Aqui no Politize!, já explicamos o que é advocacy. De forma resumida, advocacy é um tipo de ação política, realizada normalmente por organizações da sociedade civil, para engajar e mobilizar a opinião pública em torno de uma causa para influenciar os tomadores de decisão sobre políticas públicas em curso, em elaboração ou em implementação.
Devido à pandemia de COVID-19, as formas de fazer política sofreram mudanças. O Congresso Nacional, por exemplo, precisou se adaptar ao distanciamento social e, desde março, está deliberando remotamente os projetos de lei, ou seja, via videoconferências.
Além disso, de acordo com o Observatório LegisTech, até o dia 15 de julho de 2020, outras 192 casas legislativas brasileiras, entre Assembleias Estaduais e Câmaras Municipais, também haviam instituído seus próprios sistemas de deliberação virtuais.
Com isso, as possibilidades de participação da sociedade civil também mudaram bastante. Vamos aprender um pouco mais sobre como fazer advocacy no Poder Legislativo Federal em tempos de deliberação remota?
O que é a deliberação remota?
Em março, a Câmara dos Deputados e o Senado Federal estabeleceram um Sistema de Deliberação Remota (SDR), para viabilizar o funcionamento dos trabalhos legislativos durante a emergência de saúde pública decorrente do novo coronavírus.
No mesmo mês, a Mesa Diretora da Câmara promulgou a Resolução 14/2020, que altera o Regimento Interno da Casa para instituir o SDR. A Resolução determina que o Sistema só vale para as deliberações do Plenário e que o processo de votação, a totalização dos votos e o registro dos resultados de votação ocorram em sistemas da própria Câmara dos Deputados. A norma também estabelece que as sessões convocadas devem tratar, preferencialmente, de assuntos relacionados à pandemia.
Já no caso do Senado, a deliberação remota foi regulamentada pelo Ato da Comissão Diretora 7/2020. O Sistema exige requisitos de verificação em duas etapas para autenticação dos senadores e permite a gravação da íntegra dos debates e a segurança do resultado das votações.
Tanto na Câmara quanto no Senado, a discussão ocorre por videoconferência, e a votação ocorre por aplicativos desenvolvidos por cada Casa. Como o Sistema de Deliberação Remota só regulamenta o funcionamento virtual do Plenário, o trabalho das comissões permanentes está suspenso até o momento.
O Sistema de Deliberação Remota do Senado já foi reconhecido internacionalmente. Realmente, impressiona a rapidez com que o Parlamento se adaptou às discussões virtuais. Porém, a deliberação dos projetos de lei só em Plenário (sem a tramitação nas Comissões) e a impossibilidade de participação presencial apresentam dificuldades para a inclusão da população nas discussões. Além disso, não há previsibilidade em relação à pauta que será deliberada e os sistemas não possuem canais institucionais para que a sociedade civil participe do debate.
Entenda mais sobre a tramitação de projetos de lei!
Formas de fazer advocacy com a deliberação remota
Normalmente, grande parte do advocacy no Legislativo ocorria nas comissões, por onde os projetos de lei costumam tramitar. Além disso, a visita a gabinetes dos parlamentares era uma estratégia muito adotada para apresentação de ofícios, posicionamentos e materiais técnicos para defender uma causa perante os deputados e senadores.
Porém, com a impossibilidade de contato presencial, as organizações e grupos podem adotar as seguintes ações de advocacy:
Participação no E-democracia
A Câmara dos Deputados possui o Portal E-Democracia que permite a participação dos cidadãos. O portal conta com as seguintes ferramentas que podem ser utilizadas por pessoas e organizações:
- Pauta participativa: permite que as pessoas sugiram as matérias que serão votadas. A experiência ocorreu no final do ano passado para a definição da pauta da Comissão de Trabalho, Administração e Serviço Público.
- Audiências Interativas: permitem que sejam elaboradas perguntas aos convidados de audiências públicas.
- Wikilegis: permite que os cidadãos deem sua opinião sobre propostas legislativas.
Participação no E-Cidadania
O Senado conta com um portal semelhante ao E-Democracia da Câmara. Ele possui três ferramentas:
- Ideia Legislativa: permite a proposição de uma nova lei por cidadãos. Ao receber 20.000 apoios, a ideia se torna uma “Sugestão Legislativa” que será debatida pelos parlamentares na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH).
- Evento Interativo: permite a participação civil nos debates, como sabatinas e audiências, realizados na Casa.
- Consulta Pública: permite que cidadãos e organizações da sociedade civil opinem sobre projetos de lei.
Enquetes sobre os projetos
Tanto a Câmara dos Deputados quanto o Senado Federal permitem que os cidadãos votem em uma enquete, opinando sobre os projetos de lei. Na Câmara, a ferramenta dá cinco opções de voto: concordo totalmente; concordo na maior parte; estou indeciso; discordo na maior parte; discordo totalmente. Já no Senado, é possível votar “sim” ou não” na própria página do projeto de lei.
