Luigi Ferrajoli, jurista e professor italiano, foi o grande responsável pela criação da teoria garantista que prevê o respeito as garantias penais e processuais. Neste conteúdo, o Politize! te explica o que é essa teoria, a sua origem e quais os debates acerca do tema.
A origem da teoria garantista
Ao longo dos séculos, o direito penal e as normas incriminadoras foram, via de regra, utilizados pelos detentores do poder para satisfazer interesses unilaterais. Foi somente com Movimento Iluminista – ou o Século das Luzes, como ficou conhecido o século XVIII – que esse pensamento individualista mudou.
Com a defesa dos valores do humanismo e da razão, os intelectuais do século XVIII colocaram o ser humano e a busca pelo conhecimento científico como as fontes das quais deveriam emanar todo o poder e as decisões da sociedade. A partir dessa ideia, então, não haveria mais espaço para monarcas com poderes absolutos e nem mesmo para a crença religiosa como a fonte para justificar estruturas de poder.
E foi a partir desse momento que as sociedades modernas passaram a construir princípios e leis para limitar a atuação estatal, como as Constituições. Assim, a partir desse movimento de criação de leis que representavam um povo, suas vontades coletivas, direitos e deveres, a estruturação do Sistema Garantista ganhou força.
Luigi Ferrajoli, jurista e professor italiano, foi o grande responsável pela criação da teoria. Na obra “Teoria do Garantismo Penal” (1989), o autor, a partir de heranças do Movimento iluminista, levantou um vasto e durável debate sobre a importância da proteção das garantias do cidadão e utilizou o campo penal para demonstrar a tensão existente entre liberdades e poder.
E o que é de fato a teoria garantista?
O garantismo vem do verbo “garantir” e significa assegurar ou tutelar algo. No caso da teoria, o objeto sob o qual recai essa proteção são os direitos da pessoa humana, como: direito à vida, liberdade, igualdade, segurança e propriedade.
Dessa forma, o garantismo pode ser entendido, segundo a teoria de Ferrajoli, como uma corrente jurídica que prega o respeito máximo aos direitos fundamentais e às garantias processuais, a fim de coibir arbitrariedades judiciais e assim, proteger os indivíduos e os réus.
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Assim, a teoria representa um instrumento de proteção dos direitos fundamentais e contra penas arbitrárias, e que busca, ao mesmo tempo, minimizar a violência na sociedade. Deve-se entender aqui que a violência considerada pode ser: a criminal, que se manifesta por meio da prática de crimes em sociedade; a institucional, praticada em instituições prestadoras de serviços públicos como nas delegacias ou no judiciário; e a dos aparatos repressivos, quando instrumentos são criados para conter, deter e punir os indivíduos.
De modo geral, a preocupação de todo o arcabouço garantista é com a contenção da violência, seja a advinda dos particulares, seja a produzida pelo próprio Estado.
Mas por que garantismo penal?
O Estado possui o monopólio do uso legitimo da força. De acordo com tal preceito, ele se tornou a figura que pode restringir legalmente e, em casos de excessos, ameaçar a liberdade dos indivíduos. Dessa forma, uma vez que o âmbito penal é majoritariamente responsável por tais casos de violações de direitos, o garantismo se consolidou como garantismo penal.
A partir disso, o garantismo penal se tornou um importante campo do garantismo comprometido com a necessidade de minimizar a violência exercida pelo poder punitivo do Estado por meio das garantias penais e processuais. Mas o que de fato são as garantias penais e processuais? Por que elas são tão importantes? A gente explica logo abaixo.
Os pressupostos do garantismo penal
Antes de tudo, é preciso entender que no ramo do direito existem alguns requisitos que dão validade aos processos judiciais. Esses requisitos são pressupostos, ou seja, exigências legais que permitem o desenvolvimento processual de acordo com os preceitos legais exigidos.
Como mencionado, o garantismo penal está comprometido em assegurar os direitos dos indivíduos e controlar o poder de punir do Estado. Por esse motivo, ele também possui pressupostos essenciais: as garantias penais e processuais.
As garantias penais são princípios do próprio direito penal que afetam a configuração legal dos delitos e tendem a reduzir a esfera de atuação do Poder Legislativo naquilo que ele pode sancionar como crime e imputar determinada pena. Algumas dessas são:
- taxatividade: isso significa que não basta existir uma lei que defina uma conduta como crime, tal norma incriminadora deve ser clara e compreensível, permitindo aos indivíduos a real consciência acerca da conduta punível;
- materialidade: isso significa que para constar a existência de um delito deve existir elementos físicos que comprovem a ação ou omissão do indivíduo e atestem a lesão;
- legalidade: isso significa que não há crime sem lei anterior que o estabeleça;
- princípio da ultima ratio: isso significa que o direito penal só deve atuar quando os outros meios de resolução dos conflitos falharem.
