Você já deve ter visto comentários parecidos com estes na internet: “quem critica Bolsonaro é de esquerda” ou “pobre não pode ser de direita”. Mas afinal, o que significa ser de esquerda ou de direita? Como saber de que lado estou? Se eu não me identificar com um deles, isso automaticamente me coloca do outro? Todas essas dúvidas estão relacionadas ao chamado espectro político.
Para esclarecê-las, é preciso entender o significado desse conceito, quais as maneiras de enxergá-lo e como é possível, a partir dele, classificar uma pessoa ou partido, com base em seus posicionamentos. Por isso, a Politize! explicará detalhadamente as nuances do tema, que não é tão simples quanto as discussões nas redes sociais fazem parecer.
Leia também: Esquerda e direita: o que dizem história e teoria
Conheça o novo podcast da Politize!
O que é espectro político?
A política contemporânea é bastante complexa, pois seus agentes podem possuir visões de mundo muito distintas entre si. Assim, para melhor compreender a gama de ideologias existentes, é muito útil haver meios de classificá-las e de comparar umas com as outras, segundo determinados critérios. Essa é justamente a função de um espectro político, sistema que permite visualizar onde cada um dos posicionamentos políticos se encontra, em relação aos demais.
Para compreender por que se fala em espectro, podemos utilizar como exemplo o chamado espectro da luz visível. Sabemos que não fazem parte dele apenas o vermelho e o violeta, mas também as cores intermediárias que compõem o arco-íris: laranja, amarelo, verde, azul e anil. Além disso, não há divisão nítida entre uma cor e outra, mas sim zonas de transição.
O mesmo ocorre com o espectro político. Metaforicamente, se o enxergarmos bem de longe, veremos apenas esquerda e direita. Ao aproximarmos um pouco, no entanto, perceberemos que há também o centro e, ao darmos um zoom ainda maior, seremos capazes de identificar as subdivisões de cada campo.
Apenas esse último olhar fornecerá uma visão mais completa do espectro, que se inicia pela extrema esquerda, passando por esquerda moderada, centro-esquerda, centro, centro-direita, direita moderada, e termina com a extrema direita.
O que significam esquerda e direita?
É preciso agora entender quais as ideias associadas a cada região da linha. Embora, como visto, esquerda e direita não sejam suas únicas categorias, é útil começar por essas noções, para compreender todo o degradê, em seguida.
Historicamente, tais palavras começaram a ser utilizadas para designar diferentes posições políticas, no contexto da Revolução Francesa. Elas estão relacionadas à posição que cada um dos grupos ocupava fisicamente, na Assembleia Nacional.
À direita do presidente, sentavam-se os apoiadores do Antigo Regime, caracterizado pelos privilégios aos estamentos do clero e da nobreza. À esquerda, situavam-se seus opositores, simpatizantes do iluminismo e da Revolução.
Após a queda do regime na França, os próprios revolucionários dividiram-se em dois grupos. Os girondinos (direita), mais conservadores, defendiam a monarquia constitucional. Já os jacobinos (esquerda), mais radicais, desejavam mudanças profundas e queriam um governo republicano.
Veja também nosso vídeo sobre o que é ser de esquerda no Brasil!
Com o tempo, o significado atribuído aos termos em questão passou por transformações ainda maiores. Apesar disso, podem ser identificadas algumas características gerais associadas a cada um deles. Segundo Norberto Bobbio, o principal aspecto que distingue as duas posições é a avaliação que elas fazem do ideal da igualdade. Para o intelectual italiano, a esquerda tende a defendê-lo com mais vigor do que a direita.
Dois exemplos ajudam a esclarecer o critério adotado. No campo econômico, a esquerda geralmente defende uma intervenção estatal maior, argumentando que é necessário corrigir as injustiças sociais e reduzir as desigualdades, algo de que o mercado não é capaz sozinho.
Por outro lado, a direita opõe-se a um Estado intervencionista, alegando que o mercado é mais eficiente na alocação de recursos e que, mesmo causando desigualdade, a geração de riqueza por ele proporcionada favorece, sobretudo, os mais pobres.
Já no caso da política de migração, a direita costuma ser favorável a um maior controle do governo e a um combate mais duro à imigração ilegal, enquanto a esquerda não considera que a diferença de nacionalidade justifica um tratamento diferenciado, devendo os imigrantes ter os mesmos direitos dos cidadãos nacionais.
Veja também nosso vídeo sobre esquerda e direita!
As subdivisões da esquerda e da direita
Bobbio defende ainda que as noções de liberdade e autoritarismo são importantes para diferenciar a ala moderada da ala extremista, tanto à esquerda, quanto à direita. Embora possam ter opiniões divergentes entre si, os moderados concordam quanto ao método, isto é, o embate de ideias na democracia. Em contraste, os extremistas estão fora do campo democrático.
