Piso salarial: definição e implicações

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A pandemia do novo coronavírus reacendeu um debate histórico no Brasil – o do piso salarial.

Ao longo dos anos, pudemos acompanhar a luta judicial e a trajetória dos enfermeiros pela definição de um piso salarial que correspondesse às condições de seu trabalho, especialmente após combaterem em linha de frente a emergência sanitária que assolou o mundo de 2020 a 2023.

Apesar de muito ter sido dito, poucos sabem as principais características do piso salarial. Tendo isso em vista, a Politize! preparou um texto para facilitar a compreensão do leitor sobre o tema.

Greve dos enfermeiros pelo piso salarial no Hospital da Restauração, em Recife. Imagem: Jornal C

Definição de piso salarial

Segundo Luciana Morilas, professora da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo, o piso salarial pode ser entendido como uma faixa de remuneração que permite, para uma categoria de trabalhadores, a valorização de seu trabalho na sociedade.

Ainda de acordo com a pesquisadora, as variações do piso salarial estão relacionadas à extensão e à complexidade de cada função desempenhada pelos profissionais. Desse modo, quanto mais complexo um trabalho, maior tende a ser o valor do piso a ele destinado.

Salário mínimo e piso salarial: qual é a diferença?

Por se tratar de quantidades padronizadas, é comum que se confunda o salário mínimo com o piso salarial. Porém, há diferenças consideráveis entre eles. Vamos entendê-las.

De acordo com o inciso IV do Art. 7º da Constituição Federal, o salário mínimo é o pagamento a ser feito a todos os trabalhadores com o intuito de que eles possam garantir a satisfação de suas necessidades vitais básicas e as de sua família. Entre elas moradia, alimentação, vestuário, lazer, higiene, transporte e previdência social.

Além disso, o texto da Constituição também prevê o reajuste periódico do salário mínimo para assegurar o poder de compra dos trabalhadores. Dessa maneira, eles podem manter seu padrão de vida apesar da flutuação dos preços que eventualmente ocorrem no ano.

Em resumo, o salário mínimo é a remuneração nacionalmente unificada que garante que os assalariados no país possam adquirir os bens básicos para a sua existência.

O piso salarial, por outro lado, é um referencial de remuneração para determinadas categorias de trabalho. Ademais, ele leva em conta o quão complexa e extensa pode ser uma atividade, e não o mínimo necessário para a sobrevivência de cada indivíduo que trabalha. Tendo isso em vista, o piso salarial pode se alterar conforme muda o tipo de função.

Por exemplo, a função médica, por necessitar de muitos conhecimentos técnicos e teóricos, é mais complexa do que outras. Logo, seu piso salarial geralmente é maior. Na próxima seção, falaremos sobre os pisos salariais de algumas profissões regulares no Brasil. Continue na leitura!

Veja também nosso vídeo sobre salário mínimo!

Profissões e seus pisos salariais

Para além da função efetuada pelos médicos e enfermeiros, outra que possui um peso muito grande para a sociedade é a dos profissionais da educação. Segundo o ministro Camilo Santana, com a valorização dos professores e da educação em geral, pode-se garantir melhores condições de desenvolvimento e crescimento para o Brasil.

Isso foi dito após a aprovação do reajuste do piso salarial dos docentes em janeiro de 2023, que passou a ser R$ 4.420,55 segundo o Diário Oficial da União (DOU) do dia 17 de janeiro de 2023.

O valor anterior era somado em R$ 3.845,63, fazendo com que a nova quantia represente uma correção de 14,9% no piso salarial dos professores.

Mas de onde vem esse número? Como é realizado seu cálculo? Para a docente mencionada acima, a definição do piso salarial não envolve uma fórmula fixa, e por isso chegar a um valor específico é uma tarefa complicada. Ainda assim, para o caso dos professores, o MEC possui algumas informações pertinentes a serem consideradas.

Conforme exposto na página do ministério, o piso salarial do magistério é calculado tendo por base o valor aluno-ano do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb). O valor do aluno, por sua vez, é a quantia mínima repassada do Fundeb para cada matrícula na educação básica por um ano.

Ademais, os recursos são provenientes da arrecadação de Estados, Municípios e, em casos complementares, da União.

