DEFESA DO CONSUMIDOR: UM DIREITO FUNDAMENTAL DO CIDADÃO
Você sabia que a legislação dispõe de mecanismos para proteger o consumidor? Não? Neste texto, falaremos sobre o inciso XXXII do artigo 5º da Constituição Federal de 1988, que garante o direito à defesa do consumidor. Essa proteção regula as relações entre compradores e vendedores para garantir que os consumidores não sejam, por exemplo, prejudicados em uma compra.
Quer saber mais sobre esse direito? Continue conosco! A Politize! em parceria com a Civicus e o Instituto Mattos Filho irão esclarecer o que é e como funciona a defesa do consumidor, bem como a forma como ela é aplicada na prática e seu histórico no Brasil.
Para conhecer outros direitos fundamentais, confira a página do projeto Artigo Quinto, uma iniciativa que visa tornar o direito acessível aos cidadãos brasileiros, por meio de textos com uma linguagem descomplicada.
O QUE É O INCISO XXXII?
O inciso XXXII do artigo 5º, promulgado pela Constituição Federal de 1988, decreta que:
o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor;
O Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990), o CDC, considera “consumidor” toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza bens ou serviços como destinatário final. Ou seja, o consumidor é o elo final da cadeia produtiva, é quem adquire o bem ou serviço para sua utilização pessoal.
O inciso XXXII do artigo 5º da Constituição Federal impõe que o Estado promova políticas públicas para defender os direitos dos consumidores brasileiros.
A criação desses programas de ação busca equilibrar e regular os interesses dos participantes de uma relação de consumo, de modo que, além de promover a defesa do consumidor, também estimule o crescimento econômico e a livre iniciativa. Em outras palavras, enquanto os consumidores precisam ser protegidos, os vendedores de bens e serviços precisam desenvolver seus negócios.
Ao analisar o caráter cidadão da Constituição, fica evidente que, em um processo de redemocratização, depois da Ditadura Militar, o constituinte buscou construir o que chamamos de Estado de bem-estar social.
Neste caso, o Estado torna-se presente e intervencionista, a fim de garantir que não haja exploração nas relações de consumo. Ao dizer que o Estado defenderá o consumidor “na forma da lei”, o inciso XXXII do artigo 5º previu a necessidade de criar uma lei específica para aplicação desse programa de ação. Com isso, em 11 de setembro de 1990, surge a Lei n. 8.078, denominada Código de Defesa do Consumidor (CDC), que reconhece a especificidade das relações de consumo e a vulnerabilidade do consumidor.
Graças ao CDC, os consumidores podem defender seus direitos por meio de ações judiciais individuais ou coletivas. Além disso, existem juizados especiais e associações de defesa do consumidor.
Cabe frisar que o Estado deve executar o programa de defesa do consumidor em todo o território nacional, por meio dos três níveis de governo existentes: federal, estadual e municipal.
O CDC também assegura:
o acesso a informações claras e precisas;
a utilização correta dos dados pessoais inseridos nos cadastros dos estabelecimentos;
a publicidade verdadeira dos produtos;
a proibição da recusa de atendimento;
a proteção ao consumidor em caso de defeitos nos produtos.
O DIREITO DO CONSUMIDOR NA PRÁTICA
A Constituição Federal prevê a necessidade de defesa do consumidor e institui diversas normas, mas não detalha como isso deve acontecer. É por meio do CDC que essa diretriz é cumprida.
Primeiro, o inciso V do artigo 170 da Constituição declara que a defesa do consumidor é um dos princípios da ordem econômica, ou seja, ela é considerada uma das regras que regula o comportamento da economia do Brasil. Segundo, o inciso VIII do artigo 24 da Constituição atribui à União, aos Estados e ao Distrito Federal a função de legislar sobre responsabilidade por dano ao consumidor.
