Qualquer tentativa de compreender o mundo de hoje será em vão sem buscar entender, antes, o papel da China nele. Seja a política internacional, seja a economia, ou ainda a cultura, a ciência e a tecnologia, bem como os assuntos domésticos do Brasil e de outros países; quase tudo faz mais sentido quando se tem em mente o gigante asiático como um dos fatores explicativos. Por sua vez, para compreender a China moderna, é absolutamente fundamental saber o que foi a Revolução Chinesa, suas causas, seus atores principais e como ela condicionou o país como o conhecemos hoje.
Ao final desta leitura, você será capaz de se situar melhor sempre que ouvir falar em China: na escola, nos filmes, nas notícias…
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Antecedentes da Revolução Chinesa: uma história milenar
Tradicionalmente, teóricos ocidentais pensaram o oriente a partir do orientalismo: uma lente reducionista e carregada de preconceitos e estereótipos que descreviam o leste global de modo generalizado. Isto é, sem distinguir entre as diferentes sociedades: China, Índia, Japão e todo o “resto” eram frequentemente colocados na mesma caixinha de “sociedade asiática” definidas como atrasadas e despóticas por natureza.
Evidentemente, essa abordagem carece de nuance. O que entendemos hoje por “China” tem uma história independente e milenar. Ao redor de 8000 a.C. no período neolítico, grupos nômades começaram a dominar a agricultura e a se estabelecer em agrupamentos fixos. Com excedentes de alimentos, veio o aumento populacional, a especialização de tarefas, a escrita e o aumento na complexidade dos agrupamentos humanos — incluindo a formação de “classes” sociais.
Por volta de 2000 a.C., convencionou-se periodizar a história chinesa por dinastias: famílias nobres fortes que conseguiam se impor sobre outros grupos, passando a governar regiões extensas hereditariamente até caírem e serem substituídas. Contudo, esse processo foi complexo e diferentes dinastias às vezes coexistiam.
O intervalo do séc. VIII ao séc. III a.C. foi de intenso desenvolvimento tecnológico, cultural e filosófico, quando viveram vários intelectuais como Confúcio, Lao Zi e Sun Tzu, os quais originaram, respectivamente, o Confucionismo, o Taoísmo e o livro “A arte da guerra”. Parte da produção cultural daquele período, especialmente a de Confúncio, influenciou o país durante a Revolução Chinesa e continua a influenciá-lo hoje.
Daquele período em diante, sucederam-se períodos ora de dinastias poderosas — como a dinastia Qin, que originou um Estado feudal centralizado séculos antes das monarquias absolutistas europeias —, ora de fragmentação e vulnerabilidade.
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Trauma Coletivo: Um Século de Humilhação Imperialista
A última dinastia chinesa — a Qing (distinta da Qin) — passou por altos e baixos de 1644 a 1912. No auge, chegou a governar um terço da população mundial e a administrar a maior economia do mundo.
Contudo, de 1840 em diante, a dinastia imperial viu-se enfraquecida por uma série de instabilidades internas: corrupção fora de controle, escassez de alimentos, oposição de intelectuais, rebeliões populares em larga escala com mortes na casa dos milhões; esses foram alguns dos fatores que minaram sua capacidade de proteger a cultura e o território chineses diante da expansão colonialista das potências ocidentais ao longo do século XIX.
Assim, nações estrangeiras passaram a intervir na China de várias maneiras: desde a colonização parcial de territórios chineses até a imposição de tratados desiguais mediante derrotas militares ou ameaças. Essas violações estão entre as principais motivações para os movimentos políticos que, mais tarde, irão desencadear a Revolução Chinesa.
Um caso famoso é o das duas Guerras do Ópio, nas décadas de 1840 e 1850, quando o imperador destruiu estoques e tornou a droga ilegal diante da crise de saúde pública e a Gra-Bretanha, com o lucro ameaçado, subjugou as forças chinesas e forçou a dinastia Qing a aceitar um tratado repleto de claúsulas abusivas, dentre as quais estavam a entrega, à Inglaterra, do controle de portos importantes, a concessão de territórios (como Hong Kong), tarifas favoráveis e o pagamento de reparações de guerra.