As garantias processuais afetam a comprovação judicial do fato punível (crime) e procuram reduzir ao máximo o arbítrio de quem deve desempenhar a função de punir. Veja algumas delas:
- presunção de inocência: isso significa que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória;
- contraditoriedade: isso significa que todo acusado terá o direito de resposta contra a acusação que lhe foi feita, utilizando, para tanto, todos os meios de defesa admitidos;
- paridade de armas: isso significa que a igualdade de oportunidades deve ser garantida a ambas as partes em um processo;
- in dubio pro reo: isso significa que, em casos de incerteza quanto à materialidade ou à autoria de um crime, há o benefício da dúvida ao réu ocasionando em sua absolvição;
- ônus da prova: isso significa que a pessoa responsável por uma determinada afirmação é também aquela que deve oferecer as provas necessárias para sustentá-la;
- publicidade: isso significa que os processos são públicos e a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social assim o exigirem;
- juiz natural: isso significa que ninguém será sentenciado senão por autoridade competente, representando a garantia de um órgão julgador técnico e isento, com competência estabelecida na própria Constituição e nas leis de organização judiciária de cada Estado;
- devido processo legal: isso significa que todos possuem o direito a um processo com todas as etapas previstas em lei e todas as garantias constitucionais;
Deve-se destacar que, como Ferrajoli explica em suas obras, esses pressupostos prescrevem o que deve ocorrer, ou seja, enunciam as condições que um sistema penal deve satisfazer. Assim, servem como uma receita a ser seguida pelo Estado para que esse se torne um Estado que preza pelas garantias fundamentais dos indivíduos.
Relação entre o garantismo e o Estado Democrático de Direito
O Estado Democrático de Direito é uma forma de Estado em que a soberania popular é fundamental. Da mesma forma, a separação dos poderes estatais (legislativo, executivo e judiciário) e o respeito aos direitos humanos também são importantíssimos para organização desse Estado. Afinal, o Estado Democrático de Direito é aquele que garante, a partir de um Estado governado democraticamente e atento ao Direito, uma vida digna a todos os cidadãos e cidadãs.
O Garantismo, por sua vez, está intimamente vinculado ao Estado Democrático de Direito. A teoria considera que as Constituições existentes nesse modelo asseguram direitos fundamentais e criam instrumentos que restringem o poder estatal e coíbem arbitrariedades. Isso pode ser visto, por exemplo, no principio da proibição de excessos – uma das bases do Sistema Garantista idealizado por Ferrajoli – o qual prevê que a atuação estatal deve ser limitada, adequada, necessária, proporcional e, dentro dos parâmetros do Estado Democrático de Direito, primar pelo respeito à dignidade da pessoa humana.
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O garantismo no Brasil
No Brasil, o movimento garantista se fortaleceu principalmente na metade da década de 1980 e culminou na criação da Constituição Federal de 1988, conhecida também como Constituição Cidadã.
Os novos marcos teóricos sociais, políticos e jurídicos da época evidenciaram que não poderiam ser aplicáveis dispositivos legais e entendimentos jurisprudenciais que fossem incompatíveis com as garantias fundamentais dispostas em uma Constituição democrática. Com isso, foram fortalecidos entendimentos doutrinários relacionados à necessidade de aplicação da doutrina de garantias no Brasil.
Desde sua importação para o Brasil, a teoria do garantismo penal de Luigi Ferrajoli teve ampla repercussão no sistema de justiça criminal e nas universidades: inúmeros são os debates sobre a extensão do termo garantista e a adequação dessa teoria de origem italiana à realidade brasileira.
Grande parte dos debates sobre o garantismo abraçaram a discussão sobre o sistema carcerário e a função da pena no Brasil. Por esse ponto de vista, entendeu-se que a pena deve ter a função de recuperar o indivíduo infrator e possibilitar seu retorno e reinserção à sociedade. Contudo, por outro lado, as ideias de Ferrajoli também foram interpretadas por alguns grupos de forma pejorativa. Assim, também é frequentemente assimilada como uma teoria favorável à impunidade.
Por fim, como já mencionado, deve-se lembrar que o garantismo penal é uma ideia ideal, ou seja, não se baseia em nenhum ordenamento jurídico preexistente. O próprio Ferrajoli entende o garantismo como um modelo ideal e jamais realizável por completo.
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REFERÊNCIAS
Garantismo penal: Ferrajoli por Ferrajoli, colocando os pingos nos is