Brevemente, estas são outras profissões e seus respectivos pisos salariais regulamentados no Brasil:

· Farmacêuticos: R$3.761 para 30 horas semanais;

· Nutricionistas: R$3.100 para 40 horas semanais;

· Jornalistas: R$4.121,60 para 5 horas diárias em jornais e revistas;

· Trabalhadores da construção civil: 1.793,89 para 44 horas semanais sem qualificação.

História do piso salarial

Em termos legislativos, o piso salarial nasceu no contexto da Constituição Federal de 1988, que foi promulgada visando promover princípios e valores fundamentais para se construir uma sociedade plural, livre, justa e harmônica após os excessos e crimes da ditadura militar no Brasil.

Em seu segundo capítulo, ela se refere aos direitos sociais, e no artigo 7°, estabelece os direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, entre os quais o salário mínimo e o piso salarial.

No entanto, o processo histórico que culmina com a definição dos pisos salariais de cada profissão é mais complexo, e cada categoria enfrenta entraves e condições específicas para determinar os valores a serem pagos.

Um exemplo recente é a instituição do piso salarial da enfermagem no âmbito da pandemia. Em março de 2020, o projeto foi apresentado ao Congresso com urgência negada. Em novembro do ano seguinte, após meses parado, foi aprovado pelos senadores e o piso foi acordado no equivalente a R$ 4.750,00.

Em maio de 2022, depois de aprovado por 449 votos contra 2, o projeto tem sanção presidencial negada. Em julho do mesmo ano, por conseguinte, se apresenta a PEC 11/2022 instituindo o piso nacional, aprovada por 425 votos contra 7. Em agosto de 2022, por fim, o presidente volta atrás e acaba sancionando o projeto que primeiramente tramitou no Congresso.

Em setembro de 2022, contudo, o STF suspendeu liminarmente o piso. O estado atual da luta judicial indica que o STF reconheceu a constitucionalidade da Lei, porém a submeteu a certas condições.

Argumentos a favor e contra o piso salarial

O debate acalorado em torno dos encargos que poderiam surgir da definição do piso salarial tem suscitado posições diversas entre os atores políticos brasileiros. Apesar de grande parte de o Congresso ter sinalizado uma recepção positiva da proposta, ainda há aqueles que se colocam contra ela. Inclusive, a suspensão da lei pelo STF foi acatada como resposta à solicitação feita pelo Conselho Nacional dos Municípios (CNM).

Nesse sentido, o que alegam os setores favoráveis e desfavoráveis à lei? Nessa seção o leitor poderá entender melhor os argumentos de ambas as partes.

Primeiramente, os que se dizem favoráveis à proposição do piso argumentam que não se trata de um projeto inconstitucional, já que ele está amparado pela Emenda Constitucional 124, a qual prevê o estabelecimento do piso na Constituição. Essa é a opinião da deputada Carmen Zanotto (Cidadania-SC), que também foi relatora da proposta que deu origem à lei.

Além disso, trata-se de uma proposta cujo objetivo é valorizar uma profissão arriscada e com função social indispensável, como pudemos ver durante a pandemia da COVID-19.

Em contraste, os parlamentares e demais atores políticos que se posicionam contra o estabelecimento do piso salarial enfatizam que ele pode gerar uma pressão orçamentária muito grande aos Estados e Municípios e, por conseguinte, comprometer as medidas de contenção de gastos públicos.

Essa é a opinião de Tiago Mitraud (Novo-MG), o qual tem destacado que os resultados da lei podem aumentar o desemprego para a categoria e piorar os serviços de assistência médica.

Legislação pertinente que configura o piso salarial

O piso salarial, a despeito de variar entre as diferentes categorias de trabalho, possui uma legislação específica que o regulamenta em todo país: a lei complementar 103/2000.

Segundo o que consta na Lei complementar, podemos afirmar que os Estados e o Distrito Federal ficam autorizados a instituir, por meio de lei de iniciativa do Poder Executivo, o piso salarial existente no inciso V do art.7º da Constituição Federal para os empregados que não tenham piso salarial definidos em lei federal.

Simplificando, caso haja profissões que não tenham pisos salariais definidos através de leis federais, isto é, aquelas instituídas pela federação, Estados e o Distrito Federal estão autorizados a o fazer por meio de leis estaduais e de iniciativa do Poder Executivo.

Meios para aumentar, criar ou extinguir piso salarial

De forma geral, todos os procedimentos que tenham como objetivo aumentar, criar ou extinguir pisos salariais devem possuir base legal sólida porque se tratam de leis a serem votadas e aprovadas. No entanto, é a sociedade organizada que propõe, discute e avalia a possibilidade de se adotar e modificar o piso salarial conforme necessitam os trabalhadores.

