Você sabe o que foi a Lei de Terras? E sabia que as implicações dessa lei se refletem na nossa sociedade até os dias de hoje?
Nesse artigo, a Politize! vai te explicar os antecedentes, o que determinava a Lei de Terras e como esse foi um importante paradigma para a situação fundiária do Brasil.
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O contexto de criação da Lei de Terras
O decreto da Lei de Terras (Lei nº 601, de 18 de setembro de 1850) no Brasil ocorreu em meio a um contexto de transformações do século XIX e avanço do capitalismo industrial, com pressões externas e internas por mudanças.
No campo externo, nações industrializadas como a França e a Inglaterra, buscando cada vez mais expandir os mercados consumidores para seus produtos, pressionavam os demais países a se adequarem a esse novo sistema.
Já internamente, o país passava por um intenso período de mudanças políticas e econômicas. A vinda da Família Real Portuguesa ao Brasil, em 1808, e a consequente abertura dos portos às nações amigas, romperam com o exclusivismo português sobre o comércio de produtos na colônia (o chamado Pacto Colonial), possibilitando a entrada de produtos industrializados no país advindos, principalmente, da Inglaterra.
Esses eventos causaram um efeito de aceleração nessas mudanças, acarretando a Proclamação de Independência, em 1822.
Desde a Independência, a questão da posse de terras no país havia ficado em aberto, já que no tempo da colônia, as terras eram concedidas pela Coroa no regime de sesmarias, o qual foi suspenso pelo Imperador já no início do seu governo.
Havia, então, a necessidade da criação de uma nova lei que regulamentasse a temática fundiária, a partir de uma perspectiva moderna, na qual a terra era entendida como uma mercadoria.
Ainda nesse contexto, as constantes pressões internacionais pelo fim da escravidão, vindas, principalmente, da Inglaterra, acarretaram a aprovação da Lei Eusébio de Queirós, que colocava um fim ao tráfico de escravos no Brasil, em 4 de setembro de 1850 – ou seja, apenas 14 dias antes da aprovação da Lei de Terras.
Observa-se, portanto, que uma mudança de paradigma estava em curso no país, especialmente em relação à necessidade substituição da mão-de-obra escrava nas fazendas. Dessa forma, a Lei de Terras viria também para ajudar a sanar esse problema, a partir do incentivo à vinda de imigrantes, principalmente aqueles vindos da Europa – já demonstrando um forte componente racial na formulação dessa lei.
O que determinava a Lei de Terras?
Desde a decisão de D. Pedro I de pôr um fim ao regime de sesmarias, urgia a necessidade de uma nova política de terras para o país. Na prática, para além dos sesmeiros, a maioria dos proprietários de terra eram os chamados ‘posseiros’, que se apropriavam das terras públicas não cultivadas. Sem o registro e a demarcação próprios das terras, os conflitos na zona rural eram comuns.
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Antes da aprovação da Lei de Terras, já havia discussões a respeito do tema, lideradas, principalmente, pelo político José Bonifácio e pelo padre Diogo Feijó. Bonifácio defendia a regularização das posses de terra, instituindo a necessidade do cultivo, impondo que as terras não cultivadas deveriam retornar ao patrimônio nacional.
Feijó, por sua vez, sugeria que fosse criada uma lei nos mesmos termos de Bonifácio, procurando ainda estimular a imigração de homens livres para trabalhar nas terras, buscando assim combater a apropriação de largas extensões de terra.
Se as propostas de Bonifácio e Feijó eram, de certa forma, progressistas, o projeto final da Lei de Terras tomou o rumo contrário, marcado pela volta do Partido Conservador ao poder em 1848. O projeto inicial da Lei, que incluía a demarcação clara das propriedades públicas e privadas, a limitação do tamanho das terras e a criação de um imposto territorial fora engavetado, pois não estava de acordo com os interesses dos latifundiários.
O CARÁTER EXCLUDENTE DA LEI DE TERRAS
As determinações da Lei de Terras incluíam a regularização fundiária, a partir de:
(i) a não tolerância à invasão de terras públicas,
(ii) o perdão aos grandes proprietários de terra que haviam descumprido a exigência de cultivar suas sesmarias e
(iii) a normalização das terras dos grandes posseiros, que ganharam uma escritura para suas terras.
