Entre os fatores de desigualdade que afetam a participação das mulheres na política está a violência política de gênero. Isso significa que, para além das barreiras históricas para se eleger, quando as mulheres chegam ao poder elas ainda enfrentam muitas dificuldades para manter os cargos conquistados – simplesmente por serem mulheres.
De acordo com o levantamento realizado pela organização Terra de Direitos e Justiça Global, as mulheres representam aproximadamente 13% dos cargos eletivos de todas as esferas políticas do Brasil (municipal, estadual e federal).
A baixa representatividade e participação feminina na política nacional podem ser considerados reflexos das desigualdades entre os gêneros presentes em tantas esferas da sociedade brasileira.
Neste artigo, vamos falar sobre o que é a violência política de gênero e suas consequências no contexto político do Brasil!
O que é violência política de gênero?
A violência política de gênero pode ser definida, segundo o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, como a agressão física, psicológica, econômica, simbólica ou sexual contra a mulher, com a finalidade de impedir ou restringir o acesso e exercício de funções públicas e/ou induzi-la a tomar decisões contrárias à sua vontade.
De acordo com o levantamento realizado pela Terra de Direitos e Justiça Global, a violência política de gênero acontece em maior parte pelos oponentes ou colegas das mulheres por meio de ameaças massivas virtuais.
A pesquisa ainda aponta que “nos casos em que foi possível identificar o sexo do autor da violência, os homens aparecem como autores em 100% dos casos de assassinatos, atentados e agressões e em mais de 90% dos casos de ameaças e ofensas”. (Lauris & Hashizume, 2020: 49)
A violência política de gênero acontece, na maioria dos casos, não em forma de agressão física, mas em ameaças, intimidação psicológica, humilhações e ofensas.
Nesse sentido, é muito importante estabelecer a relação entre a violência de gênero e a violência política de gênero. Nos dois casos, o papel social e historicamente imposto às mulheres é utilizado como forma de ataque ou intimidação.
Isso porque, ao longo da história global, as mulheres foram afastadas da política e esse papel ficou reservado apenas aos homens. Isso leva a “uma dinâmica de não reconhecimento das mulheres como iguais, o que faz com que sua dignidade seja o principal alvo de ataque.” (Lauris & Hashizume, 2020: 52).
A lei 14.192, de 4 de agosto de 2021, dispõe sobre a prevenção, repressão e combate à violência política contra a mulher, nos espaços e atividades relacionados ao exercício de seus direitos políticos e de suas funções públicas.
Veja o que diz o artigo 3º da referida lei e seu parágrafo único:
Art. 3º Considera-se violência política contra a mulher toda ação, conduta ou omissão com a finalidade de impedir, obstaculizar ou restringir os direitos políticos da mulher.
Parágrafo único. Constituem igualmente atos de violência política contra a mulher qualquer distinção, exclusão ou restrição no reconhecimento, gozo ou exercício de seus direitos e de suas liberdades políticas fundamentais, em virtude do sexo.
A pena prevista para quem incorrer no crime de violência política de gênero é de 1 a 4 anos de prisão e multa.
Vamos entender mais sobre os conceitos: violência de gênero e violência política.
O que é violência de gênero?
De modo resumido, a violência de gênero é qualquer tipo de agressão física, psicológica, sexual ou simbólica contra alguém por sua identidade de gênero.
Isso significa que no caso das mulheres a violência por conta do seu gênero é fomentada pelo papel social e cultural atribuído às mulheres, que são historicamente inferiorizadas na sociedade brasileira. Em outras palavras, a desigualdade de gênero, incentivada pela sociedade patriarcal acaba por fomentar a violência de gênero. Isso acontece pois, a partir do momento que existe a convicção de que as mulheres são inferiores e/ou propriedades que devem respeitar os homens acima de tudo, cria-se uma estrutura de poder em que a mulher é o lado mais fraco.
Um exemplo disso é que o sufrágio feminino só foi aprovada em muitos países nas primeiras décadas do século XX. Isso quer dizer que há aproximadamente 100 anos as mulheres não tinham direito de votar na maioria dos países.
A justificativa era baseada no papel histórico atribuído ao gênero feminino, no qual as mulheres eram responsáveis por engravidar, cuidar da casa e fazer tarefas simples do dia a dia. No Estados Unidos, por exemplo, o sufrágio feminino foi permitido em 1920 e no Brasil em 1934.
No contexto brasileiro, a violência contra mulher baseada no gênero é caracterizada como crime pela lei nº 11.340, de Agosto de 2006 ou Lei Maria da Penha como:
“qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial” (Brasil, 2006).
Aqui na Politize!, já existe um texto sobre como a violência se manifesta. Caso você tenha ficado com alguma dúvida ou queira saber mais, vale a pena a leitura.
E a violência política?