Nesse sentido, o ator social e político que melhor consegue intermediar as propostas de criação e de aumento dos pisos salariais é o sindicato, cuja função é representar o interesse dos assalariados.

Os sindicatos podem definir os pisos salariais por meio de acordos e convenções coletivas com o patronato.

Greves históricas motivadas pelo piso salarial

Diante dos acontecimentos em torno da luta por melhores condições de trabalho, a categoria dos enfermeiros construiu greves e paralisações de alcance nacional em 2022 e 2023. Apesar disso, os profissionais da educação também possuem um histórico de lutas gerais há anos e sob os distintos governos no Brasil.

A mobilização coletiva das distintas categorias em conjunto com a atuação dos sindicatos é um fator essencial para a efetivação das leis que regulam o piso salarial, bem como outros direitos fundamentais.

Mais recentemente, o magistério realizou uma greve de alcance nacional tendo como pano de fundo o reajuste do piso salarial. Professores de diferentes regiões do Brasil, inclusive do Distrito Federal, reivindicaram também melhores condições de trabalho, convocação de professores concursados e uma solução política para o problema de superlotação das salas de aula.

Segundo os profissionais da categoria, o reajuste não ocorria desde 2015, e desde então o país foi assolado por uma inflação crescente.

No Distrito Federal, a proposta do senador Ibaneis Rocha (MDB) era a de um reajuste de 18%. Entretanto, ainda com essa correção não seria possível cobrir a inflação do período de 2015 a 2023.

Assembléia dos Professores no estacionamento da Funarte, Distrito Federal. Imagem: Brasil de Fato

No que se refere à luta dos profissionais da enfermagem, a motivação inicial pela definição do piso foram as condições de trabalho durante a pandemia da COVID-19.

De acordo com o estudo intitulado Óbitos de médicos e das equipes de enfermagem por Covid-19 no Brasil: uma abordagem sociológica, publicado na revista Ciência & Saúde Coletiva em janeiro de 2023, cerca de 80% dos enfermeiros ou técnicos de enfermagem mortos em decorrência do vírus tinham menos de 60 anos.

A percentagem relativa aos médicos se inverte: cerca de 75% tinham mais que 60 anos. Os motivos para essa inversão, segundo constatado no artigo, diz respeito aos tipos de vínculos trabalhistas em cada profissão.

Por consequência, profissionais da área em diferentes estados construíram greves e paralisações gerais ao longo de 2023. Regiões como RJ, DF, RS, PR e CE mostraram-se as mais combativas nesse período, porém as movimentações atingiram níveis nacionais. Em alguns casos, a resposta estatal foi repressiva: evidências de ações violentas da Polícia Militar foram recorrentes e intensas, sobretudo no DF.

Desafios em relação ao piso salarial

Desigualdade de gênero

Segundo uma pesquisa do Gartner, uma renomada empresa de consultoria, 72% dos líderes de remuneração afirmam que a alta direção das organizações onde atuam considera a equidade salarial uma prioridade alta ou muito alta. Esse dado evidencia um crescente reconhecimento da importância de abordar as disparidades salariais de gênero nas empresas.

Essa mudança de perspectiva é essencial para promover um ambiente de trabalho mais equitativo e justo. Uma abordagem eficaz para alcançar essa meta é estabelecer um piso salarial para cada categoria, o que pode contribuir significativamente para diminuir as disparidades salariais entre homens e mulheres.

Apesar de ser uma medida importante para garantir salários justos, nem todas as categorias profissionais têm um piso salarial definido. Isso ocorre devido a uma série de fatores, como a falta de regulamentação , a ausência de sindicatos atuantes ou a dificuldade em estabelecer acordos entre os envolvidos.

Falta de regulamentação

No Brasil, o Ministério do Trabalho e Emprego regulamenta somente 79 profissões, o que constitui uma pequena fração das mais de 2 mil ocupações reconhecidas em todo o país.

O cenário das profissões no Brasil pode ser dividido em três categorias distintas: 47% delas são fiscalizadas por Conselhos de Classe, 18% possuem registro profissional no Ministério do Trabalho e Emprego, enquanto 35% delas não estão sujeitas a qualquer forma de intervenção por parte do Estado.