Essas intervenções estrangeiras retroalimentaram os problemas internos e provocaram mais rebeliões, desta vez com motivações anti-colonialistas, como as de Taiping, Nian, e a dos Boxers. Esta última, em 1898, uniu os revoltosos às tropas imperiais e motivou uma aliança militar de 8 potências estrangeiras em busca de mercados consumidores para suas exportações.
São elas: Estados Unidos, Grã-Bretanha, França, Alemanha, Rússia, Áustria-Hungria, Itália, Rússia e Japão. Estes países submeteram os chineses e impuseram-lhes mais um “tratado desigual”, forçando mais concessões de territórios, zonas de influências, indenizações, tratamento alfandegário especial, portos e ferrovias.
Essa foi a gota d’água. Diante da impotência em evitar o fatiamento do país por nações estrangeiras, a dinastia Qing finalmente perdeu seu Mandato Celestial em 1912 e, com isso, chegou ao fim o sistema dinástico — mas não o século de humilhação, que só terminaria em 1949, com o fim da Revolução Chinesa.
Pela Unificação da República: A Primeira Guerra Civil
Em 1905, Sun Yat-sen, um líder nacionalista que sonhava com a reunificação e emancipação chinesas, fundou a Liga Revolucionária (Tongmenghui), uma organização política que promoveu várias rebeliões até a derrocada dinástica e a declaração da República Chinesa, em 1º de janeiro de 1912. Assim, Sun Yat-sen foi nomeado Presidente da República.
Contudo, a situação era caótica: a China estava novamente fragmentada em domínios controlados por senhores da guerra. Por isso, depois de seis semanas, Sun Yat-sen cedeu o poder a um comandante que ele acreditava ter força militar suficiente para unificar o país, Yuan Shikai. Mas Yuan fracassou e o período dos senhores da guerra continuou.
Em 1919, chegava ao fim a Primeira Guerra Mundial e era assinado o Tratado de Versalhes, que permitiu a ocupação da província chinesa de Shandong pelo Japão. Isso incendiou outra mobilização popular anti-imperialista, conhecida como Movimento 4 de maio, e a China recusou-se a assinar o documento. No mesmo ano, Sun Yat-sen transformou sua liga em um partido político: o Kuomintang (KMT ou Partido Nacionalista Chinês).
Chegamos, então, a mais um ponto de inflexão histórica: no âmbito internacional, em 1917, ocorria a Revolução Russa, e ideias marxistas se espalhavam pelo mundo. Foi sob essas influências que, em 1921, o Partido Comunista Chinês (PCC) foi criado. Entre os seus membros fundadores estava Mao Zedong, um revolucionário estudioso da história e da realidade dos camponeses.
Nesse contexto, os dois partidos formaram a Primeira Frente Unida, a fim de se imporem sobre os senhores da guerra e unificarem novamente a China através de uma guerra civil. Essa aliança foi propiciada pelas diretrizes de Sun Yat-se (os Três Princípios do Povo e as Três Grandes Políticas do Povo), nas quais se incluíam a cooperação com os comunistas.
Todavia, após sua morte em 1925, o partido nacionalista se dividiu entre aqueles que defendiam a continuação da aliança e da guerra civil pela unificação, como a viúva de Yat-sen, e aqueles cuja prioridade era destruir o PCC, como o comandante Chiang Kai-check. No fim, Chiang ascendeu à liderança do KMT e a relação entre os dois partidos se deteriorou.
Traição e o Massacre de Shanghai: A Segunda Guerra Civil
Em abril de 1927, Chiang Kai-shek deu fim à Primeira Frente Unida ao atacar membros do PCC em Shanghai com tropas do KMT apoiadas pela Gangue Verde, uma organização criminosa local. Lá, militares e civis partidários dos comunistas (ou meramente suspeitos de o serem) foram presos, torturados e executados em público sem qualquer investigação ou julgamento, num episódio posteriormente denominado Massacre de Shanghai.