A defesa do consumidor busca implementar, na prática:
- a proteção da vida, da saúde e da segurança dos consumidores em casos de defeitos em produtos e serviços ou de outros abusos na circulação de bens;
- a proteção dos interesses econômicos dos consumidores, sempre que atingidos por ações abusivas dos agentes do mercado;
- o direito à informação real, precisa e completa sobre as qualidades e o funcionamento de bens e serviços;
- o direito à educação por meio de campanhas de esclarecimento oficiais e privadas;
- o direito de representação e de consulta por meio da construção de entidades de defesa e de participação em políticas de seu interesse; e
- o direito de compensação por prejuízos mediante acesso a órgãos judiciais e administrativos para a reparação de danos, por meio de ações jurídicas eficientes.
Além disso, os consumidores e suas entidades representativas estão cada vez mais instruídos para responder a eventuais ações abusivas. Sabe-se que os produtores devem informar as características de seus produtos e seus serviços claramente especificando corretamente a quantidade, as características, o modo de funcionamento, a qualidade e o preço.
Para isso, o Estado efetivamente colocou órgãos de sua estrutura à disposição do consumidor. Como exemplo, temos:
- uma promotoria específica para defesa do consumidor (em alguns estados), sendo que sua criação depende da organização interna de cada Ministério Público;
- a Defensoria Pública, responsável por atender demandas de consumidores que não tenham recursos suficientes para contratar advogado particular;
- a Delegacia do Consumidor, órgão da polícia civil existente em alguns municípios, que deve apurar, por meio de inquérito, os crimes praticados contra as relações de consumo;
- o Programa de Proteção e Defesa do Consumidor (Procon), cuja principal função é aplicar sanções aos fornecedores que violam as normas de proteção do consumidor. Além disso, também exerce importante trabalho de informação dos direitos do consumidor e de conciliação entre as partes.
Vale reforçar que há um longo caminho a ser percorrido até a implementação total, na nossa cultura, do respeito ao consumidor.
Por exemplo, o número de denúncias e reclamações envolvendo violações aos direitos dos consumidores ainda é extremamente alto. Ao mesmo tempo, a educação dos cidadãos sobre seus direitos básicos, enquanto consumidores e demandantes da sociedade capitalista, ainda enfrenta grandes desafios.
É necessário incentivar, cada vez mais, o acesso dos consumidores a essas informações, além de instituir uma cultura de transparência e ética nas empresas, pois, caso respeitem os direitos do consumidor, poderão conquistar um mercado maior.
De toda forma, o Brasil caminha para um maior equilíbrio entre as partes envolvidas nas relações de consumo e os cidadãos estão cada vez mais informados e atuantes na cobrança dos seus direitos.
Quer entender mais sobre Código de Defesa do Consumidor? Confira o conteúdo do Projeto Direito ao Desenvolvimento: Como o Código de Defesa do Consumidor ajuda a promover o ODS 12?
O HISTÓRICO DOS DIREITOS DO CONSUMIDOR
As relações de consumo no Brasil foram, por muito tempo, tratadas como as demais relações civis. Isso começou a mudar a partir da década de 1970, com o surgimento dos primeiros órgãos de defesa do consumidor: a Associação de Proteção ao Consumidor (APC) de Porto Alegre (RS), a Associação de Defesa e Orientação do Consumidor (ADOC) de Curitiba (PR) e o Grupo Executivo de Proteção ao Consumidor, atual Fundação Procon São Paulo.
Já na década de 1980, o engajamento de vários setores sociais ajudou a criar o Conselho Nacional de Defesa do Consumidor (CNDC), cujo propósito é auxiliar o Presidente da República na elaboração de políticas de defesa do consumidor.
O CNDC ajudou a elaborar propostas de texto para a Constituição Federal e difundiu a importância da defesa do consumidor no Brasil, possibilitando a criação de uma política nacional. Desse modo, em 1988, foi promulgada a atual Constituição Federal, a primeira a prever a proteção do consumidor entre seus dispositivos.
