Na história recente, nenhuma palavra esteve tão em alta como “polarização“. Ao pensar nela na atualidade, é praticamente impossível desassociá-la da política e sociedade, afinal, há sempre uma pressão pela escolha de lados.
Embora não necessariamente a palavra tenha uma conotação negativa, hoje em dia ela é empregada no contexto de disputa entre grupos fiéis às suas convicções e pouco – ou nada – dispostos ao diálogo. Em tempos em que tudo parece ser urgente, estranho é aquele que não tem uma opinião formada sobre tudo.
Veja também: origens da polarização e como ela afeta as relações sociais
A polarização não é novidade
A coexistência de opiniões opostas não é uma novidade. A História nos mostra que, tanto no cenário mundial, como no nacional, a polarização foi protagonista de grandes dispustas e mudanças no seio social. Um exemplo de polarização no Brasil é o bipartidarismo instituído durante a ditadura militar. Naquela época, as disputas políticas permitidas ocorriam apenas entre os partidos Arena e MDB.
Leia também: Ditadura Militar no Brasil
No entanto, é um consenso entre cientistas políticos contemporâneos que o aumento da intolerância tem impedido pessoas de conviverem harmonicamente com o diferente.
É possível, porém, a reconstrução de um canal de comunicação menos inflamado e autoritário.
Pensando nisso, a Politize! separou cinco dicas para fugir da polarização (e situações sociais desagradáveis!):
1. Entenda suas limitações
Para o ser humano, a compreensão de mundo é, naturalmente, limitada.
Tudo o que as pessoas conhecem, gostam, sentem e pensam são frutos de experiências pessoais de vida.
Genética, formação da personalidade, valores do grupo em que se está inserido, habilidades pessoais e o ambiente em que vivem: todos estes elementos têm papel fundamental e constante na formação de indivíduos.
Por isso, as convicções são sempre parciais, mesmo que inconscientemente (e está tudo bem!).
Compreender essa limitação permite o desenvolvimento da tolerância e compreensão, uma vez que, felizmente, sempre haverá algo a aprender com o outro.
Sócrates, aliás, há bons séculos, aconselha o exercício reflexivo: “Conhece-te a ti mesmo”. Ou seja, é mais sábio aquele que reconhece sua própria ignorância.
2. Aceite as divergências
A internet tem se revelado como um grande obstáculo à tolerância com o diferente, né?
Este ambiente, por estratégia de marketing e mercado de consumo, só apresenta perfis e informações alinhadas aos gostos e ideologias pessoais de cada um. Isso porque, normalmente, só se interage virtualmente com aquilo que desperta interesse.
Porém, é fundamental a lembrança de que há muitas pessoas diferentes na sociedade, com experiências de vida distintas e formas diversas de enxergar o mundo.
Aceitar a pluralidade permite que, por meio de uma comunicação respeitosa, novas ideias surjam. Se todos fossem iguais, muitas das grandes invenções da humanidade não existiriam.
A diferença estimula o crescimento e o amadurecimento dos indivíduos e da sociedade democrática.
Veja também: O que é uma democracia liberal?
3. Busque interesses em comum
Buscar interesses em comum pode ser uma ótima ferramenta de aproximação no debate. Normalmente, as pessoas tendem a ser mais respeitosas e empáticas quando se sentem confortáveis e pertencentes ao grupo.
Dentro do espectro político-ideológico, por exemplo, há dezenas de nuances entre os polos da extrema direita e da extrema esquerda. Isso significa que é possível concordar parcialmente com algumas pautas ideológicas da direita e, em outros casos, preferir a ideologia da esquerda (ou vice-versa).
A boa notícia é que a grande maioria das pessoas se encontra justamente entre os extremos – e não dentro deles. A maioria, portanto, prefere o caminho do equilíbrio ao dos radicalismos.
Assim, é provável que, com empenho mútuo, se descubra pontos de concordância no diálogo.
4. Estimule o diálogo de pessoas com ideias diferentes
Estar em contato com pessoas que pensam diferente de nós pode parecer desafiador num primeiro momento, mas é somente a partir deste encontro de ideias que novas possibilidades podem surgir.
A discordância é natural e inerente a uma democracia. É preciso, porém, enxergar o adversário com legitimidade, compreendendo que há regras comuns e limites ao debate.
Dessa forma, a disputa sempre será igualitária: perdas e ganhos serão aceitos por ambos os lados, fugindo-se da ideia de “luta do bem contra o mal”.
Não podemos nos esquecer, a propósito, que a Constituição Federal garante em seu artigo 5º, incisos IV e IX, a livre manifestação do pensamento e da expressão intelectual.