Mas o horror não terminou aí. Nas semanas, meses e anos que seguiram, Chiang Kai-shek promoveu um violento expurgo dos comunistas e seus simpatizantes nas áreas controladas pelo Partido Nacionalista, bem como de membros opositores dentro do próprio KMT. Essa perseguição ficou conhecida como Terror Branco e deu início à Segunda Guerra Civil, desta vez entre o Partido Nacionalista e o Partido Comunista.
Militarmente inferiores, enfraquecidos e perseguidos, os comunistas sobreviventes foram forçados a recuar para as zonas rurais, enquanto o Exército Nacional Revolucionário, do Kuomintang, lançou-se na famosa Expedição do Norte, submetendo insurreições e os senhores da guerra restantes, e centralizando o poder nas mãos de Chiang Kai-shek.
Ascensão de Mao Zedong
Esse recuo dos comunistas ficou conhecido como A Grande Marcha e, a longo prazo, mudaria o curso da disputa. Como já falado, o PCC foi influenciado pela Revolução Russa e pelo marxismo-leninismo. Segundo essas influências, resumidamente, a revolução comunista deveria vir depois de um estágio de desenvolvimento e industrialização capitalista, e partir do proletariado.
Dessa forma, o foco da atividade revolucionária do PCC até então era a mobilização dos operários, isto é, dos trabalhadores urbanos. Mas o expurgo de Chiang Kai-shek empurrou o Partido Comunista para fora das grandes cidades e para longe dos poucos operários existentes em uma China não-industrializada. Ou seja, foi colocado um grande obstáculo à atuação dos comunistas.
A partir daí, Mao Zedong se tornou muito mais relevante dentro partido. Isso porque ele passara anos estudando a história dos movimentos camponeses e era intimamente familiarizado com a realidade campesina. Dessa forma, ele foi capaz de adaptar o marxismo-leninismo para a realidade chinesa, e formulou o “Pensamento de Mao”. A principal novidade dessa perspectiva foi o reconhecimento dos camponeses como protagonistas do processo revolucionário, não mais meros coadjuvantes, como ditavam as teorias importadas.
Nesse contexto, Mao Zedong estabeleceu diretrizes teóricas e práticas que guiaram o Partido Comunista em um longo, mas bem sucedido, processo de recuperação por meio da cooptação da massa de trabalhadores rurais e de vitórias militares com táticas de guerrilha, o que foi de vital importância tanto na guerra sino-japonesa quanto na continuação da guerra civil que se seguiram — e na Revolução Chinesa também.
Uma Frente Unida Anti-imperialista: A Invasão Japonesa
Desde o Tratado de Versalhes ao fim da Primeira Guerra Mundial, a China estava sob a constante ameaça de uma invasão em larga escala pelo Japão Imperial. Diante disso, houve múltiplas tentativas de encerrar a guerra civil entre o KMT e o PCC e de formar uma frente única de resistência contra o Japão, tanto por iniciativa dos comunistas quanto de personalidades do partido nacionalista, como Soong Shinlin, a viúva de Sun Yat-sen. Contudo, Chiang Yat-sen não aceitava tais iniciativas, pois estava determinado a exterminar os adversários.
A ameaça japonesa cresceu. Entretanto, Chiang continuou mais interessado no conflito interno do que na defesa nacional. Foi então que seus próprios generais deram-lhe um golpe. Os comunistas, temendo que a morte de Chiang dividisse ainda mais a nação, intervieram e salvaram Chiang da morte. Ele negociou uma aliança, mas protelou sua efetivação até que, em julho de 1937, o Japão, que já havia ocupado parte da China, iniciou uma invasão em larga escala, o gatilho para a Segunda Guerra Sino-Japonesa.
A partir de então, apesar de o confronto entre os dois partidos ter continuado em menor intensidade, o KMT e o PCC uniram-se na Segunda Frente Unida para resistir aos japoneses no que se tornaria o palco oriental da Segunda Guerra Mundial.
O objetivo do Japão era submeter a China à condição de colônia, de modo a competir com as potências ocidentais, que tinham em seus domínios coloniais fontes vastas de bens primários e mercados consumidores cativos para seus produtos industrializados.