Campanhas de mobilização para votação nas enquetes são uma estratégia útil para auxiliar os parlamentares a saberem a opinião da população sobre os mais variados temas.
Campanhas nas redes sociais
Uma estratégia de advocacy via redes sociais, que já era bastante utilizada antes mesmo da pandemia, é o uso de e-mails, sites, petições e campanhas nas redes para informar e mobilizar a sociedade para uma determinada causa. A divulgação de abaixo-assinados, hashtags sobre os projetos de lei e mobilização para envio de e-mails aos parlamentares podem ser utilizadas para pressionar os tomadores de decisão.
Ciberadvocacy
O ciberadvocacy utiliza as ferramentas digitais para falar diretamente com cada parlamentar. Em Webinar da Rede RAC, André Lima, do Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS), explicou que a ação é diferente da campanha de mídias sociais para divulgar causas, conhecida como ciberativismo. No ciberadvocacy, as postagens nas redes sociais são feitas direcionadas a um parlamentar específico, levando posicionamentos, propondo audiências públicas e debate, etc. É como se a organização estivesse falando de um para um com cada deputado e senador, assim como ocorria nos corredores do Congresso, antes da pandemia. Twitter, Facebook e Instagram são as ferramentas mais utilizadas, com destaque para a primeira.
A utilização das redes sociais para o monitoramento das publicações e hashtags relacionadas à pauta também pode trazer insumos para mapeamento dos parlamentares contrários e favoráveis a causa de interesse, o que pode direcionar as ações de contato.
Webinars
Com a impossibilidade de realização de encontros presenciais, é importante também que as próprias organizações adaptem seus mecanismos de diálogo. A realização de lives e seminários virtuais são importantes para informar e debater assuntos para incluir a sociedade civil nos temas discutidos no Congresso. A Rede Advocacy Colaborativo (Rede RAC), por exemplo, realizou os WebRAC, uma série de 10 webinars informativos sobre diversos temas.
Envio de posicionamentos e materiais técnicos por e-mail
Nos sites oficiais da Câmara e do Senado há ainda uma página com mais informações sobre cada parlamentar. Ali, é possível ter acesso ao e-mail de cada deputado e senador. Com isso, as organizações e grupos da sociedade civil podem realizar o envio de notas e posicionamentos para os e-mails oficiais dos parlamentares.
Além disso, pelo e-mail ou pelo telefone institucional, também disponível na página de cada parlamentar, é possível solicitar reunião com congressistas relacionados à pauta de interesse para apresentar o posicionamento do grupo.
Limitações
A mudança do meio físico para o meio digital traz algumas limitações para o processo legislativo e a participação da sociedade civil.
De início, houve o total rompimento de ações que eram feitas presencialmente no Congresso, em Brasília, e não foram criados mecanismos virtuais para substituir esse processo. O contato com os parlamentares se tornou mais fácil para as organizações que já possuíam algum tipo de relação anterior com os tomadores de decisão. Porém, sem as visitas presenciais, tornou-se mais difícil o estabelecimento desse contato inicial com as autoridades.
Em relação ao processo legislativo, a tramitação acelerada dos projetos de lei acaba limitando a participação das organizações da sociedade civil e o diálogo do Parlamento com atores externos que são impactados pelas matérias deliberadas. No SDR, não há canais formais para participação da sociedade civil no sistema.
Por fim, a participação da sociedade também fica limitada devido a desigualdades socioeconômicas, e por consequência, digitais. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2018, 1 em cada 4 brasileiros não possuía acesso à internet, o que impede a inclusão de uma parcela considerável da população nas ações por meios digitais.
Conclusão
O advocacy, em tempos de emergência, em que as decisões precisam ser tomadas rapidamente, se torna ainda mais essencial. Por isso, é importante o fortalecimento das organizações da sociedade civil e a utilização de estratégias digitais de mobilização para que o processo legislativo seja mais aberto e transparente.
O que achou do conteúdo? A organização que você participa está adotando outras estratégias de advocacy nesse período de distanciamento social? Conta pra gente nos comentários!
REFERÊNCIAS
Advocacy em tempos de pandemia – Ato da Comissão Diretora do Senado Federal (ADT) 7/2020 – Davi comemora reconhecimento internacional por votação remota – Entrevista: Os impactos da pandemia na agenda legislativa – E-Democracia – Observatório LegisTech – Orientações para Implementação e Operação do Sistema de Deliberação Remota do Senado Federal – Participação e advocacy da sociedade civil em tempos de deliberação remota – Participação e controle sociais nos espaços de deliberação legislativa remota – Relações Governamentais como fator de competitividade – Resolução 14/2020 da Câmara dos Deputados – Riscos e desafios dos sistemas de deliberação remota – Um em cada 4 brasileiros não tem acesso à internet, mostra pesquisa – WebRAC I – Advocacy em tempos de deliberação remota – WebRAC II – Advocacy em tempos de deliberação remota