Terraplanismo, movimento antivacina e negação do holocausto são exemplos de negacionismos que vêm sendo cada vez mais difundidos, especialmente nas redes sociais. Em um mundo repleto de fake news, desinformação e teorias da conspiração, cresce o número de movimentos que desconfiam da ciência. Entre eles está o negacionismo climático, objeto deste texto.
Siga com este conteúdo da Politize! para entender mais sobre a negação do aquecimento global ou das mudanças climáticas por fatores humanos.
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O que significa negacionismo?
Antes de compreender o negacionismo climático, é preciso estar ciente do que se quer dizer com o termo negacionismo. Geralmente, essa palavra é utilizada para se referir a contestações de consensos científicos a partir de argumentos pouco embasados.
De fato, a ciência não é construída a partir de verdades absolutas. Inclusive, Karl Popper, um dos mais influentes filósofos da ciência do século XX, estabelece a falseabilidade como característica fundamental dessa forma de conhecimento. Isso significa que uma teoria só pode ser considerada científica se existir a possibilidade de ela ser provada falsa quando submetida a testes.
Ocorre que, para contestar uma tese bem estabelecida cientificamente, é necessário criar teorias que expliquem a realidade melhor do que as atuais. Para tanto, deve-se utilizar o chamado método científico.
Uma característica do negacionismo é justamente não utilizar bem esse método, lançando mão de dados pouco consistentes para defender suas teorias, alguns dos quais não podem ser sequer testados e demonstrados.
Quando se aponta essa fragilidade, os negacionistas costumam recorrer à estratégia de descredibilizar os cientistas, acusando-os de possuir interesses escusos ou de defender uma determinada agenda política.
A ciência tem um método próprio, mas como a política impacta a produção científica? Saiba mais neste conteúdo: Como os cientistas fazem política?
Por que é importante entender o negacionismo climático?
Diferentemente de negacionismos como o terraplanismo, que em geral é quase inofensivo, o negacionismo climático pode ter consequências graves.
Caso nada seja feito em relação à emergência climática, fenômenos como o aumento do nível dos oceanos e a maior frequência de eventos climáticos extremos (ondas de calor intenso, chuvas bem acima da média, etc.) causarão fortes impactos sobre a humanidade em relativamente pouco tempo.
Segundo o Observatório do Clima, dados do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) mostram que o nível do mar subiu 20 cm entre 1901 e 2018. A taxa de aumento observada é a maior dos últimos 3 mil anos. Quanto ao aquecimento global, é provável que a elevação da temperatura chegue a 1,5 oC em relação aos níveis pré-industriais antes da metade deste século.
Além disso, os modelos estatísticos apontam que a quase totalidade dessas alterações resulta de atividades humanas como a emissão de gases-estufa (CO2, CH4, N2O, entre outros). Portanto, para evitar problemas futuros, é necessário reduzi-la, buscando, por exemplo, fontes de energia renováveis em substituição à queima de combustíveis fósseis.
O carvão, o petróleo e o gás natural ainda ocupam uma posição de destaque na matriz energética de muitos países, o que torna a transição energética um grande desafio a ser enfrentado em escala mundial.
Como surgiu o negacionismo climático?
Durante os anos 1990, começaram a surgir as principais evidências de que as ações do ser humano estavam impactando o clima global. No início, parte dos pesquisadores teve uma postura mais cética, creditando as alterações observadas a fatores naturais.
Porém, com o tempo, as medidas e os modelos foram se tornando mais complexos, robustos e precisos, o que levou à formação de um consenso científico acerca da origem humana das mutações climáticas.
Como os fatos constatados poderiam ser incômodos para certas empresas detentoras de grande poder econômico, como as do setor petrolífero, seus dirigentes passaram a pensar em estratégias centradas em lançar dúvidas sobre as novas descobertas.
Assim, nem toda a população as reconheceria como verdadeiras e a pressão política para regulações visando mitigar a emissão de CO2 atingiria esses grupos empresariais com menor intensidade.
A própria adoção do termo “mudanças climáticas”, mais brando em relação ao “aquecimento global” usado anteriormente, foi parte de uma tática de Frank Luntz, psicossociólogo e estrategista ligado ao Partido Republicano nos Estados Unidos.
Quer entender mais sobre o combate às mudanças climáticas? Confira o conteúdo do Projeto Direito ao Desenvolvimento: Como combater as mudanças climáticas? Conheça as metas do ODS 13!
Com sua grande capacidade retórica e de compreensão linguística, Luntz ajudou a desenvolver uma falsa controvérsia que convenceu parcela significativa da população americana de ideias sem respaldo acadêmico e intelectual. Veja a seguir algumas delas:
- A ciência do clima permanece completamente incerta;
- Os ambientalistas formam apenas mais um lobby entre os vários existentes;
- O IPCC é uma tentativa de dominação por parte de cientistas;
- A ecologia é simplesmente um ataque à modernização e ao desenvolvimento econômico.
Quer entender mais sobre o papel dos créditos de carbono na ação contra as mudanças climáticas? Confira o conteúdo do Projeto Direito ao Desenvolvimento: O que são créditos de carbono e como ajudam na ação contra as mudanças climáticas?
Impacto político do negacionismo climático
Essas ideias logo causaram impactos reais na política dos EUA. Um exemplo foi a eleição presidencial de 2000, disputada entre o republicano George W. Bush, filho do ex-presidente George H. W. Bush, e o democrata Albert Gore Jr., então vice de Bill Clinton.
Além de político e empresário, Al Gore é ambientalista e defendeu, durante a campanha, políticas voltadas à mitigação das mudanças climáticas. Isso lhe rendeu diversos ataques de seu adversário na corrida à Casa Branca, que classificou o discurso de defesa do meio ambiente como exagerado, argumentando que as medidas propostas destruiriam empregos.