Assim, o espectro político pode ser resumido da seguinte forma: a extrema esquerda é autoritária e igualitária. Encontram-se nessa posição do espectro as ideologias comunista e socialista e exemplos de regimes nela localizados são os de Stálin, na União Soviética e, atualmente, o de Nicolás Maduro, na Venezuela.
Já a esquerda moderada e a centro-esquerda são igualitárias, porém não autoritárias. Neste campo, está a social-democracia, caracterizada por conjugar o capitalismo com um Estado mais robusto, provedor de serviços sociais e sustentado por uma alta carga tributária. Dentre os governantes social-democratas, podem ser apontados os ex-presidentes americano, Franklin Delano Roosevelt, e francês, François Mitterrand.
Por outro lado, a centro-direita e a direita moderada prezam pela liberdade, mas não tanto pela igualdade. Nessa região do espectro, estão governantes mais conservadores e economicamente liberais, que promovem o enxugamento da máquina pública, com o objetivo de aumentar a eficiência do Estado. Localizam-se nela, por exemplo, as ex-primeiras-ministras do Reino Unido, Margaret Thatcher, e da Alemanha, Angela Merkel.
Por fim, a extrema direita é antiliberal e anti-igualitária. Fazem parte dela ideologias como o fascismo e o reacionarismo, isto é, o desejo do retorno a uma ordem histórica já superada. Um típico grupo reacionário é a Ku Klux Klan, defensora da supremacia branca nos EUA. Dois governantes da extrema direita, em diferentes graus, são o líder italiano entre 1922 e 1943, Benito Mussolini, e o atual primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán.
Quer conhecer mais sobre o tema? Confira a trilha da Politize! que começa com o texto sobre os mitos e preconceitos da esquerda e direita.
Fluidez dos conceitos
Apesar de haver definições gerais e ideologias tipicamente identificadas com a esquerda ou com a direita, esses termos não são imutáveis, nem absolutos, podendo adquirir contornos distintos, conforme o local ou o período histórico. Ideias que um dia foram consideradas radicais, como o voto universal masculino, hoje poderiam ser vistas até mesmo como reacionárias, neste caso, por excluir as mulheres.
Além disso, partidos políticos que estão passando por momentos desfavoráveis nas disputas eleitorais procuram, muitas vezes, adaptar-se e rever alguns de seus posicionamentos.
Para entender isso melhor, leia o texto da Politize! sobre Terceira Via.
Outra proposta de espectro político
A política não é uma ciência exata, motivo pelo qual nem todos concordam em considerar o espectro político como algo unidimensional, isto é, uma linha que vai da extrema esquerda até a extrema direita.
Segundo o cientista político e hoje deputado estadual pelo Rio Grande do Sul, Fábio Ostermann, com as rápidas transformações vivenciadas pelo mundo e o surgimento de questões que vão além do plano material, como ecologia, bioética, direitos humanos e cultura, essa polarização esquerda-direita, que antes tinha papel relevante para entender a política, vai perdendo sentido.
Além disso, ele argumenta que tal espectro não é capaz de abrigar todas as ideias políticas, conforme procura demonstrar, ao analisar o caso do liberalismo. Lembrar dos exemplos dados na explicação sobre direita e esquerda ajuda a compreender o motivo.
Recordando, a direita costuma ter uma posição pró-mercado e desejar um controle mais restrito da imigração, enquanto a esquerda normalmente defende maior intervenção do Estado na economia e uma imigração mais livre. Entretanto, como classificar os liberais, que são favoráveis ao livre mercado e à livre imigração? E os que são contrários às duas coisas?
Da mesma forma que não se encaixam na esquerda ou na direita, também é difícil afirmar que essas duas visões estejam no centro, pois além de serem antagônicas entre si, elas são bem marcadas e não representam um meio-termo, em cada um dos temas.
Veja também nosso vídeo “União Brasil e PP: centrão ou direita?”
O diagrama de Nolan
Diante desse impasse, o cientista político americano David Nolan popularizou uma nova forma de olhar o espectro político, que ficou conhecida como “diagrama de Nolan”. Sua defesa tanto das liberdades econômicas, quanto das liberdades civis o tornou descontente com a política de seu país, já que não se sentia representado nem pelo partido Democrata, mais à esquerda, nem pelo partido Republicano, mais à direita. Assim, visando ir além dessa dicotomia, defendeu a proposta de não utilizar apenas uma linha, mas sim duas, para analisar as posições políticas.
O diagrama funciona da seguinte maneira: seu eixo horizontal mede o posicionamento relativo às questões econômicas, como privatizações, direitos trabalhistas, salário mínimo, impostos, dívida pública e programas sociais. Já seu eixo vertical avalia as visões acerca de outros temas sociopolíticos, por exemplo porte de armas, liberdade de expressão e de imprensa, liberdade religiosa, direitos LGBT+, aborto e drogas.
