Se tem uma habilidade que é essencial para qualquer momento da vida é a comunicação não-violenta. Não importa o lugar que você esteja ou o lugar de onde você veio, você vai precisar dela. A boa notícia é que a comunicação não-violenta é uma habilidade que pode ser aprendida por qualquer pessoa.
Mas afinal, o que é essa tal de comunicação não-violenta?
A comunicação não-violenta ou a sua abreviação, CNV, pode ser entendida como um processo que estabelece uma conexão consciente através da empatia e compaixão entre os interlocutores. Vejamos um pouco mais sobre isso neste conteúdo.
Como surgiu a comunicação não-violenta (CNV)?
O norte-americano Marshall Rosenberg (1934-2015), psicólogo e autor da abordagem CNV, desenvolveu a habilidade da Comunicação Não-Violenta inspirado nas ações de grandes líderes como Martin Luther King Jr e Gandhi, ou seja, observando a utilização da resistência não-violenta como prática de transformação daquelas realidades violentas.
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A sua preocupação com a postura defensiva e as reações por meio da violência começaram ainda na sua infância, em 1943, quando presenciou experiências negativas na escola por ser judeu e pelo contexto social da época com os conflitos raciais nos Estados Unidos.
Já na década de 1960, Marshall dedicou a carreira acadêmica ao estudo do comportamento humano violento em diversos contextos sociais. O objetivo dele com isso era o de construir uma cultura da paz e um mundo mais justo. Desde então, a CNV vem contribuindo e sendo utilizada nas organizações não-governamentais, mediação de conflitos, justiça restaurativa, escolas, empresas, etc.
A CNV está presente em mais de 65 países, colaborando para o desenvolvimento e fortalecimento da consciência humana.
Entendendo a comunicação não-violenta (CNV)
A comunicação não-violenta (CNV) representa habilidades de comunicação verbal (escrita ou falada) e não verbal (gestos, expressões faciais ou corporais, imagens ou códigos) que buscam criar compaixão e empatia para fortalecer as conexões humanas.
Ela ajuda a identificar em nosso comportamento do dia a dia aquele sentimento e necessidade que não foram atendidos em uma determinada situação.
Quando utilizamos a habilidade fazemos uma reformulação ao falar e ouvir o outro. Em vez de responder inconscientemente e imediatamente, ouvimos com atenção e pensamos no sentido e desejo manifestado por trás daquela ação humana. Dessa forma, conseguimos nos expressar de forma clara, empática, honesta e respeitosa.
O exercício da comunicação não-violenta permite ao interlocutor enxergar o mundo a partir da perspectiva da outra pessoa e entender possíveis razões para suas atitudes.
É importante esclarecer que a essência da CNV está na consciência de quatro processos – observação, sentimento, necessidade e pedido – e não nas palavras que são trocadas diretamente no diálogo pelos interlocutores.
Como funciona o ciclo da comunicação não-violenta (CNV)?
Ao usar o ciclo da CNV é preciso seguir os quatro passos:
1. Observação (Ouvir)
O primeiro processo da CNV é a observação. Aqui deve ser levado em conta o contexto em que a situação está acontecendo. A CNV busca a consciência do indivíduo de separar a observação da avaliação. Aumentando a possibilidade de que o outro ouça a mensagem que realmente deseja ser transmitida.
2. Sentimento (Indagar)
O segundo processo da CNV é o sentimento, o maior desafio é ter consciência da emoção que é transmitida naquele momento. É preciso se permitir olhar de forma clara e assertiva todos nossos sentimentos. Trocar “o que eu acho” por “como eu me sinto realmente”.
3. Necessidade (compreender)
A necessidade está ligada ao sentimento. Por trás de todo sentimento existe uma necessidade e por trás de toda necessidade existe um sentimento. Quando alguém expressa suas necessidades com consciência, as chances delas serem atendidas aumentam.
4. Pedido (argumentar)
Após manifestar o que estamos observando, é preciso fazer o pedido. É essencial expressar o que estamos pedindo de forma clara, positiva, consciente, assim garantindo que a mensagem enviada é a mesma recebida.
Dessa forma, se você não tiver certeza que seu pedido foi atendido, reformule o pedido para saber se foi compreendido. Se ainda tem dúvida, peça ao receptor da mensagem para repetir o que entendeu.
Quando outra pessoa não atende o pedido, a pessoa pode perceber a mensagem como uma exigência. Portanto, o pedido deve ser objetivo e bem definido com base na empatia.
O que não é a comunicação não-violenta
1. Fazer comparações
A comparação cria os julgamentos moralizadores. Quando comparamos alguém, estamos criando estereótipos e generalizações superficiais que acabam distorcendo a realidade e gerando sentimentos negativos.
2. Julgamentos moralizadores x juízo de valor
É comum as pessoas associarem o termo julgamentos moralizadores e juízo de valor. O juízo de valor é um conjunto particular de valores determinado pela experiência ou vivência da pessoa, ou seja, que fazemos sobre as qualidades que admiramos na vida. Já os julgamentos moralizadores, fazemos sobre comportamentos que não estão de acordo com o correto, com critérios fundamentados no medo, raiva e necessidade.
