Você já ouviu em algum momento da vida a expressão “fulano é 1.7.1”? Bom, certamente nessa ocasião você atribuiu efeito negativo a esta comparação, que nos remete a uma pessoa perigosa, de má índole, não confiável. O que entanto você provavelmente não sabia, é que a origem desta expressão é justamente o crime de Estelionato.
Pois é, a conhecida expressão popular vem justamente do tema que abordaremos abaixo, o Estelionato. Ficou curioso para saber a ligação entre o ditado popular e este crime? Segue lendo que a Politize! irá te explicar!
O que é o Estelionato?
O estelionato, como já mencionado anteriormente é um crime, crime este que está previsto no art. 171 do Código Penal Brasileiro, daí justamente vem a máxima popular do “fulano é 1.7.1”, na intenção de ligar determinada pessoa com a prática do crime, mas que pelo uso comum, acabou se tornando também uma forma de se referir a qualquer pessoa delituosa.
O delito de estelionato consiste basicamente no ganho de vantagem ilícita em razão de prejuízo alheio, mediante uma fraude, e é justamente isto que o Código Penal descreve na conduta criminosa ao tipificá-la, vejamos:
Observação: tipificar é ato do Legislador (quem faz a lei) em tornar uma conduta humana crime, qual seja ela.
Art. 171 – Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento.
Inicialmente podemos observar que no referido artigo do Código Penal não foi colocado nenhuma qualidade especial para que se possa praticar o crime ou para que se tenha o crime praticado em seu desfavor, desta forma qualquer pessoa pode ser um estelionatário ou ser vítima deste.
Para entendermos melhor as características do crime, iremos fracionar o tipo penal (a conduta descrita como crime) e destrinchá-los abaixo:
Observemos a primeira parte do delito:
“Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita”
Nesse primeiro caso, fica claro que para a configuração do crime de estelionato é necessário que o agente (autor do crime) obtenha ou pelo menos possua a intenção de obter (no caso de tentativa) vantagem ilícita na sua conduta. Também cuidou o legislador ao dizer que pouca importa se a vantagem é para a própria pessoa do autor ou para outra (pode ser para um parente ou amigo por exemplo).
No conceito de vantagem ilícita, devemos nos lembrar que o art. 171 está alocado no Título II do Código Penal, que trata justamente dos crimes contra o patrimônio. Desta forma, é imprescindível que a vantagem seja de cunho patrimonial (financeiro), e que esta seja ilícita, não pode ser oriunda de outro direito.
Um exemplo: digamos que você emprestou a um amigo a quantia de R$ 100,00 (cem reais), caso venha a utilizar-se de fraude para obter novamente este valor, não estaremos falando de estelionato, pois embora a conduta possa recair em outro delito, a depender do caso podemos citar exercício arbitrário das próprias razões, a vantagem não é ilícita, de fato você possuía direito ao dinheiro, entretanto, equivocou-se no meio de obtê-lo.
Sabendo então que é necessário a obtenção de vantagem (ganho financeiro), de origem ilícita (não oriunda de qualquer direito), para si ou para outrem, sigamos para a próxima parte!
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Prejuízo alheio
Embora a terminologia seja um pouco autoexplicativa, é bom frisarmos a necessidade de prejuízo alheio na conduta praticada, prejuízo este que deve observar a mesma regra da vantagem, deve ser patrimonial (financeiro). Podemos concluir portanto ser indispensável para o crime de estelionato que alguém tenha o seu patrimônio atingido sem que haja algum tipo de contrapartida.
O último trecho a ser inicialmente explorado é o que demandará mais atenção, por ser este o núcleo central do crime de estelionato, afinal podemos observar que em diversos outros crimes também ocorre a obtenção de vantagem ilícita em decorrência de prejuízo alheio, são diversos: furto, roubo, basicamente todos os crimes contra o patrimônio. Mas o que difere o estelionato então?
Vamos lá:
“induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento”
Podemos resumir de forma simplória todo o escrito acima exposto em duas palavras: erro e fraude.
Aqui temos a “cereja do bolo” do crime de estelionato, isto pois, é a partir da verificação da presença de erro mediante fraude que saberemos se estamos diante de estelionato ou de algum outro tipo de conduta delituosa.
Começando então por “induzindo ou mantendo alguém em erro”: cumpre informar que erro na concepção jurídica do termo equivale a falsa percepção da realidade, ou seja, o crime vai ser embasado na enganação de alguém, fazendo com que a pessoa pense estar fazendo algo, quando na realidade faz outra, ou situação semelhante.
