O Brasil é marcado por intensos conflitos de terra – entre os quais pode-se considerar invasões a terras indígenas, violências agrárias – assim como por uma grande quantidade de moradores rurais sem terra. O país, inclusive, tem um histórico de liderança em mortes por conflitos de terra.
Para além disso, o Brasil é um país desigual em termos de distribuição fundiária. De acordo com o Censo Agropecuário, em 2017, o país registrou 0,867 pontos, patamar mais elevado em relação aos dados verificados nas pesquisas anteriores: 0,854 (2006), 0,856 (1995-1996) e 0,857 (1985). Esses números aproximam-se muito de 1 e, segundo a escala, quanto mais próximo de 1, maior é o nível de desigualdade – e, neste caso, maior é a concentração de terra.
A concentração fundiária e a expansão desestruturada das fronteiras agrícolas no Brasil foram elementos que impulsionaram a criação do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, o INCRA. Mas quais são as atribuições do INCRA e como ele se relaciona com o que acaba de ser exposto? Neste conteúdo, a gente te explica tudo isso!
Qual é o contexto agrário no Brasil?
Primeiro, para entendermos a atuação do INCRA devemos olhar para o cenário agrário no Brasil, que, como mencionamos, é marcado por conflitos ambientais, sociais e econômicos e denuncia uma estrutura fundiária bastante desigual.
Conforme visto no tópico anterior, a concentração fundiária no Brasil apresentou os seguintes valores: em 2017, o país registrou 0,867 pontos, em 2006, 0,854 pontos, em 1995/1996, 0,856 pontos e, em 1985, 0,857 pontos. Esses dados do Censo mostram que o alto grau de concentração permaneceu praticamente inalterado entre 1985 e 2006.
Além das informações retiradas do Censo Agropecuário realizado de 2017 e outras pesquisas realizadas pelo Instituto, que apontam o alto nível de concentração fundiária, um outro dado que ilustra bem esse cenário vem de um estudo realizado pela Oxfam.
Ao analisar a distribuição de terras, o estudo aponta que a América Latina lidera o ranking de desigualdade no campo, e mostra que, no Brasil, em específico, 1% das propriedades rurais é dona de 45% da área rural. Isso mostra, novamente, que há uma grande porção de terra localizada na mãos de poucos.
Então, o que é o INCRA?
O INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – foi criado dia 9 de julho de 1970, durante a ditadura militar. À época, os conflitos de terra vinham se agravando e o governo viu neste projeto a possibilidade de neutralizá-los, ao mesmo tempo em que promoveria a ocupação da região Amazônica.
Assim, a criação do Instituto, que é uma autarquia federal – isto é, possui autonomia administrativa para desenvolver suas atividades -, esteve relacionada à intenção de colonização da Amazônia e também à contenção de conflitos agrários. Com o passar do tempo, dando ênfase ao processo de redemocratização, o objetivo de colonização foi sendo substituído pela proposta de reforma agrária.
E quais as atribuições do INCRA?
Pensando no norteador central do Instituto, a reforma agrária, podemos dizer que o objetivo do Instituto passa a ter como foco, basicamente, o fornecimento de pedaços de terra para algumas pessoas/famílias que antes não os possuíam. Mas de onde vêm essas terras e para quem elas são destinadas?
Em primeiro lugar, é preciso tomar nota de que todo imóvel rural deve cumprir uma função social, prevista no Artigo 5 da Constituição Federal (Inciso XXIII), isto é, ele deve, ao mesmo tempo, atender às necessidades do proprietário e da sociedade em que ele se insere. O não cumprimento desta função resultará, portanto, conforme a lei, numa desapropriação desta terra, que, por sua vez, passará a pertencer ao próprio INCRA.
A partir deste momento, o pedaço de terra em questão será transformado num assentamento que, em seguida, será entregue a uma família ou a um trabalhador(a) do meio rural sem condições econômicas para adquirir e manter um imóvel rural – vale ressaltar que os trabalhadores pagam pela terra recebida. E é aí que entra o papel do INCRA!
O Instituto é responsável pela formulação e execução da política fundiária nacional, ou seja, sua função é executar a reforma agrária e realizar o ordenamento fundiário nacional. Dentre suas atribuições está a realização de projetos de colonização em áreas de conflitos e a criação de projetos de assentamentos no Brasil.
Conheça aqui as Diretrizes estratégicas de implementação da reforma agrária.