Já para os camponeses, pequenos proprietários rurais, coube a cobrança de altas taxas para a regularização de suas propriedades.
Aliado a isso, o governo procurou incentivar cada vez mais a vinda de imigrantes europeus ao Brasil, com um duplo objetivo: aumentar o número de trabalhadores livres, que substituiriam a mão-de-obra escrava, e promover um embranquecimento da população, uma política racista baseada em teses eugenistas.
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Um outro objetivo evidente da Lei de Terras era impedir que os ex-escravos e os imigrantes pobres europeus se tornassem proprietários de terras, já que as altas taxas cobradas para regularizar a posse de terra tornava impossível que pessoas sem grandes recursos se tornassem proprietárias de terra.
Juntando isso à ilegalidade da invasão e ocupação de terras na zona rural, bem como à expulsão dos pequenos posseiros de seus antigos lotes, buscou-se gerar um enorme contingente de mão-de-obra assalariada que abasteceria as grandes fazendas.
QUAIS AS PRINCIPAIS CONSEQUÊNCIAS DA LEI DE TERRAS?
A principal consequência da Lei de Terras foi a reafirmação da estrutura latifundiária no Brasil. Com a regularização das escrituras das grandes propriedades, e as dificuldades impostas aos pequenos produtores, a posição dos latifundiários foi vitoriosa, reafirmando seu poder num Brasil majoritariamente rural.
Nesse sentido, o poder dos sesmeiros e grandes posseiros, que antes era medido pelo seu número de escravos, passou a ser medido pela vastidão de suas terras.
Mantendo-se a estrutura do latifúndio, observa-se que a Lei de Terras gerou um enorme atraso técnico na agricultura brasileira, já que a existência de grandes propriedades permitia que os fazendeiros expandissem suas plantações, à medida que a capacidade de produção da terra se esgotava, avançando as fronteiras agrícolas e promovendo um progressivo desmatamento e destruição dos ecossistemas – práticas vistas até os dias de hoje.
Caso se tivesse optado politicamente pela pequena propriedade, os fazendeiros seriam obrigados a investir em novas tecnologias a fim de aproveitar suas terras ao máximo.
Outro efeito da Lei foi o surgimento dos trabalhadores rurais sem terra, pela dificuldade do acesso aos lotes, tornando comum a violência no campo. Nesse sentido, é importante destacar também que, apesar de promover a regularização fundiária, a Lei de Terras não extinguiu a prática de falsificação de documentos (também chamada de grilagem), a fim de obter terras sem o controle do Estado.
Veja também nosso vídeo sobre grilagem de terras!
Quanto à promoção da imigração, constatou-se que a mão-de-obra imigrante não substituiu por completo o trabalho escravo, o qual só ocorreria no início do século XX. Em contraste, verifica-se uma intensificação do tráfico interno de escravos no Brasil, advindos das decadentes regiões de produção açucareira, no Norte e Nordeste, para as regiões de produção cafeeira, principal produto de exportação do país, no Sul e Sudeste.
E aí, você conhecia a Lei de Terras e as implicações que ela tem até os dias atuais? O que acha da atual situação fundiária do Brasil? Deixe sua dúvida ou opinião nos comentários!
Referências:
- Agência Senado – Há 170 anos, Lei de Terras oficializou opção do Brasil pelos latifúndios
- Arquivos do Estado de São Paulo – A Lei de Terras de 1850
- Brasil Escola – Abertura dos portos
- JusBrasil – Lei de Terras: do contexto histórico às consequências
- Memória da Administração Pública Brasileira (MAPA) – Lei Eusébio de Queirós
- Memória da Administração Pública Brasileira (MAPA) – Lei de Terras
- Politize! – A origem do sistema capitalista
- Politize! – 7 de Setembro: Entenda a Independência do Brasil
- Por Dentro da África – As políticas de branqueamento (1888-1920): uma reflexão sobre o racismo estrutural brasileiro
- Presidência da República – Lei nº 601, de 18 de Setembro de 1850
- Revista de Informação Legislativa – O paradigma racista da política de imigração brasileira e os debates sobre a “Questão Chinesa” nos primeiros anos da República