PRINCÍPIO DA NÃO-EXTRADIÇÃO DE NACIONAIS
O inciso LI do artigo 5º da Constituição Federal garante que brasileiros natos não sofram extradição e que os brasileiros naturalizados possam sofrer extradição passiva apenas em duas hipóteses. Além disso, a não-extradição de nacionais é um princípio de grande relevância do Direito Internacional, pois determina qual deve ser o comportamento dos países, inclusive do Brasil, em situações de extradição.
Quer saber mais sobre como a Constituição define este direito, por que ele é tão importante e como é aplicado na prática? Continue conosco! A Politize!, em parceria com a Civicus e o Instituto Mattos Filho, irá descomplicar mais um direito fundamental nessa série do projeto “Artigo Quinto”.
Para conhecer outros direitos fundamentais, confira a página do projeto, uma iniciativa que visa a tornar o direito acessível aos cidadãos brasileiros.
O QUE É O INCISO LI?
O inciso LI do artigo 5º, previsto na Constituição Federal de 1988, define que:
nenhum brasileiro será extraditado, salvo o naturalizado, em caso de crime comum, praticado antes da naturalização, ou de comprovado envolvimento em tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, na forma da lei
Como falamos, o inciso LI do artigo 5º da Constituição Federal garante que brasileiros natos não sofram extradição e que brasileiros naturalizados só possam sofrer extradição passiva nas duas hipóteses descritas pelo inciso – regra essa de grande relevância para o Direito Internacional.
No caso do Brasil, esta regra determina como o país deve agir em uma situação em que um Estado estrangeiro peça a extradição de brasileiros, trazendo maior segurança penal aos cidadãos.
Em linhas gerais, a extradição pode ser entendida como um ato de cooperação internacional que envolve dois países, no caso, o Brasil e algum outro. Por meio desse ato, o Brasil solicita ou concede a entrega, a outro país, de uma pessoa acusada ou já condenada por um ou mais crimes, com intuito de julgá-la e puni-la.
Por exemplo, imagine que João, um brasileiro nato, viajou para o México e, durante sua visita, infringiu uma lei penal mexicana. Um mês após o seu retorno para o território brasileiro, João foi denunciado por esse delito frente à justiça mexicana. Nesse contexto, o México poderia solicitar ao Brasil que João fosse entregue à justiça mexicana para ser julgado e, posteriormente, absolvido ou condenado. Porém, segundo o inciso LI, a resposta do Brasil ao pedido mexicano deve ser negativa, com base no princípio da não extradição de nacionais.
Como visto, esse inciso diferencia brasileiros natos e naturalizados. Brasileiros natos são todos aqueles que:
- nasceram no Brasil, ainda que de pais estrangeiros, exceto se esses estiverem no Brasil a serviço de seu país;
- nasceram no estrangeiro, mas de pai brasileiro ou mãe brasileira, desde que um deles esteja no exterior a serviço do Brasil;
- nasceram no estrangeiro, de pai brasileiro ou de mãe brasileira, desde que sejam registrados em repartição brasileira competente ou venham a residir no Brasil e optem, a qualquer tempo, depois de atingida a maioridade, pela nacionalidade brasileira.
Segundo o inciso LI, os brasileiros natos não podem ser extraditados em nenhuma situação.
Já os brasileiros naturalizados são aqueles que adquiriram a nacionalidade brasileira por meio de processo descrito em lei, cumpridos alguns requisitos. No caso dos estrangeiros originários de países de língua portuguesa, para haver a naturalização, exige-se residência de um ano ininterrupto no Brasil e idoneidade moral, isto é, que se comprove que o cidadão tem uma boa reputação e uma boa imagem pública. Entretanto, para os estrangeiros de qualquer outra nacionalidade, exige-se que tenham residido no Brasil por mais de quinze anos ininterruptos, sem que tenham sofrido qualquer condenação penal.
O inciso também estabelece que o brasileiro naturalizado poderá ser submetido à extradição apenas em duas hipóteses:
- quando houver cometido algum crime no país que requer a extradição antes da naturalização brasileira;
- quando houver sido comprovada sua participação em tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, antes ou depois da naturalização.