No entanto, essa não é a única função que o INCRA exerce. Além disso, o Instituto:
- fornece orientação aos assentados no manejo da terra e na produção de alimentos de qualidade;
- fornece assistência técnica a fim de auxiliar no desenvolvimento de sistemas agroecológicos;
- possibilita que as famílias envolvidas tenham a oportunidade de vender os alimentos que produzem por meio do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), alimentos esses que também são comercializados e oferecidos à rede pública de ensino pelo Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE);
- oferece a escolarização formal a jovens e adultos por meio do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera) – responsável pela educação básica em áreas de reforma agrária, que, no entanto, foi extinguido pelo governo Bolsonaro no ano de 2020, impactando de forma significativa a educação dessa população;
- realiza a regularização fundiária das áreas ocupadas por pescadores, ribeirinhos e outros povos tradicionais.
Essas atuações do INCRA, citadas no parágrafo anterior, garantem uma rede de auxílio aos assentados e estabelecem comunicações entre a produção realizada nos assentamentos e os outros membros da sociedade, desenvolvendo uma sustentabilidade ambiental e social e, assim, agem também no âmbito da educação (ênfase no Pronera, citado anteriormente), da sociabilidade, da cultura etc.
Qual a relação do INCRA com o MST?
Apesar da existência do INCRA, o Movimento dos Sem Terra (MST) ainda se mobiliza para reivindicar a reforma agrária no território nacional. O Movimento foi criado em 1984, também durante o período da ditadura militar, e seu objetivo central é justamente a luta por reforma agrária.
Nesse sentido, o MST exerce pressão sobre o INCRA para que a desapropriação de terras irregulares ocorra de forma mais rápida. Isso pois a demora em fazê-lo resulta na situação de ocupações e acampamentos irregulares, em casos que os trabalhadores ainda se encontram à espera pelo reconhecimento da terra em questão como um assentamento.
Além disso, o MST também defende a reforma agrária de uma forma mais ampla, ou seja, como uma redistribuição de terras de uma forma geral, uma reorganização do espaço agrário.
Diferentemente daquilo que propõe o INCRA, que centra sua ação na redistribuição de terras que se encontram em situações irregulares, o MST pretende ampliar a execução da reforma agrária de forma que ela considere todas as grandes propriedades, e não apenas as que estão em situação irregular. Afinal, para o Movimento, o alto grau de concentração de terra, que gera uma estrutura fundiária desigual, é resultado uma situação que vai além das propriedades que estão em situação irregular perante à lei, como foi explorado nos parágrafos anteriores.
INCRA x FUNAI x IBAMA
A FUNAI (Fundação Nacional do Índio) é um órgão indigenista criado em 1967 com o objetivo de proteger e garantir os direitos dos povos indígenas no Brasil. Dentre as suas diversas atribuições, estão a identificação e delimitação, demarcação, regularização fundiária e registro das terras tradicionalmente ocupadas pelos povos indígenas, além de monitorar e fiscalizar as terras indígenas¨, segundo o site da FUNAI.
Assim, no que diz respeito à questão fundiária, a FUNAI seria responsável por executar ações que dizem respeito às terras que pertencem aos povos indígenas especificamente, diferente do objetivo originalmente atribuído ao INCRA, cujo foco é centrado nas famílias de agricultores e nos trabalhadores rurais sem condições financeiras para adquirir imóveis na região.
No entanto, em 2019, a tarefa de demarcar terras indígenas foi transferida da FUNAI para o INCRA – que, por sua vez, tornou-se subordinado ao Ministério da Agricultura -, essa mudança foi feita sob a justificativa de que procurava-se diminuir a quantidade de ministérios.
Vale dizer que essa decisão foi questionada, pois esse Ministério atende aos interesses dos representantes do agronegócio que, por sua vez, são contra a ideia de reforma agrária. O Subordinar a demarcação de terras indígenas e quilombolas e a proposta de reforma agrária a um ministério cujas funções atendem aos interesses de proprietários de terra – responsáveis pelo agronegócio – pode fazer com que surja ou seja agravado um conflito de interesses entre os grupos contemplados, abrindo margem para a o desaparecimento ou diminuição na atuação do INCRA/FUNAI.
Apesar disso, a FUNAI ainda mantém outras competências que a distinguem do INCRA, como, por exemplo, promover políticas voltadas às populações indígenas que visam à educação, seguridade, garantia de direitos, mitigar impactos decorrentes da interferência externa às suas terras, entre outros.
Já o IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais), que também é um órgão federal, tem como principal objetivo preservar o meio ambiente e assegurar o uso sustentável de seus recursos naturais.
Assim, embora também trate de assuntos relacionados à questão agrária, novamente, o seu foco não é o mesmo que o do INCRA, como vimos nos parágrafos anteriores. Inclusive, esses dois órgãos tanto se diferenciam que suas atuações acabam, por vezes, conflitando; isso acontece geralmente quando o INCRA concede um assentamento localizado numa área de proteção ambiental. Nesses casos, o IBAMA pode vir a multar o outro órgão, exigindo a retirada do assentamento daquela região.
REFERÊNCIAS