Já parou para pensar em como surgiu o conceito de bruxaria e em como isso culminou na caça às bruxas na antiguidade?
As maiores vítimas da perseguição foram as mulheres e é apontado um papel social nessa história.
Continue acompanhando esse texto para entender algumas teorias acerca do assunto e em como isso repercute ainda hoje.
Como surgiu o conceito de bruxaria e como isso reflete hoje
Os conceitos de bruxaria variam de acordo com a realidade sociocultural de cada localidade e de cada época.
Em algumas culturas a bruxaria tem importância na comunidade e está presente na religião local.
Em algumas outras culturas existem diferentes tipos de magia e bruxaria.
As acusações de bruxaria e as penalidades sucedentes também estão extremamente atreladas às determinações religiosas de cada cultura.
É difundida a ideia que um dos motivos para o surgimento da demonização humana fosse a necessidade de culpar alguém pelas diversas mazelas que acometiam as pessoas.
Isso se deve, de certa maneira, a falta de conhecimento científico da época.
A partir da Renascença no século XIV as crenças sociais, especialmente europeias, culminaram em uma perseguição sistematizada.
Entretanto precebe-se uma certa uniformidade na visão de bruxaria independentemente das diferenças geográficas e de tempo.
Por mais que alguns homens fossem acusados de feitiçaria, o perfil traçado como padrão de bruxaria era em sua maioria de mulheres.
Alguns estudiosos apontam que existe uma paridade na genética humana e que isso faz com que tenhamos estruturas mentais bem parecidas.
Essas estruturas mentais podem produzir arquétipos parecidos mesmo que em regiões muito diferentes.
Logo alguns desses arquétipos similares entre o europeu e o não-europeu derivam do colonialismo.
A bruxaria na Europa passou a se diferenciar mais das outras a partir do século XV graças a influência do cristianismo.
Motivos do surgimento da caça às bruxas
Uma teoria muito difundida, através da comunidade médica, é que a caça às bruxas foi resultado de uma doença nervosa que acometeu os camponeses que enlouqueceram na época.
Já os historiadores sociais apontam que a perseguição de pessoas que eram acusadas de bruxaria tinha uma função social.
Algumas estudiosas, como Silvia Federici, defendem que essa função social era a divisão sexual do trabalho. Essa divisão mantinha as mulheres em um estado de subserviência e com o trabalho não remunerado (como o trabalho doméstico e de cuidados).
A divisão sexual do trabalho era um fator mantenedor do sistema capitalista e de divisão desigual de recursos.
A mulher, dentro da história da bruxaria, era aterrorizada para que não tentasse se emancipar e para que mantivesse a estrutura social enraizada.
Falamos de um período em que as mulheres começavam a ser acumuladoras de conhecimento, de praticar profissões que eram consideradas masculinas.
As mulheres foram, na história do ocidente, as primeiras médicas, farmacêuticas e anatomistas.
Isso incomodou a igreja católica e a população masculina pelo fato de que as mulheres começaram a questionar seu lugar de servidão e de dependência.
As mulheres eram acusadas de bruxaria para manter a dominância social.
As inquisições foram baseadas, principalmente, em ódio de gênero e seriam enquadradas como crimes de feminicídio na contemporaneidade.
De acordo com a pesquisadora Blazquez Graf, as mulheres que eram acusadas do crime de bruxaria tinham um trabalho, uma função na sociedade.
Trabalho esse para além do trabalho doméstico que era o designado ao sexo feminino.
Como isso afetava as mulheres na antiguidade
Midelfort, especialista da história do cristianismo na Europa moderna, apontou a misoginia do século XVI.
O especialista acredita que isso se deu porque na época mais mulheres estavam vivendo sozinhas sem o apoio da família patriarcal. Outros estudiosos apontam que esse fenômeno de mulheres que não se casavam estaria diminuindo a população por não reproduzirem.
Com uma diminuição na população, menos força de trabalho estaria em disponibilidade para o sistema.
A forma como as mulheres eram assassinadas no período de caça às bruxas é um outro ponto que chama a atenção de estudiosos.