A maior parte das pessoas cresceram usando uma comunicação moralizadora influenciadas por visões do rótulo e fazendo comparações. Por exemplo: a necessidade de utilizar termos para controlar o ambiente desejável, decidir o que é errado, imperfeito, incorreto. Quanto mais as pessoas utilizam julgamentos moralizadores, mais estão ensinando comportamentos que bloqueiam sentimentos de necessidades, de pedidos e compreensão.
3. Negação da responsabilidade
Estimular a consciência sobre nossos sentimentos e necessidades é um processo fundamental quando utilizamos a CNV. Cria-se, assim, um senso de responsabilidade daquilo que você recebe ou transmite. Focando em nossos próprios sentimentos e necessidades, conseguimos identificar quais deles precisamos dar uma atenção maior.
A lista de necessidades e sentimentos
Construir o vocabulário de palavras de emoções é muito importante para se conectar consigo mesmo.
Você pode ver a seguir a lista de vocabulários de atendimento e não atendimento de acordo com a comunicação verbal dos sentimentos. Ajudando a identificar de forma clara as emoções que você está sentindo.
Quando as necessidades estão atendidas:
- Calmo;
- Relaxado;
- Conectado;
- Descansado;
- Renovado;
- Contente;
- Feliz;
- Alegre;
- Animado;
- Esperançoso;
- Inspirado;
- Energizado;
- Alerta;
- Disposto;
- Grato;
- Empoderado;
- Motivado;
- Concentrado;
- Curioso;
- Interessado;
- Bem-humorado;
- Amoroso;
- Centrado;
- Seguro;
- Aliviado;
- Otimista;
- Satisfeito;
- Pleno.
Quando as necessidades não estão atendidas:
- Com raiva;
- Furioso;
- Aborrecido;
- Exausto;
- Estafado;
- Deprimido;
- Triste;
- Sozinho;
- Desencorajado;
- Desanimado;
- Desesperançoso;
- Irritado;
- Receoso;
- Desconfortável;
- Chateado;
- Agitado;
- Frustrado;
- Desconcentrado;
- Surpreso;
- Tenso;
- Com medo;
- Preocupado;
- Pessimista;
- Cansado;
- Fragilizado;
- Envergonhado;
- Confuso;
- Ansioso.
Essa lista foi retirada, compilada e revisada pelo Instituto CNV Brasil, das listas de diferentes autores da CNV, incluindo Marshall Rosenberg.
Exemplos para prática da comunicação não-violenta (CNV)
Primeiro, observe o que está acontecendo no contexto que você está inserido sem fazer julgamentos; procure identificar atitudes ou gestos que te agradem ou não naquela situação.
Segundo, tente compreender o sentimento que você está tendo, se é de alegria, tristeza, raiva, mágoa, etc.
Terceiro, identifique a necessidade por trás daquele sentimento.
Por fim, expresse de forma clara o seu pedido.
Exemplo 1
Imagine uma conversa entre um casal.
“Nas últimas 2 vezes em que conversamos sobre não deixar a toalha em cima da cama, vi que você se alterou e me pareceu um pouco irritado (observação) e isto me deixa chateada (sentimento), porque estou me sentido cansada (necessidade), ficaria feliz se você estendesse a toalha no varal, se possível ao sol (pedido).”
Exemplo 2
Uma mãe em conversa com o filho pequeno.
“Enzo, quando eu vejo seus brinquedos espalhados pela casa (observação), fico furiosa com essa situação (sentimento), porque preciso de espaço organizado para andar (necessidade). Você poderia guardar seus brinquedos depois de brincar, isso ajudaria a evitar acidentes (pedido).”
Exemplo 3
Uma conversa em família.
“Sempre que falamos sobre política no almoço de domingo, vejo que você se altera e me parece bravo (observação). Isso me deixa receoso e triste (sentimento), porque eu acredito que poderíamos conversar sobre política trazendo os nossos pontos de vista, mesmo que eles sejam contrários (necessidade). Gostaria de entender seu posicionamento e que você me escutasse (pedido).”
Referências:
- CASELATO, Sandra. A comunicação não-violenta e seu criador. ECOA UOL. 11 de fevereiro de 2020. disponível em: https://sandracaselato.blogosfera.uol.com.br/2020/02/11/a-comunicacao-nao-violenta-e-seu-criador/
- Comunicação Não- Violenta (CNV): O que é como praticar, Instituto CNV Brasil disponível em : https://www.institutocnvb.com.br/single-post/comunica%C3%A7%C3%A3o-n%C3%A3o-violenta-cnv-o-que-%C3%A9-e-como-praticar
- Lista de necessidades e sentimentos disponível em: http://798f851.contato.site/lista-sentimentos-necessidades
- POLITIZE! (Brasil, Santa Catarina. Florianópolis). Programa Embaixadores Politize! 2021. Aula 2: comunicação não-violenta(cnv). Florianópolis: Politize!, 2021. 70 slides
- ROSENBERG, Marshall B., Comunicação Não-Violenta: Técnicas para Aprimorar Relacionamentos Pessoais e Profissionais. Editora Ágora, 1ª edição, 2006.
1 comentário em “Comunicação Não Violenta (CNV): o que é?”
Excelente texto para compreender o conceito e o objetivo da comunicação não violenta, além de que nos mostra na prática como ela se configura e como podemos agir para adotarmos um comportamento empático e eficaz.