O termo violência política é utilizado, segundo o levantamento realizado pelas organizações sociais de direitos humanos Terra de Direitos e Justiça Global, para caracterizar o emprego da violência para
“deslegitimar, causar danos, obter e manter benefícios e vantagens ou violar direitos com fins políticos. A violência constitui-se, assim, em um instrumento que desestabiliza e antagoniza a própria política enquanto experiência legítima e democrática.” (Lauris & Hashizume, 2020:11)
Ainda segundo o mesmo levantamento, a violência política pode ser definida como:
“Atos físicos, de intimidação psicológica e/ou discriminatórios, agressões, disseminação de discursos de ódio e conteúdo ofensivo contra grupos historicamente discriminados, em especial pessoas eleitas, candidatas, pré-candidatas ou designadas para exercer papel de representação pública e/ou política, com o objetivo de suspender, interromper, restringir, ou desestabilizar seu exercício livre e pleno de representação e participação política”. (Lauris & Hashizume, 2020: 22)
Na pesquisa elaborada pela Terra de Direitos e Justiça Global, foram constatadas algumas áreas onde a violência política ainda se sobressai. Dentre elas estão as causas fundamentadas em questões de gênero e orientação sexual.
Em tais casos, a cultura social do heteropatriarcalismo se destaca e acarreta “nos respectivos episódios coletados e destacados, no sentido da escolha de mulheres, gays, lésbicas, bissexuais, trans, etc. como vítimas preferenciais, de múltiplas maneiras, dos atos de violência envolvendo enfrentamentos na esfera política institucional e institucionalizada“. (Lauris & Hashizume, 2020: 22)
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Violência política de gênero: exemplos e situações
A violência política de gênero pode acometer tanto as mulheres candidatas a cargos políticos quanto as que já ocupam estes cargos, eleitas, portanto.
Quando candidatas, a violência política de gênero pode se manifestar através de:
- interrupção frequente de fala em ambientes políticos;
- desqualificação das suas habilidades fazendo com que ela não se sinta capaz para a função;
- desproporcionalidade no repasse do fundo partidário;
- desvio de recursos para as candidaturas masculinas;
- ameaças à candidata, por palavras, gestos ou outros meios;
- difamação da candidata
Uma vez eleitas, a violência aparece quando:
- não recebem indicação para liderar partidos, ser relatoras de projetos importantes ou titulares em comissões;
- são constantemente interrompidas em seus lugares de fala;
- são excluídas de debates;
- são julgadas pela aparência física e forma de vestir;
- são questionadas sobre suas escolhas de vida privada, em seus relacionamentos, sexualidade e maternidade.
Em tempos de mídias sociais aquecidas no debate e contexto político-eleitoral, a violência política de gênero ganha, cada vez mais, espaço no meio virtual, com ataques recorrentes nas mídias sociais das candidatas e eleitas, fake news e deepfakes.
O projeto MonitorA, do Instituto AzMina, junto ao InternetLab, coletou e analisou comentários direcionados a candidatas de todos os espectros políticos para compreender as dinâmicas da violência durante as eleições de 2020. O levantamento mostrou que as candidatas receberam mais de 40 xingamentos por dia no Twitter.
Além disso, foram analisados mais de 90 mil tuítes, que citam 123 candidatas. Destes, 11% foram agressivos em relação às candidatas, com xingamentos, descrédito intelectual e questionamentos aos atributos físicos das mulheres.
Este ano, o MonitorA pretende ir mais a fundo no combate à violência política de gênero analisando o contexto em cada uma das 5 regiões do país. A campanha “Isso tem nome: violência política de gênero” foi criada para que, por meio de um financiamento coletivo, o MonitorA, em 2022, possa ser novamente viabilizado.
Mulheres na política: um contexto histórico
Para compreender a relação entre a política e a discriminação de gênero, nós precisamos entender antes um pouco sobre o conceito de representação descritiva e sua aplicabilidade no contexto brasileiro.
A democracia brasileira é uma democracia representativa. Sendo assim, o cidadão escolhe, por meio do voto, determinado candidato para representar seus valores, ideias e crenças. Por mais plural que a sociedade seja, nem todos os grupos sociais são de fato representados na política formal. Entre os grupos excluídos e marginalizados do contexto político estão, por exemplo, as mulheres, a população LGBTQIA+ e os negros, que representam as minorias políticas.
Vale ressaltar que nesse caso, minoria não significa, necessariamente, uma minoria numérica. O sentido de minoria usado aqui é sociológico. Em outras palavras, diz respeito a um grupo que é alvo de discriminação. Inclusive, numericamente, as mulheres são maioria na sociedade e representam 52% do eleitorado brasileiro.
Nesse sentido, a não representação de alguns grupos na política é reflexo de um preconceito enraizado na sociedade brasileira. É por esse motivo, por exemplo, que durante as campanhas eleitorais existe um forte apelo para que a sociedade vote em mulheres, candidatas negras, transsexuais, por diversos movimentos sociais.
