, não se engane, existem pontos positivos nessa história.
No novo horizonte de câmbio, o setor industrial sai favorecido, já que o real desvalorizado torna os produtos brasileiros mais atrativos para a exportação e o dólar valorizado dificulta as importações, estimulando a indústria interna. Além disso, a queda dos juros, abordada anteriormente, facilita a concessão de crédito e o investimento.
Para fazer uma observação um pouco mais profunda, vale apresentar um estudo do IPEA(Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada): “A “Década Perdida” das Exportações da Indústria Brasileira: análise de constant market share para o período 2005-2016”.
Esse relatório, com nome auto sugestivo, expõe que o período entre 2005 e 2016 foi marcado pela redução do market share (fatia ou parcela de mercado) da nossa indústria no comércio mundial.
Mais especificamente, a participação brasileira na soma das transações internacionais caiu de 0,97% – média de 1978 a 2008 – para 0,57% no período analisado.
A principal culpada desses números decrescentes foi a perda de competitividade da indústria, oriunda do crescente custo unitário do trabalho, da falta de inovações em pesquisa, de política comercial passiva e ineficaz e, não poderia faltar, uma taxa de câmbio valorizada.
Em 2017, a quantidade exportada se situou nos mesmos níveis de 2008, e o prejuízo imposto pela redução da competitividade foi da ordem de 25% do faturamento exportador no período.
Visto isso, o real depreciado pode proteger a indústria nacional e ajudá-la a voltar aos trilhos, ocasionando uma substituição de importações. Felizmente ou infelizmente, a economia é sempre assim, cheia de prós/contras e dilemas conflitantes – ou no jargão, trade off – que dividem opiniões entre especialistas. Nada é apenas sorriso e nem tudo são lágrimas.
Conclusões
O dólar subiu e a consequência mais imediata para você que não tem uma empresa e/ou não vai viajar é o encarecimento de alguns produtos, como os eletrônicos.
Já que a atividade econômica anda muito deprimida, ainda não há demanda suficiente para um aumento generalizado dos preços, então inflação pode ficar para depois.
Não necessariamente a taxa de juros se manterá nos patamares atuais (3%). Na ata da última reunião do COPOM foi manifestada a possibilidade de mais cortes nos juros, porém parece que tal movimento de queda está chegando ao fim. Tudo dependerá dos acontecimentos dos próximos meses. O Focus, o qual já foi citado nesse texto, estima aumento da Selic para os anos seguintes.
O fato da Selic se manter em níveis mais baixos não significa que o real não pode se valorizar. Caso o risco-Brasil alivie, os investidores podem se interessar em investir mais no país, seja diretamente em alguns setores considerados prósperos ou na própria bolsa de valores, elevando a entrada de dólares e valorizando o real.
Ou mesmo no curto prazo, uma simples melhora nas expectativas, originada de novos tratamentos para a pandemia ou o anúncio de uma nova política econômica vista como favorável já são o suficiente para causar valorização do real frente ao dólar.
Tentar prever o câmbio (ou chutar com técnica) é sempre uma tarefa duvidosa devido aos vários condicionantes. Então, os especialistas preferem agir ex post, ou seja, esperam o dia se desenrolar e depois contam a história e dão os porquês. Mesmo assim, algumas previsões são feitas, por exemplo, por motivo de planejamento financeiro.
A última edição do boletim Focus atualizou a estimativa do câmbio para R$ 5,28 no fim de 2020 e exatos R$ 5,00 para o final de 2021. Para o banco suiço UBS, em sua visão mais pessimista, o dólar pode alcançar os R$ 7,35 em 2021!
Diante disso, o que nos resta agora é esperar os próximos acontecimentos e torcer pelo melhor. Uma vacina, um impeachment ou um atentado terrorista, são várias as possibilidades para os tempos que estão por vir.
Quem sabe o que nos aguarda quando ligarmos novamente a TV? As últimas notícias nos mostram que podemos esperar por tudo – inclusive nada.
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REFERÊNCIAS:
- B. J Eichengreen: A globalização do capital: uma história do sistema monetário internacional
- A, A. Neto: Mercado Financeiro
- M. de P. Abreu: A Ordem do Progresso
- C, A. Feijó: Contabilidade Social
- Maurício Metri: A ascensão do dólar e a resistência da libra, uma disputa político-diplomática
- IFI: RAF – Relatório de Acompanhamento Fiscal (09/04/2018) – Nº 15
- Fernando Ribeiro (IPEA): “Década Perdida” das Exportações da Indústria Brasileira: análise de constant market share para o período 2005-2016 – IpeaData: Dívida Pública Total
- Banco Central do Brasil: Boletim Focus (15/05/2020) – Banco Central do Brasil: Ata da 230ª Reunião do COPOM – Banco Central: Calculadora do Cidadão
- IBGE: o que é inflação – Sistema de Contas Nacionais Trimestrais – O que é PIB – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua – PNAD Contínu
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