Em uma das disputas mais acirradas da história, após contestação judicial e recontagem de votos na Flórida, Bush foi declarado vitorioso. A diferença de votação no estado foi de apenas algumas centenas de votos, quantidade suficiente para dar ao republicano a vitória no Colégio Eleitoral, obtendo 271 delegados contra 266 do democrata.
O negacionismo climático até hoje influencia as eleições no país. Se antes algumas discussões válidas ainda pautavam o debate político, como a comercialização ou não de créditos de carbono, hoje, com o aumento da polarização, algumas lideranças de peso têm adotado discursos cada vez mais negacionistas em relação ao clima.
O exemplo mais conhecido é do ex-presidente Donald Trump. Logo no início de seu mandato, em 2017, o chefe de Estado anunciou a saída dos EUA do acordo de Paris.
O tratado, assinado em 2015 na capital francesa, estabelece metas para a redução de emissões e visa limitar o aumento da temperatura global a 1,5oC, algo que os cientistas já consideram improvável. Com a eleição de Joe Biden em 2020, os EUA se reintegraram ao acordo no ano seguinte.
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Representantes do negacionismo climático
Os negacionistas climáticos formam um grupo heterogêneo, pois não há uma entidade científica que defenda essa visão, nem um grupo que reúna todos os seus adeptos, os quais tendem a utilizar argumentos distintos ou até mesmo incompatíveis entre si.
Apesar disso, existem algumas ideias mais recorrentes no discurso adotado por essa forma de negacionismo, como as listadas na seção sobre seu surgimento. Embora não constituam um grupo homogêneo, alguns indivíduos e instituições se notabilizaram pela defesa desses posicionamentos.
Um exemplo é o Heartland Institute. Sediado em Illinois, EUA, o think tank conservador já manifestou outras posições anticientíficas, como a contestação do prejuízo causado pelo fumo passivo à saúde, posicionando-se favorável à fabricante de cigarros Philip Morris.
No Reino Unido, um dos nomes mais conhecidos pela negação do papel humano nas mudanças climáticas é o meteorologista Piers Corbyn, irmão do ex-líder do Partido Trabalhista britânico Jeremy Corbyn.
Piers afirmou em entrevista à TalkTV que o aumento da concentração de CO2 na atmosfera é, na verdade, consequência do aquecimento global, e não sua causa, contrariando a ampla maioria dos estudiosos da área.
No programa, defendeu ainda que seria desejável ter mais gás carbônico no planeta, o que aumentaria o tamanho das plantas, gerando um boom agrícola, e atribuiu a preocupação com as mudanças climáticas a narrativas da mídia, considerada por ele um agente “globalista” que deseja controlar a população.
Existe negacionismo climático no Brasil?
Segundo pesquisa do Datafolha, em 2010, 90% dos brasileiros já haviam ouvido falar em aquecimento global e 75% consideravam que as atividades humanas contribuem muito para o fenômeno. Já um levantamento de 2019 do mesmo instituto apontou que 85% das pessoas no país acreditam que o planeta está ficando mais quente.
Embora os dados mostrem que a maior parte da população não nega as alterações do clima, isso não quer dizer que não exista negacionismo climático no Brasil.
Um exemplo de grupo que o promove é o Instituto Plínio Corrêa de Oliveira. A associação católica ultraconservadora foi responsável pela publicação do livro Psicose Ambientalista – Os bastidores do ecoterrorismo para implantar uma “religião” ecológica, igualitária e anticristã, de Dom Bertrand de Orléans e Bragança, descendente da família imperial.
Além disso, o instituto já ofereceu palestras de negacionistas das mudanças climáticas. Um dos palestrantes mais conhecidos é Ricardo Felício, meteorologista e professor da Universidade de São Paulo.
Seus argumentos já foram contestados por diversos acadêmicos e divulgadores científicos, com destaque para Paulo Miranda Nascimento, mais conhecido como Pirulla, que possui um canal de divulgação da ciência no YouTube com mais de 1 milhão de inscritos.
Mestre e doutor em zoologia também pela USP, ele já publicou diversos vídeos em resposta às teses de Felício, respaldado por dados, estudos e opiniões de especialistas.
Postura do governo Bolsonaro em relação ao meio ambiente
O governo Jair Bolsonaro (2019-2022) foi muito criticado pela gestão ambiental. A administração do ex-presidente, que chegou a tratar a pressão para tomar medidas sobre as mudanças climáticas como um “jogo comercial”, ficou marcada pelo aumento nos índices de desmatamento na Amazônia e pelo sucateamento de órgãos ambientais, especialmente o Ibama.
Em uma reunião ministerial de 2020, o ex-ministro do meio ambiente Ricardo Salles sugeriu aproveitar o momento de maior atenção midiática à pandemia de COVID-19 para “ir passando a boiada”, isto é, flexibilizar e simplificar vários regulamentos ambientais.
E aí, conseguiu entender o que é negacionismo climático? Conte-nos nos comentários!
Referências:
- Britannica: United States presidential election of 2000;
- Exame/Paul Krugman: A perversidade da negação climática;
- FIA Business School: Negacionismo climático: o que é, argumentos e consequências;
- Jean Carlos Hochsprung Miguel: A “meada” do negacionismo climático e o impedimento da governamentalização ambiental no Brasil;
- LATOUR, Bruno. Diante de Gaia – oito conferências sobre a natureza no antropoceno. Tradução de Maryalua Meyer. São Paulo: Ubu Editora, 2020.
- Observatório do clima: IPCC AR6 WG1: resumo comentado.