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Fraude
Por fim temos o meio pelo qual o crime se dará, que em sentido amplo podemos entender como fraude. Vejamos que o legislador estendeu os termos para “mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento”, mas bastasse que colocasse mediante fraude que o recado estaria dado.
Isto pois podemos entender artifício como aquela fraude materialmente visível (uma falsidade de documento por exemplo), ardil por si tem a ideia de malícia, maldade, e por fim, para não restringir o crime a somente estas hipóteses, a lei também qualifica as demais fraudes suficientes para configuração do crime.
A fraude é o meio da enganação, confunde aquele que se é vítima, causando um falso sentimento de segurança e certamente é a principal característica do crime de Estelionato.
Dos exemplos mais comuns de estelionato temos o golpe do bilhete premiado, golpe do falso emprego e até mesmo os casos em que a pessoa vende a outrem coisa que não lhe pertence, utilizando-se de documento falso para comprovar a propriedade, fazendo com que o comprador recaia em prejuízo patrimonial.
Naturalmente, depois de tudo que já expusemos, algumas questões surgem, dentre elas certamente você se questionou…
Mas qual a pena para quem comete o crime de estelionato?
A pena aplicada para o crime de estelionato vem logo após a redação do caput (cabeça do artigo):
Pena – reclusão, de um a cinco anos, e multa, de quinhentos mil réis a dez contos de réis.
Desta forma, aquele que comprovadamente cometeu o crime de estelionato estará sujeito a uma pena de reclusão, que variará de um a cinco anos, a ser calculada pelo juiz no ato da sentença, a depender de inúmeros fatores como antecedentes, motivos do crime, consequências e etc.
Além da pena de reclusão o autor também estará sujeito a multa de quinhentos mil a dez contos de réis, que será devidamente convertida para a moeda atual e aplicada pelo juiz também no ato da sentença.
Seguindo para o §1º do mesmo artigo, vejamos o que nos diz:
§ 1º – Se o criminoso é primário, e é de pequeno valor o prejuízo, o juiz pode aplicar a pena conforme o disposto no art. 155, § 2º.
Aqui temos o que os operadores do Direito chamam de Estelionato privilegiado, privilegiado por que é mais brando, mais ameno, nessa hipótese o Legislador decidiu que a pena aplicada será mais fraca, mas apenas poderá ser concedido mediante algumas condições. Essas condições são obrigatórias, ou seja, só poderá ser concedido a diminuição da pena se presentes, e se presentes, deverão ser obrigatoriamente concedidas.
Ressaltando-se que as condições são cumulativas, tanto a habitualidade no crime (réu não primário) quanto prejuízo de valor significante afastam imediatamente a aplicabilidade do estelionato privilegiado.
Verificada as hipóteses de classificação do estelionato privilegiado, por força de lei, aplicar-se-á o disposto no art. 155, §2º, vejamos:
§ 2º – Se o criminoso é primário, e é de pequeno valor a coisa furtada, o juiz pode substituir a pena de reclusão pela de detenção, diminuí-la de um a dois terços, ou aplicar somente a pena de multa.
Desta forma, a depender do caso concreto o réu poderá ter a pena de reclusão substituída pela de detenção, o que impacta diretamente no regime do cumprimento da pena (fechado, semiaberto e aberto), a diminuição da própria pena, de um a dois terços, a depender do caso concreto, ou ser sujeito apenas a pena de multa (casos menos graves). Em todas as hipóteses, quem decidirá fundamentadamente será o magistrado.
Já o parágrafo 2º do mesmo diploma diz o seguinte: “Nas mesmas penas incorre quem:”
Ou seja, a lei trará mais algumas situações que ela pretende esclarecer, se acontecer algum desses casos, não fiquem em dúvida, será estelionato. São eles:
Casos de estelionato
- Disposição de coisa alheia como própria:
O primeiro caso é justamente aquilo que abordamos em nossos exemplos acima, o estelionatário vende ou dispõe de coisa alheia (de outra pessoa) como se sua fosse, para que receba por ela algum tipo de vantagem.