Quanto mais à direita, no gráfico, maior a liberdade de mercado defendida e quanto mais acima, maiores as liberdades civis e políticas. Por outro lado, quanto mais à esquerda, maior o controle do Estado sobre a economia e quanto mais abaixo, maior a interferência do governo sobre as demais escolhas dos indivíduos.
Como saber em que posição do espectro me localizo?
Existem vários testes disponíveis na internet que podem fornecer uma boa noção de onde você está no espectro político. A maioria deles utiliza a mesma ideia do diagrama de Nolan, apesar de alguns inverterem o eixo vertical, ou seja, quanto maior a defesa das liberdades civis e políticas do indivíduo, mais abaixo você se localizará.
Dessa forma, com base no seu grau de concordância com uma série de afirmações, esses testes calculam qual ponto no gráfico representa sua posição política. Vejamos alguns deles.
O Political Compass (bússola política) apresenta um número de afirmações relativamente grande para a pessoa testada avaliar, permitindo um maior detalhamento. Há críticas, no entanto, à maneira como alguns de seus enunciados são formulados, seja pela imprecisão, seja por um grau de viés. Apesar disso, ele levanta questões interessantes e é um dos mais utilizados. O teste possui versões em vários idiomas, incluindo português.
Já um teste mais simples e objetivo é o Teste de Coordenadas Políticas do IDR labs. Além de apresentar um número reduzido de afirmações, elas são sucintas e claras. O site disponibiliza também uma versão mais sofisticada, que mede o posicionamento político, considerando oito valores, em quatro espectros distintos: um eixo econômico (igualdade-mercados), um eixo diplomático (nacionalismo-globalização), um eixo civil (liberdade-autoridade) e um eixo social (tradição-progresso).
Há também um teste diferente de todos os demais, chamado Six Triangles (seis triângulos), com a desvantagem de não possuir versão em português. Seu nome já explica o funcionamento: ele considera seis espectros (economia, liberdade pessoal, cultura, política externa, governo e equidade) e os representa por meio de triângulos, e não de linhas retas.
Partidos políticos e figuras da política nacional no espectro
Nem sempre é fácil classificar os partidos brasileiros no espectro político, visto que alguns deles não possuem uma ideologia clara, como os do centrão. No entanto, existem tentativas relativamente bem sucedidas de fazê-lo.
Um estudo da UNICAMP publicado em 2017, por exemplo, utilizou uma média de avaliações, segundo critérios distintos, chegando à seguinte lista: da esquerda para a direita, temos PSOL, PCdoB, PT, PSB, PDT, PPS (hoje, Cidadania), PMDB (hoje, MDB), PSDB, PTB, PSC, PP e DEM (hoje, União Brasil, após fusão com o PSL).
Já uma outra classificação foi proposta por uma pesquisa da Folha de São Paulo. Ela consistiu na aplicação de um teste parecido com os vistos na seção anterior a candidatos(as) a deputado(a) federal em 2018. Com base na média das respostas, foi encontrado o ponto que representa cada partido em um gráfico semelhante ao diagrama de Nolan.
Quanto a algumas figuras de destaque na política brasileira, a advogada criminalista e influenciadora digital Gabriela Prioli possui um quadro em seu canal no YouTube chamado GPS Político, em que o(a) convidado(a) classifica seu próprio posicionamento e o explica, mediante respostas a algumas perguntas padronizadas.
O espectro utilizado para a classificação é representado por uma régua proposta pelo cientista político Christian Lynch. Ela se inicia pela extrema esquerda, passando por social-democrata, liberal-democrata, neoliberal, conservador liberal, e chega ao fim na extrema direita.
Veja também nosso vídeo sobre o MDB e o PSDB!
A utilidade de saber sobre o espectro político
Agora, você conhece o espectro político, sabe que existe mais de uma forma de enxergá-lo e tem uma noção de onde se localiza cada posição política, inclusive a sua. Assim, da próxima vez que ler ou ouvir alguém usando os termos “esquerda” e “direita”, ou até mesmo “fascista”, “comunista”, “progressista”, “liberal” e “conservador”, você terá capacidade de julgar o discurso criticamente e de avaliar se tais palavras estão sendo bem utilizadas.
E aí, conseguiu compreender o que é um espectro político e qual a sua função? Deixe sua dúvida nos comentários!
Referências:
- BOBBIO, Norberto. Direita e Esquerda – Razões e significados de uma distinção política. Tradução de Marco Aurélio Nogueira. 3. ed. São Paulo: Editora Unesp, 2012.
- Fábio Ostermann: os liberais e o espectro político unidimensional: direita, esquerda ou algo mais?
- Encyclopædia Britannica: The French Revolution.
- Unicamp: partidos políticos e espectro ideológico: parlamentares, especialistas, esquerda e direita no Brasil.