Isso acontece para que, no fim do período eleitoral, haja mais representatividade para esses grupos, ou seja, mais representantes da pluralidade social eleitos.
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Tomando como base o conceito de representação descritiva de Hanna Pitkin (1967), os políticos eleitos deveriam ser um espelho da sociedade, mas não é o que acontece no Brasil. Segundo o IBGE, 51.8% da população brasileira é composta por mulheres, ou seja, as mulheres eleitas para cargos eletivos deveriam seguir essa mesma proporção.
Entretanto, na atual composição das casas legislativas do Brasil, a realidade mostra uma sub-representação na quantidade de mulheres eleitas. Na Câmara dos Deputados, por exemplo, em 2021 15.2% dos deputados federais são mulheres, segundo o Inter-Parliamentary Union.
Como já mencionamos, no caso específico das mulheres, a discriminação acontece porque elas são vistas de maneira inferiorizada em relação aos homens. Para além dos preconceitos oriundos de outras esferas da vida em sociedade, o âmbito político possui seu próprio imaginário.
Assim, por construção histórica, a atividade política é atribuída ao homem, já que ele seria o mais capaz de tomar decisões pela razão, enquanto a mulher é vista como emotiva, fraca e sensível, não tendo capacidade ou eficiência nos assuntos burocráticos.
Curiosamente, um contraponto em relação a isso é que as mulheres, em média, produzem a aprovam mais projetos de lei do que homens, como mostra o levantamento realizado pelo Instituto Vamos Juntas, no qual foi analisada a atuação parlamentar, de homens e mulheres, entre os anos de 2015 e 2020.
Vem debater mais sobre machismo estrutural e representatividade!
Mulheres na política: números e desempenho
De modo a tentar sanar o problema da baixa representatividade, as ações afirmativas, como as cotas, foram criadas. No Brasil, a Lei das Eleições de 2009, por exemplo, estipula que as candidaturas femininas devem representar, pelo menos, 30% do total de candidatos em um partido político.
Além disso, os partidos políticos devem reservar, no mínimo, 30% dos recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha, conhecido como Fundo Eleitoral, para financiar as campanhas de candidatas no período eleitoral. O mesmo percentual deve ser destinado à propaganda eleitoral das mulheres.
Com os avanços na legislação, a participação e representatividade feminina na política brasileira tem sido mais efetiva.
Em 2020, mais mulheres foram para o segundo turno (53) em relação às eleições de 2016 (31). Apesar de 900 municípios não terem tido sequer uma vereadora eleita no pleito de 2020. (CÂMARA, 2021).
Os partidos políticos que mais elegeram mulheres, segundo dados do TSE, foram:
- MDB
- PP
- PSD
- PSDB
- DEM
- PL
- PT
- PDT
- PSB
- PTB
- Republicanos
- PSC
- Cidadania
- Solidariedade
- Podemos
- PSL
- Avante
- PV
- PCdoB
- Pros
- Patriota
- PSOL
- PRTB
- PTC
- PMN
- Rede
- DC
- Novo
- PMB
Canais para denúncia da violência política de gênero
Para denunciar casos de violência de gênero, o canal mais conhecido é a Central de Atendimento à Mulher, por meio do 180. A ligação é gratuita, o serviço funciona 24 por dia, todos os dias da semana, e atende todo o território nacional, além de outros 16 países.
O número do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos (MMFDH) possui ainda um número no WhatsApp: (61) 99656-5008. Também podem ser feitas denúncias por meio do aplicativo Direitos Humanos BR e pelo site da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos.
Porém, quando se trata especificamente de violência política de gênero, as denúncias podem ser feitas no Ministério Público Eleitoral de cada estado. O Fale Conosco da Câmara dos Deputados também é um canal de atendimento eletrônico.
Além destes, a Secretaria da Mulher da Câmara dos Deputados também recebe todo tipo de denúncia em relação à violência de gênero. O número da Secretaria é o (61) 3215-8800.
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REFERÊNCIAS
Câmara – Violência política de gênero, a maior vítima é a democracia.
Instituto Vamos Juntas – Política é coisa de mulher, sim, e temos provas.
Jus Brasil: violência baseada no gênero
Pitkin, H. F. (1967). The concept of representation. London: University of California Press.
Terra de Direitos: violência política
MDH: mais mulheres na política
Lauris, É., & Hashizume, M. (2020). Violência Política e Eleitoral no Brasil: panorama das violações de direitos humanos de 2016 a 2020. Curitiba: Terra de Direitos e Justiça Global.
UOL: Isa Penna denúncia deputado
Séguin, Elida. Minorias e grupos vulneráveis: uma abordagem jurídica. Rio de Janeiro: Forense, 2002.