Para isso, o Japão tinha a seu favor um poderio militar moderno; a autoconfiança elevada das tropas baseada em crenças racistas de superioridade; e uma estratégia de “queimar tudo, matar tudo, pilhar tudo”.
Veja também nosso vídeo sobre o que é comunismo!
O Estupro de Nanking
Foi nesse período que uma dos episódios mais cruéis da história mundial moderna aconteceu: o Massacre (ou Estupro) de Nanking. Após invadir a cidade, os japoneses cometeram vários crimes de guerra, alguns cuja crueldade dos detalhes desafia a imaginação.
Mulheres foram estupradas aos milhares (estimativas variam de 20.000 a 80.000, incluindo crianças e idosas); civis foram usados para prática de baionetas, para tiro ao alvo e assassinato por esporte; alguns foram queimados vivos. Outros foram cobaias de experimentos médicos, incluindo vivissecção (dissecação viva) sem anestesia, e o teste de armas biológicas e químicas. Sem contar outros tipos de humilhação não letais.
O Tribunal Militar Internacional para o Extremo Oriente (IMTFE, na sigla em inglês) estima que 260.000 não-combatentes foram mortos pelos japoneses em Nanking apenas em 1937 e 1938, mas algumas estimativas vão além de 350.000.
Ou seja, mesmo o número mais conservador é superior ao total de pessoas que morreram nas explosões atômicas de Hiroshima e Nagasaki, 140.000 e 70.000, respectivamente.
O Cerne da Revolução Chinesa: A Terceira Guerra Civil
Em maio de 1945, a Alemanha foi derrotada na Europa. Assim, os esforços dos Aliados se voltaram para a contenção dos japoneses, cúmplices dos nazistas. Entre agosto e setembro, depois que os EUA lançaram as duas bombas atômicas sobre Hiroshima e Nagasaki, o Japão foi forçado a se render, e tanto a Segunda Guerra Mundial quanto a Segunda Guerra Sino-Japonesa chegaram ao fim.
Nesse ponto, vale ressaltar que a datação da Revolução Chinesa não é consensual. Na literatura, é possível encontrar diferentes eventos tidos como ano inicial da revolução: a criação do PCC, em 1921; a Segunda Guerra civil entre o KMT e o PCC, em 1927; a derrota do Japão, em 1945; ou ainda o recomeço da guerra civil abertamente (ou Terceira Guerra Civil), em 1946.
Contudo, mais do que definições exatas, o importante é ter em mente que todos esses eventos (bem como seus precedentes históricos já mencionados ao longo texto) são fundamentais para entender a Revolução Chinesa satisfatoriamente.
Palco do Conflito e Principais Atores
Na China, Chiang Kai-shek ainda não havia desistido de exterminar os comunistas. Ele queria continuar com a guerra civil, mas o partido comunista tinha outras intenções: a paz e a unidade territorial e, por isso, estavam preparados para fazer concessões (ao menos no papel).
O PCC também tinha herdado vastos estoques de armas que os japoneses deixaram para trás. Além disso, a pressão popular estava do lado comunista, em larga medida devido à cooptação das massas rurais após a Grande Marcha.
Isso porque, nas regiões liberadas e controladas pelo PCC, eles promoviam a educação político-ideológica nas linhas do partido e pregavam a paz, a reforma agrária e políticas de estado que priorizassem a melhoria das condições de vida dos operários e camponeses. Também cuidavam de aliviar as necessidades mais imediatas, como o abastecimento da população. Tudo isso era reproduzido, com exageros e omissões, pela propaganda do PCC em áreas controladas pelo KMT.
Ademais, o PCC dedicou especial atenção ao treinamento (com ajuda da União Soviética) e ao controle político e disciplinar de seus soldados, por meio de diretrizes conhecidas como “Três Principais Regras de Disciplina” e “Oito Pontos de Atenção”.
Em resumo, essas diretrizes reforçaram a disciplina dos soldados em relação à hierarquia de comando, bem como pautaram o bom comportamento deles em relação à população civil das áreas controladas. Essa foi uma diferença fundamental entre o PCC e o KMT, pois o KMT negligenciou esses aspectos políticos e sociais.