Entretanto, apenas em 11 de setembro de 1990, por meio da Lei n. 8.078, surge o CDC, reconhecendo a vulnerabilidade do consumidor e estabelecendo a ética e a transparência como fundamentos das relações de consumo.
O CDC estabelece princípios básicos como a proteção da vida, da saúde e da segurança; a educação para o consumo; o direito à informação clara, precisa e adequada; e a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva para equilíbrio das relações de consumo. Por fim, em 28 de maio de 2012, foi criada a Secretaria Nacional do Consumidor, cuja finalidade é formular, promover, supervisionar e coordenar a Política Nacional de Proteção e Defesa do Consumidor (PNPDC).
A IMPORTÂNCIA DA DEFESA DO CONSUMIDOR
Como ponto principal, a lei parte do pressuposto de que há uma assimetria entre consumidores e fornecedores. Portanto, os consumidores nem sempre podem escolher os produtos e os serviços que precisam adquirir ou utilizar. Além disso, muitas vezes, não conhecem as condições do negócio e os efeitos subliminares e sugestivos das publicidades.
Nesse sentido, o direito do consumidor resguarda a vida, a saúde e a segurança do consumidor contra riscos decorrentes da oferta de bens e serviços perigosos ou nocivos e, de outro lado, preserva os interesses econômicos das partes, assegurando uma compra justa e adequada. Em outras palavras, protege simultaneamente os consumidores e a livre iniciativa.
No Brasil, há mecanismos próprios de preservação, concretização e fiscalização dos direitos do consumidor, como o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor (Sindec).
Os órgãos responsáveis pela defesa do consumidor podem impor as seguintes sanções, em caso de desrespeito do CDC: multa; apreensão ou inutilização do produto; suspensão de fornecimento; proibição de fabricação; revogação de concessão ou permissão de uso; cassação de licença de estabelecimento ou atividade; interdição de estabelecimento.
De acordo com o portal de informações do Sindec, no ano de 2020 foram realizados mais de 2 milhões de atendimentos. Dentre eles, 72% eram reclamações ou denúncias. Os serviços mais reclamados foram:
- telefonia celular;
- telefonia fixa;
- banco comercial;
- cartão de crédito;
- energia elétrica;
- assuntos financeiros;
- aparelho celular;
- TV por assinatura;
- seguro; e
- água/esgoto.
Já os problemas mais comuns foram:
- cobrança indevida ou abusiva;
- produto com defeito;
- ausência de resposta ou de tomada de providências pelo Serviço de Atendimento ao Consumidor (SAC);
- dúvida sobre cobranças, valores, reajustes, contratos e orçamentos;
- não cumprimento, alteração ou irregularidade de contrato;
- rescisão do contrato por uma das partes envolvidas (unilateral);
- não entrega ou demora na entrega de produto;
- cálculo de prestações e taxa de juros;
- serviços não fornecidos (entrega, instalação, não cumprimento da oferta); e
- questões levadas ao SAC sobre onerosidade, problemas no menu, indisponibilidade, inacessibilidade aos deficientes.
CONCLUSÃO
O inciso XXXII do artigo 5º da Constituição Federal determina a necessidade da defesa e da proteção do consumidor. Essa diretriz é cumprida pelo Estado, que elaborou o CDC para detalhar como ocorrerá essa proteção. Além disso, criou órgãos de representação do consumidor, como os Procons, e assegura o recurso ao poder judiciário para que esses e outros direitos sejam assegurados a todos cidadãos brasileiros.
Esse conteúdo foi publicado originalmente em dezembro/2019 e atualizado em setembro/2023 com objetivo de democratizar o conhecimento jurídico sobre o tema de forma simples para toda população. Para acessar maiores detalhes técnicos sobre o assunto, acesse o Livro do Projeto Artigo Quinto.
Autores
Matheus Silveira
Mariana Mativi
Thamires Cascello de Almeida