A regulamentação de profissões no Brasil envolve a criação de leis que passam pela análise do Congresso Nacional e pela sanção da presidência da república. É fundamental entender que a regulamentação não implica que profissões não regulamentadas sejam atividades ilegais.

Isso se deve ao fato de que a Constituição Federal assegura a liberdade de exercer qualquer trabalho, ofício ou profissão, contanto que se atendam às qualificações estabelecidas em lei.

Inciso XIII do Art. 5º:

XIII – é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer;

No entanto, a regulamentação das profissões traz vantagens tanto para os profissionais quanto para a sociedade como um todo. Essa regulamentação estabelece diretrizes essenciais, incluindo a garantia de carteira profissional, a definição de piso salarial, formação necessária e a jornada de trabalho.

A regulamentação traz consigo uma série de benefícios, incluindo:

  1. Fiscalização e exigências legais para garantir a qualidade e eficiência dos serviços prestados;
  2. Estabelecimento de critérios de qualificação, que determinam as áreas específicas de atuação e os diferentes níveis de formação, abrangendo técnicos, tecnólogos e bacharéis, por exemplo;
  3. Proporciona segurança jurídica tanto para os profissionais dessa área quanto para os consumidores dos serviços prestados;
  4. Define condições de trabalho e remuneração justa, assegurando uma remuneração condizente com a atividade;
  5. Valoriza a profissão, tornando-a mais reconhecida e respeitada;
  6. Facilita a criação de grupos e organizações que oferecem apoio e suporte aos profissionais dessa área, fortalecendo a comunidade profissional e promovendo um ambiente colaborativo.

Desvalorização dos profissionais

Atividades mais recentes na sociedade, como design e áreas de tecnologia, frequentemente não possuem um piso salarial definido, havendo, em vez disso, apenas sugestões salariais. No entanto, mesmo profissões que existem há mais tempo podem sofrer com a falta de regulamentação, o que resulta na desvalorização dos profissionais. Isso afeta, em particular, profissões historicamente desvalorizadas, como gari, babá e professores.

Um problema persistente diz respeito aos professores, que possuem um piso salarial estabelecido por lei federal desde 2008. Contudo, muitos governadores e prefeitos ainda não cumpriram o valor mínimo, justificando a escassez de recursos como razão para tal descumprimento.

Exemplos de profissões não são regulamentadas são: fisioterapeutas, assistentes sociais, terapeutas ocupacionais, chefes de gastronomia, turismólogos, quiropraxistas, babás, acupunturistas, vigias, DJs e profissionais de TI.

Segundo a Agência Senado, também existem profissões que têm projetos de lei no Senado buscando regulamentação, como despachante documentalista, doulas, garis, instrumentadores cirúrgicos, podólogos, repórteres cinematográficos, salva-vidas, profissionais de secretariado, terapeutas naturalistas e transcritores e revisores de braile.

O papel dos sindicatos

A atuação dos sindicatos na negociação do piso salarial é de extrema importância. Eles atuam como representantes dos interesses dos trabalhadores, buscando estabelecer acordos justos com os empregadores, além de fiscalizarem e ampararem os profissionais.

Os sindicatos têm a missão de proteger os profissionais, e o fazem por meio da negociação coletiva. Dessa forma, buscam assegurar a valorização do trabalho e a conquista de condições salariais e de trabalho melhores para os profissionais de uma determinada categoria.

Veja também: “Como Funcionam os Sindicatos no Brasil?”

Conclusão

A despeito da particularidade das condições políticas concretas de cada estado, a luta pelo piso salarial da enfermagem no Brasil tomou proporções gigantescas, o que a configurou como uma mobilização histórica pela busca de um direito trabalhista fundamental. Portanto, podemos afirmar sem dúvidas que o piso salarial gerou muitas polêmicas ao longo de todo o espectro político. No entanto, o essencial é que saibamos o que ele é de fato e quais suas bases legais.

Conseguiu entender melhor o que é piso salarial? Manda pra gente suas opiniões e dúvidas!

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Conteúdo escrito por:
Sou estudante de jornalismo, apaixonada por política e história. Acredito na educação e comunicação como ferramentas de transformação social.
Menezes, Ana; Tronco, Gustavo. Piso salarial: definição e implicações. Politize!, 19 de outubro, 2023
Disponível em: https://www.politize.com.br/piso-salarial/.
Acesso em: 2 de dez, 2024.

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