A ditadura militar no Brasil teve início em 1964 e encerrou, gradualmente, em 1985. Este foi um período marcado por violações de direitos humanos e também por crimes por agentes do Estado.
Muitos destes crimes da ditadura brasileira seguem sem punição, por outro lado, há exemplos de países latinoamericanos que trataram os casos de maneira oposta ao governo brasileiro.
Neste texto, a Politize! traz detalhes de crimes da ditadura militar, assim como respostas para perguntas como: houve punição para os autores destes crimes? Acompanhe o texto para descobrir.
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Relembre o que foi a ditadura militar no Brasil
A ditadura militar no Brasil teve início no dia 31 de março de 1964, quando tanques do exército foram enviados ao Rio de Janeiro, em direção ao então presidente João Goulart. Em decorrência disso, Jango, como era conhecido, seguiu para o seu exílio no Uruguai e a junta militar passou a assumir o poder do Brasil pelo período de 21 anos.
Antes do golpe militar acontecer, o contexto mundial era o da Guerra Fria e pairava sob a América Latina um medo constante da expansão socialista nesta parte do continente americano.
Por ser muito próximo aos sindicatos e trabalhadores, Jango foi considerado uma “ameaça comunista”. Por este motivo, o governo dos Estados Unidos buscou aproximar-se dos militares e da elite econômica do Brasil. E, então, no dia 31 de março de 1964, João Goulart foi obrigado a exilar-se e abrir espaço para o exército assumir o poder.
Ao todo, esse período da história durou 21 anos, tendo fim apenas em 1985 e, além disso, teve 5 mandatos militares e 16 atos institucionais — mecanismos legais que se sobrepunham à Constituição Federal.
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Esse foi um período da história em que houve restrição à liberdade, censura e repressão aos opositores do regime, o que resultou em alguns crimes.
Vamos falar sobre os crimes da ditadura militar
Há quem acredite que a ditadura só tenha castigado “terroristas” e criminosos. Entretanto, o governo militar cometeu crimes contra cidadãos envolvidos, ou não, em atividades consideradas subversivas, ou seja, atividades que demonstrassem desacordo com o regime político em vigor.
A Comissão da Verdade (CNV), grupo responsável por apurar violações contra os direitos humanos cometidas entre 1946 e 1988, concluiu, em 2014, que cerca de 400 pessoas morreram ou desapareceram durante as duas décadas em que perdurou a ditadura militar. Além disso, a Comissão conta que pelo menos 8.350 indígenas foram assassinados nesse período.
A Comissão também registra, em relatórios, a comprovação de práticas de detenções ilegais e arbitrárias, além de ações de tortura, execuções, desaparecimento forçado e ocultação de cadáveres por agentes do Estado.
Além de prisões, o regime militar assassinou e torturou adversários políticos, porém cidadãos que não tiveram envolvimento comprovado em grupos de oposição ao regime, também acabaram sendo vítimas da violência, inclusive crianças.
Veja a história de algumas dessas vítimas.
Madre Maurina
Madre Maurina foi a única freira que os registros mostram que foi torturada pela ditadura, sem que houvesse prova contra ela. A religiosa foi detida em 1969 em Ribeirão Preto. A acusação contra ela era de que estaria dando abrigo e espaço para militantes da Força Armada pela Libertação Nacional (Faln) se reunirem.
A madre foi torturada durante cinco meses, sendo submetida a pau de arara, choque elétrico e violência sexual pelos torturadores. Ao final dos cinco meses, madre Maurina foi libertada, porém não foi inocentada pelo regime e passou 15 anos em exílio forçado no México.
Irmãos Nascimento
Estas são as imagens carimbadas pelo Departamento de Ordem Política e Social (Dops), órgão do governo brasileiro criado em 1924 e utilizado principalmente durante o Estado Novo e na Ditadura Militar. A família dos três irmãos era engajada na luta armada com a Vanguarda Popular Nacional, de Carlos Lamarca.
Quando o grupo foi preso, as crianças foram presas em conjunto. Ainda pequenos, presenciaram a tortura dos pais. Após esses acontecimentos, todos seguiram para o exílio, primeiro em direção à Argélia, depois para Cuba.
Houve punição para os crimes da ditadura?
Veja também nosso vídeo sobre o período da ditadura no Brasil!
Um dos grandes entraves para as condenações dos autores dos crimes da ditadura é a Lei da Anistia, de 1979, que determinou a não punição de ativistas e agentes do Estado pelas práticas de crimes durante a ditadura militar.
A criação desta lei foi o que abriu caminhos para a redemocratização do país e esteve dentro de um conjunto de medidas adotadas no contexto de abertura política do regime militar. Essa foi a estratégia utilizada por Geisel e continuada por Figueiredo, ambos presidentes do país durante a ditadura, pois somente anistiando os militares que cometeram crimes, o governo iniciaria o processo de transição democrática.
Apesar disso, o Ministério Público Federal (MPF) ingressou dezenas de ações criminais solicitando a condenação de agentes que cometeram crimes durante o regime, porém, ninguém foi punido.
Fora do país, o Estado brasileiro já foi condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) pelos crimes contra os guerrilheiros do Araguaia, do Pará, em 2010, e, também, pela ausência de investigação do assassinato do jornalista Vladimir Herzog, em 2018.