Como resultado, enquanto o PCC conquistou não só o respeito (pelo bom tratamento), mas o apoio popular (em função das promessas e propagandas políticas) nas regiões controladas, o KMT foi antagonizado pelas populações sob seu domínio, pois não tinha programas claros que apelavam aos anseios do povo. Isso foi agravado pois o KMT, como partido governante, herdara um país destruído e com hiperinflação.
Além disso, as tropas do KMT, mal-pagas e desorganizadas, estavam muito mais propensas a cometer abusos nos territórios controlados, como saques, desatenção ao abastecimento dos civis e maltrato deles.
Dessa forma, a pressão pela paz tanto por parte da população quanto do PCC impediram Chiang Kai-shek de declarar guerra aberta de imediato. A seu favor, o KMT tinha o apoio logístico e financeiro dos EUA, já na dinâmica anti-comunista às vésperas da Guerra Fria. A balança de poder havia mudado: os comunistas ainda eram inferiores, mas muito mais fortes em relação ao período anterior à guerra com o Japão.
A Revolução Chinesa de 1946 a 1949
Chiang Kai-shek, com o apoio logístico dos EUA, deslocou centenas de milhares de soldados do KMT do sul da China para a Manchúria, no Norte, uma região estratégica que havia sido ocupada pelos comunistas após a retirada japonesa.
Além disso, os EUA cederam ao KMT cerca de US$ 4,5 bilhões, a maior parte em auxílio militar, e enviaram ao redor de 90 mil fuzileiros navais estadunidenses ao território chinês para proteger áreas importantes já sob o domínio nacionalista.
Em junho de 1946, Chiang Kai-shek foi informado por seus assessores norte-americanos que o KMT já estava em condições de derrotar os comunistas em poucos meses. Assim, Chiang iniciou um ataque de larga escala, com 1,6 milhão de homens, contra as áreas controladas pelo PCC.
Entretanto, as forças do PCC, recém batizadas de Exército Popular de Libertação (EPL), tinham se desenvolvido em um inimigo formidável. Apesar de inferiores, muitas das tropas comunistas eram bem treinadas, disciplinadas, ideologicamente comprometidas com o partido e equipadas com o que os japoneses deixaram para trás. Além disso, os comandantes comunistas tinham ganho experiência de batalha durante a guerra de resistência ao Japão. Entre eles, estava Deng Xiaoping, futuro líder da China.
Uma parte central da estratégia comunista era desgastar o inimigo aos poucos e evitar perder tropas, pois tinham em mente uma guerra prolongada em contraste ao conflito breve que os nacionalistas esperavam. Dessa forma, ao invés de travar batalhas diretas com frequência, os comunistas escolhiam não defender certos territórios, como grandes cidades. Assim, eles frequentemente recuavam para o campo, pequenas e médias cidades, e cediam terreno aos nacionalistas propositalmente.
O resultado foi que as forças do KMT avançavam mais rapidamente do que suas linhas de suprimento, gerando desorganização e desgaste dos soldados. E era nesses momentos de cansaço e desorganização dos nacionalistas que os comunistas priorizavam atacar.
A partir de 1947, o KMT e seus aliados dos EUA se viram diante de outro grande obstáculo. Na véspera do natal de 1946, dois soldados americanos sequestraram e estupraram Shen Chong, uma estudante da Universidade de Beijing. O estupro de Chong provocou uma série de protestos estudantis anti-americanos contra a presença militar dos EUA no território chinês.
Por sua vez, o governo de Chiang prendeu milhares de manifestantes. Isso antagonizou ainda mais a opinião popular contra o KMT, especialmente a dos estudantes, o que fortaleceu o partido comunista.
Ao longo de 1947 e 1948, uma série de batalhas entre os comunistas e nacionalistas deixou milhões de mortos e feridos, em ambos os lados. Mas as perdas do KMT foram significativamente maiores. Além disso, muitos combatentes do KMT desertaram e mudaram para o lado dos comunistas. Em alguns casos, regimentos nacionalistas inteiros se renderam e foram posteriormente incorporados ao EPL, do PCC.