Elas eram injustamente acusadas de bruxaria e queimadas na fogueira na maioria das culturas ocidentais, uma das experiências de morte consideradas mais dolorosas.
Em 1484, Heinrich Institoris criou o infame Malleus Maleficarum. Um livro que passou a ser quase um código penal e que se tratava de como julgar crimes de bruxaria. Esse livro dizia que as mulheres eram inferiores aos homens e que eram mais propícias a bruxaria do que os homens.
Houve uma desumanização feminina ao final da idade média. As mulheres foram as principais vítimas do fenômeno histórico de caça às bruxas. Hoje em dia, o evento é reconhecido como violência de gênero de estado ou como genocídio feminino.
Leia mais sobre violência de gênero em: O que é violência de gênero e como se manifesta?
Como isso reverbera nos dias de hoje na representação feminina
A partir do século XVII, a caça às bruxas começou a enfraquecer porém algumas autoridades insistiram em continuar com a persecução injusta.
Há muitas sequelas dessa perseguição ainda nos dias de hoje.
De acordo com a ONU, várias mulheres são vítimas de feminicídio todos os anos por acusação de bruxaria ao redor do mundo.
Em 2022, a ONU chegou a estimar cerca de 22 mil mortes em 10 anos por esse motivo. Em São Paulo, no ano de 2014, no Guarujá tivemos o caso da Fabiane Maria de Jesus.
Fabiane sofreu morte por espancamento sob a alegação que praticava bruxaria com crianças.
A violência de gênero e o feminicídio, atualmente, toma outras formas e mais de 300 anos de tolhimento da mulher reverbera na representação feminina na sociedade.
Há uma diferença palpável e mundial no reconhecimento dos direitos humanos concedidos às mulheres e aos homens.
Saiba mais sobre os direitos humanos em: O que são direitos humanos?
Como um exemplo podemos citar o direito ao voto dentro de democracias.
Veja também nosso vídeo sobre os direitos das mulheres!
As mulheres brasileiras só tiveram o direito ao voto em 1932 depois de muita luta.
Outro exemplo vemos no campo da medicina que, embora as mulheres sejam as que mais trabalham em hospitais e que tenham sido as primeiras a praticarem essa ciência, são poucas as mulheres em cargos altos nessa área e em várias outras.
Então, em 1975, houve a Conferência Mundial sobre a Mulher que debateu a desigualdade e discriminação feminina no mundo.
Há uma estrutura desenvolvida historicamente que lesa a participação feminina e que tardou muito na conquista de direitos das mulheres.
Ficou curioso(a) sobre a história da bruxaria e quer saber um pouco mais? Nos conte nos comentários.
Referências:
- BBC News Brasil – A história secreta da bruxaria
- BBC News Brasil – Por que as mulheres são mortas até hoje sob acusação de ‘bruxaria’
- Co.lab Blog Puc Minas – A caça às bruxas e o feminismo
- EHRENREICH, BARBARA; ENGLISH, DEIRDRE. Bruxas, parteiras e enfermeiras: Uma história de mulheres curandeiras. 1 ed. Uruçuca: Bruxaria Distro.
- RUSSELL, JEFFREY B.; ALEXANDER, BROOKS. História da Bruxaria. Tradução: Álvaro Cabral e William Lagos. 2 ed. São Paulo: Aleph, 2019.
- HOLZINGER, ERNA. Mulheres ou bruxas? A invenção da mulher menos humana. Captura Críptica: direito, política, atualidade. Florianópolis, v. 11, n. 1, p. 47-60, 2022. ISBN: 1984-6096
- O Globo – ‘Caça às bruxas’: no século XXI, mulheres são perseguidas e mortas em 50 países sob acusação de feitiçaria
2 comentários em “Bruxaria e a representação feminina na sociedade”
Aprendo muito com essas matérias da Politize. Parabéns Mariana por esse trabalho.
Muito interessante, importante e pertinente este conteúdo. Obrigado a equipe do Politize por buscar democratizar o acesso a conteúdos como este.