- Alienação ou oneração fraudulenta de coisa própria:
A segunda hipótese é um pouco diferente, nesse caso o estelionatário não dispõe de coisa alheia, o bem é próprio, de fato pertence ao estelionatário, mas por algum motivo o bem não está livre para ser disposto, seja por alienação, seja por algum tipo de ônus ou seja por que havia prometido vender bem imóvel a terceiro mediante prestações, e em qualquer dessas hipóteses ele não comunica ao comprador sobre a verdadeira situação do bem, de forma a enganá-lo,
- Defraudação de penhor:
Esse caso talvez seja um pouco menos usual, mas não é difícil de entendê-lo, vamos lá: configura-se esta hipótese de estelionato quando o detentor da posse de bem que está como garantia de algum modo, seja por alienação ou não, defraude este bem. De forma que estará prejudicando o penhor a qual detinha posse.
- Fraude na entrega de coisa:
Nesse caso, o estelionatário na qualidade de entregador pratica a conduta delituosa fraudando a coisa que devia entregar a outra pessoa, não importando se a fraude acontece na própria substância do bem, na sua qualidade ou quantidade.
- Fraude para recebimento de indenização ou valor de seguro:
Aqui temos a famosa fraude contra o seguro, onde o agente destrói coisa própria (carro, por exemplo) ou lesa a si mesmo (acidente provocado) visando a obtenção de indenização ou verbas de seguro.
Fraude no pagamento por meio de cheque:
Já nesse caso, temos o conhecido golpe do cheque sem fundo, que caracteriza mais uma hipótese de estelionato. Importante destacar que nesse caso é sabido que o cheque não terá provisão de fundos no ato do saque, é necessário dolo. Eventualmente se por descuido você acabe tendo um cheque devolvido por falta de fundos, fique tranquilo, há não ser que esta fosse sua intenção desde o princípio, não há o que se falar de crime.
A última hipótese de estelionato trazida no rol do art. 171 é a fraude eletrônica, quando é cometida com a utilização de informações fornecidas por meio de redes sociais, contatos telefônicos ou envio de e-mail fraudulento e casos parecidos. Neste caso a pena é endurecida para reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos. Vejamos que quando o legislador faz isso, é por que ele visualiza na conduta um perigo potencial.
Mas não para por aí não!
Recentemente em 2021 foi incluído mais uma hipótese de aumento de pena para o estelionato eletrônico, vejamos o que diz o §2º-B:
considerada a relevância do resultado gravoso, aumenta-se de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços), se o crime é praticado mediante a utilização de servidor mantido fora do território nacional (crimes que normalmente são cometidos por organizações criminosas de âmbito internacional).
Também aumenta-se a pena, nesse caso de um terço, se o crime é cometido em detrimento de entidade de direito público ou de instituto de economia popular, assistência social ou beneficência (estelionato contra o INSS, por exemplo).
A última causa de aumento de pena, que aplica-se a todas as hipóteses trazidas nesse texto, é o estelionato praticado contra idoso ou pessoa vulnerável considerando o resultado gravoso (prejuízo) da conduta, hipótese que a pena aumentará de 1/3 (um terço) ao dobro, visando desestimular fortemente o crime contra aqueles que possuem menos meios de defesa.
Veja também nosso vídeo sobre identificação criminal e civil do processo!
Como funciona o processo pelo crime de estelionato?
Aqui vejamos uma novidade, desde 2019 com a entrada em vigor do pacote anticrime o crime de estelionato só se procede mediante representação. Nesses casos, quando a lei estabelece a necessidade de representação, significa dizer que a vítima do crime precisa “autorizar” o Ministério Público a processar o investigado, não havendo autorização da vítima, o autor do crime não será submetido ao Poder Judiciário.
Mas existem exceções, no caso de crimes praticados contra a Administração Pública Direta ou Indireta (o governo, seus órgãos e entidades), criança ou adolescente, pessoa com deficiência mental ou contra maior de 70 anos ou incapaz, em todos esses casos a ação será pública incondicionada, significa dizer que o Ministério Público processará o indivíduo independentemente de autorização da vítima.
Por fim, gostaríamos de ressaltar que a lei não previu o estelionato culposo, de forma que, para que se configure qualquer uma dessas hipóteses, o crime tem de ter sido cometido com dolo, ou seja, intenção de praticar a conduta criminosa. Se não houver dolo, não há estelionato.
E aí, gostou do nosso texto? Vale repensar algumas vezes antes de atribuir a expressão 171 para algum conhecido, não é mesmo? O que pode inclusive levar a um outro delito previsto no Código Penal, mas isso é história para um próximo texto. Esperamos que tenha sanado suas dúvidas! Deixe aqui embaixo seus comentários.
Referências:
- Planalto – Código Penal Brasileiro
- NUCCI, Guilherme. Curso de Direito Penal, parte especial, volume 2, 2021.
- Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios – Estelionato