Veja também nosso vídeo “China: Comunista ou Capitalista?”!
República Popular da China vs República da China (ou Taiwan)
Em 1º de outubro de 1949, Mao Zedong proclamou a República Popular da China (RPC). O PCC tinha sob seu controle a maior parte da China continental, com exceção do Tibet, Hong Kong, Taiwan e algumas partes de regiões fronteiriças. Chiang Kai-shek, líderes, tropas e simpatizantes nacionalistas fugiram para Taiwan, onde Chiang declarou Taipei como a capital temporária da República da China, também conhecida com Taiwan. Tanto Mao quanto Chiang aceitavam a existência de apenas uma China, vendo no outro um governo ilegítimo.
Após a vitória dos comunistas, os EUA se opuseram ao reconhecimento da RPC e do governo do PCC na Organização das Nações Unidas (ONU). Ao invés disso, reconheceram o KMT em Taiwan como único governo chinês legítimo de toda a China e moveram sua embaixada para lá, o que foi seguido pela maioria dos países.
Além disso, com o início da Guerra da Coréia, em 1950, os EUA impuseram um bloqueio naval no estreito de Taiwan para evitar que o PCC ganhasse controle sobre a ilha. Os EUA também intervieram militarmente no conflito da Coréia, bem como na Guerra do Vietnã, em 1959, e em outras guerras na ásia, a fim conter a China (que também interveio nesses conflitos) e o comunismo, agora no contexto da Guerra Fria contra a União Soviética.
Ao fim da revolução, a China continental estava destruída e isolada internacionalmente, alvo da política externa de contenção estadunidense. Antes de alcançar uma estabilidade duradoura, o país — que hoje já é líder em diversas áreas de pesquisa e tecnologia e será a maior economia do mundo por volta de 2030 — ainda passaria por experiências socialmente catastróficas sob o comando de Mao Zedong, como o Grande Salto Adiante e a Revolução Cultural. Muitos outros eventos importantes seguiram, positivos e negativos do ponto de vista humano, mas a lista é extensa: são assuntos para futuros textos aqui na Politize!.
Ufa! Esperamos que você tenha compreendido um pouco melhor o que foi a Revolução Chinesa, suas causas e como ela condicionou alguns aspectos da China de hoje. Se ainda tiver dúvidas, não hesite em deixá-las abaixo!
Referências:
- The Diplomat. China’s ‘Never Again’ Mentality
- The New York Times. Rape Case Against 2 Marines Causes Demonstrations in Shanghai and Peiping
- CALLAHAN, Willian A. National Insecurities: Humiliation, Salvation, and Chinese Nationalism.
- POMAR, Wladimir. A Revolução Chinesa. 1ª ed. São Paulo: UNESP, 2004.
- CARRADICE, Phil. The Shanghai Massacre: China’s White Terror, 1927. 1ª ed. London: P&S Military, 2018.
- BOBBIO, Noberto; MATTEUCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política vol. 1 e 2. 13ª ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2008.
- MACKERRAS, Colin; MCMILLEN, Donald H.; WATSON, Andrew. Dictionary of the Politics of the People’s Republic of China. 1ª ed. London: Routledge, 1998.
- SAID, Edward. Orientalismo: o Oriente como Invenção do Ocidente. 1ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.
- CHANG, Iris. The Rape Of Nanking – The Forgotten Holocaust Of WWII. 1ª ed. New York: Basic Books, 2012.
- KISSINGER, Henry. Sobre a China. 1ª ed. São Paulo: Objetiva, 2013.
3 comentários em “O que foi a Revolução Chinesa?”
Que incrível!
Eu adorei !
Una linguagem muito direta e de fácil entendimento.
Continue voando
Bem bem ruim o texto eudeusa o PCC e Mao e não fala uma palavra sobre os crimes contra a humanidade que cometeram por décadas. Até a China atual acha errado o comportamento passado e não tenta whitewash
Caramba, esse texto tá super profundo e completo. Adorei a leitura e me ajudou MUITO, muito obrigada!!!