Logo, todas as ideias são válidas e bem-vindas, desde que não firam direitos humanos e liberdades individuais do outro, especialmente a dignidade da pessoa humana, um dos fundamentos da ordem constitucional (artigo 1º, III, da Carta Política).
Leia também: O que é liberdade de pensamento?
5. Desmistifique o debate
Por fim, mas não menos importante, desmistifique o debate!
O filósofo Paul Valéry (1871-1945) há tempos propôs uma ferramenta que continua atual: a limpeza da situação verbal.
Em linhas gerais, Valéry defendia que, antes de se adentrar ao conteúdo do debate, deve-se procurar compreender o significado de cada palavra ou frase dentro de um contexto.
Uma má compreensão pode gerar graves consequências de comunicação e impactar diretamente as relações sociais. Já pensou sobre isso?
Hoje em dia, muito se fala sobre direita, esquerda, liberalismo, socialismo, comunismo, capitalismo, fascismo e quase nada se sabe sobre seus verdadeiros significados.
Os termos são propagados como verdadeiras lendas de terror em prol do jogo político, afastando-se, assim, de suas origens e significados teóricos.
A consequência disso é clara: medo generalizado, urgência na escolha de lados e adoção de narrativas fantasiosas de luta do bem contra o mal.
Buscar o verdadeiro significado das palavras e suas aplicabilidades no cenário brasileiro pode ser um excelente mecanismo para tornar o diálogo claro e possível – afinal, invocar argumentos de terror e autoridade engessam o debate por completo.
A vida em sociedade é plural e democrática, o que exige que escolhas sejam feitas. Conviver com o diferente pode ser natural e muito produtivo, basta saber conduzir o diálogo.
E aí, entendeu como você pode despolarizar o debate? Conta o que achou nos comentários! E aproveita para compartilhar com aquelas pessoas que você acha que precisam ler!
Referências
- Constituição Federal de 1988
- Descomplica – Autoritarismo: entenda tudo! | Quer que desenhe
- Folha de S. Paulo – Como prevenir e reduzir a polarização?
- Folha de S. Paulo – Lava Jato, PT, nova direita e identitários questionaram direito e instituições, diz ensaísta
- PIMENTEL, Brutus Abel Fratuce. “Paul Valéry: estudos filosóficos”. 2008. 187 f. Tese de Doutorado em Filosofia apresentada perante a Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, São Paulo, sob orientação da Profa. Dra. Olgária Matos, 2008.
- Politize! – Autoritarismo: 3 pontos para reconhecer um governo autoritário
- Politize! – Bipartidarismo: entenda o que foi este sistema político no Brasil
- Politize! – Capitalismo: entenda como funciona esse sistema de produção!
- Politize! – Comunismo: 4 pontos para entender este conceito
- Politize! – Ditadura Militar no Brasil
- Politize! – Espectro Político: só existem esquerda e direita?
- Politize! – Esquerda e direita: o que dizem história e teoria
- Politize! – Fascismo: entenda o conceito
- Politize! – Liberalismo: entenda essa corrente política
- Politize! – O que é democracia? Aprenda agora em até 10 minutos
- Politize! – O que é liberdade de pensamento?
- Politize! – O que é polarização e por que é prejudicial à democracia?
- Politize! – O que é socialismo?
- Politize! – O que é uma democracia liberal?
- Politize! – Polarização Política e suas implicações nas eleições presidenciais
- Super Interessante – Quem foi Sócrates?
2 comentários em “5 dicas para fugir da polarização no debate”
Olá Mariana, tudo bem?
Parabéns pela matéria.
Gostaria de deixar uma sugestão. O espectro plítica entre Esquerda – Direita, elaborado por você, passa a impressão que os extremos são parecidos ( a tal teoria da ferradura) e sabemos que isso não é verdade. No polo mais distante do centro para esquerda, teríamos o Comunismo (busca da emancipação dos povos – Domenico Losurdo). Já no polo mais distante do centro para a direita, temos o fascismo (aniquilação das raças).
Talvez seja válido dar uma editada em busca de uma analogia que fuja da ideia de proximidade entre os polos citados.
Agradecido.
O comunismo prega a emancipação dos povos? Talvez só na teoria do castelo de nuvens dos livros empoeirados de Karl Marx. Na prática, os regimes socialistas (que almejavam, em teoria, ser comunistas) empreenderam expurgos e medidas higienistas em relação aos “indesejáveis” e aqueles que não queriam a revolução. Isso não é muito diferente do que um regime fascista, que busca o extermínio de uma etnia para se buscar a revolução também. Ou seja, os dois extremos têm suas diferenças, é claro, mas também tem suas semelhanças. Até porque, afinal, são extremos.