Com estas punições, o CIDH determinou que as Forças Armadas realizassem um ato de desculpas oficiais e declarasse o reconhecimento do erro nos casos, porém isso nunca ocorreu.
De todo modo, há uma lista extensa de acusados por crimes durante a ditadura, contudo, há um nome que se repete nas denúncias de repressão contra opositores, como é o caso do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra.
O coronel Ustra foi denunciado em, pelo menos, sete ações por diversos crimes durante a ditadura, todavia, o militar morreu sem receber punição. Em uma das ações, há o registro de uma investigação de sequestro e tortura de Crimeia Alice de Almeida, grávida de sete meses na época, teria sido torturada e violentada durante 25 dias. A ação do MPF diz que Crimeia foi submetida a sessões de espancamentos, choque nos pés e nas mãos, além de palmatórias e ameaças de ter seu bebê retirado de sua posse.
O último país a condenar os crimes da ditadura
A primeira condenação pelos crimes da ditadura só ocorreu 50 anos depois.
A Lei nº 6.683/79, Lei da Anistia, promulgada pelo governo militar, afetou a punição dos autores dos crimes durante todos esses anos. A Justiça de transição e a Comissão Nacional da Verdade surgiram como ferramentas de sistematização de informações, até então, ocultadas pelo regime militar.
Dessa forma, através destes órgãos, foi adotado um conjunto de ações, dispositivos e registros importantes para a divulgação de casos até então desconhecidos e na busca por justiça pelas vítimas das violências do regime.
A primeira condenação ocorreu em 2021, quando o delegado aposentado Carlos Alberto Augusto foi condenado a 2 anos e 11 meses de prisão pelo sequestro de Edgar de Aquino Duarte, caso documentado pela Comissão Nacional da Verdade.
Mas por que o delegado foi condenado, mas outros responsáveis por crimes não sofreram punições? O juiz Silvio César Arouck Gemaque interpretou este caso como crime continuado, portanto, o delegado não estaria protegido pela Lei de Anistia.
O Brasil segue sendo o país que menos julgou e puniu crimes da ditadura militar na América Latina.
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Como outros países lidaram com crimes da ditadura?
Cada país latinoamericano adotou maneiras diferentes para lidar com os crimes cometidos pelo governo militar. No entanto, a Comissão Nacional da Verdade do Brasil foi criada tardiamente, somente em 2012, em comparação com os demais países da região, que já haviam adotado o processo nas décadas de 1980 e 1990.
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A Argentina é considerada um modelo a ser seguido no que diz respeito à punição destes crimes. O país foi um dos poucos a revogar a Lei de Anistia que os militares aprovaram quando ainda estavam no poder. Além disso, o governo argentino condenou mais de 200 militares e civis envolvidos em prisões, torturas, desaparecimentos e mortes.
No país, a Comissão Nacional sobre o Desaparecimento de Pessoas (Conadep) foi criada em 1983 e, em nove meses, foram registrados mais de sete mil depoimentos e mais de 1.500 entrevistas de sobreviventes dos campos de detenção, servindo de base para duas mil denúncias.
O governo chileno também se destaca, pois as autoridades criaram comissões de investigação e apuração imediatamente após o fim do regime ditatorial, o que permitiu o reconhecimento dos desaparecidos e mortos rapidamente.
No Chile, a mobilização para punir os autores dos crimes começou antes mesmo de se encerrar a ditadura de Augusto Pinochet, que teve fim em 1990. A Comissão da Verdade sobre Prisão Política e Tortura do Chile foi criada em 2003 e, em 2011, o órgão registrou em relatório entregue ao então presidente Sebástian Piñera cerca de 40 mil vítimas oficiais da ditadura, sendo 3.225 mortos ou desaparecidos.
Apesar disso, o país também enfrenta dificuldades para julgar os autores destes crimes, pois crimes cometidos entre 1973 e 1979 estavam sob proteção da Lei da Anistia.
E aí, conseguiu entender a história dos crimes da ditadura militar? Conhece algum caso que não listamos aqui? Conta para a gente nos comentários!
Referências:
- HRW – Primeira condenação por crimes da ditadura no Brasil
- UOL – Após 53 ações, nenhum agente foi condenado por crimes na ditadura no Brasil
- AUS – Órgãos internos do MPF publicam nota sobre crimes cometidos durante a Ditadura Militar brasileira
- JusBrasil – Crimes da ditadura: militares podem ser processados?
- CNN Brasil – Comissão da Verdade, criada para apurar crimes da ditadura militar, faz 10 anos
- Memórias da Ditadura – O que é justiça de transição
- Carta Capital – 7 crimes que derrubam a tese de que a ditadura só perseguiu “terroristas”
- UESB – Pesquisa da Uesb evidencia porque Brasil demorou 50 anos para condenar crimes da ditadura
- BBC News Brasil – Brasil é país que menos julgou e puniu crimes da ditadura na região, diz historiadora argentina
- Brasil de Fato – Enquanto Chile segue punindo militares, Brasil se recusa a falar em ditadura
- UOL – Argentina é modelo na hora de punir crimes da ditadura, diz analista