Nesse contexto, a não-extradição de nacionais – que compreende brasileiros natos ou naturalizados – configura-se não só como uma exceção à regra geral da extradição, segundo a qual qualquer indivíduo pode ser extraditado, mas como uma garantia de que, em geral, nenhum brasileiro será entregue para julgamento na justiça estrangeira, revelando a obrigação de o Brasil proteger seu cidadão nacional, assegurar-lhe meios de defesa e garantir-lhe a aplicação da lei de seu país de origem.
É importante observar que, embora esse direito vise proteger o nacional de julgamento ou cumprimento de pena no exterior, a não-extradição de nacionais não implica que o indivíduo que tenha cometido crimes ficará impune. Ele poderá responder criminalmente por seus atos com base nas leis brasileiras, desde que solicitado pelo país estrangeiro.
HISTÓRICO DO PRINCÍPIO DA NÃO-EXTRADIÇÃO DE NACIONAIS
Não foi sempre que a legislação brasileira proibiu a entrega de cidadãos brasileiros a países estrangeiros para que fossem julgados e/ou punidos por crimes cometidos no estrangeiro.
Em 1911, a Constituição então vigente, de 1891, previu apenas a competência do Congresso Nacional para dispor sobre a extradição, que exerceu essa competência por meio da Lei n. 2.416, que permitia a extradição de nacionais nos casos em que houvesse reciprocidade de tratamento entre o Brasil e o outro país.
Para os fins dessa norma, reciprocidade de tratamento compreende a situação em que um país estrangeiro garante, por meio de lei ou tratado, que, caso o Brasil solicite um nacional desse país para ser julgado em território brasileiro, o país em questão cooperará com o Brasil, estabelecendo uma relação de reciprocidade. Sob essa legislação, o Brasil celebrou com Itália, Peru e Paraguai tratados que permitiam a extradição de nacionais.
A Constituição de 1934, porém, tornou essa lei inválida ao estabelecer a proibição de extradição de brasileiros, tanto natos quanto naturalizados, em definitivo. As demais Constituições e leis que se seguiram adotaram o mesmo posicionamento, de modo que os tratados e as convenções anteriores também foram, aos poucos, adequados ao sistema.
Em 1938, por meio do Decreto-Lei n. 394, os brasileiros naturalizados, que até então tinham a mesma proteção concedida aos brasileiros natos, passaram a poder ser extraditados nos casos de crimes cometidos antes da naturalização, intenção reconhecida e mantida pela nossa atual Constituição, promulgada em 1988, que também reconhece formalmente, pela primeira vez, o princípio da não-extradição de brasileiros como garantia fundamental, incluindo-o em seu artigo 5º.
A IMPORTÂNCIA DO INCISO LI
A proibição à extradição do brasileiro nato e naturalizado, conforme dito anteriormente, é reflexo de uma decisão do Brasil de proteger seus nacionais, evitando que sejam obrigados a deixar seu país para se submeter a uma justiça e a uma legislação diferentes das brasileiras.
No caso específico do brasileiro nato, vê-se a relevância desse direito fundamental traduzida na garantia constitucional de que em nenhuma hipótese ou circunstância poderá um brasileiro ser privado de seu direito de ser julgado pelos juízes e legislação de seu país de origem.
Embora essa garantia esteja baseada na Constituição, há estudiosos que defendem a tese de que os nacionais deveriam poder ser extraditados, sob o argumento de que a justiça estrangeira estaria mais apta a investigar e julgar o fato criminoso ocorrido em seu território – é o caso, por exemplo, da Inglaterra, dos Estados Unidos e da Itália que não proíbem a extradição de nacionais.
Por conta disso, em 2003, houve a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) n. 43, que visava alterar a redação do inciso LI do artigo 5º com intuito de permitir a extradição de brasileiros natos envolvidos em crimes de sequestro, terrorismo, tráfico internacional de drogas e entorpecentes. Esse projeto está arquivado.
Apesar de existirem tentativas de extinguir a garantia do inciso LI do artigo 5º, prevalece o entendimento de que é importante garantir o direito de todo indivíduo nacional de viver em seu solo pátrio, não sendo justo o afastar de seu país de origem contra sua vontade.
No que diz respeito ao brasileiro naturalizado, a relevância do princípio da não-extradição de nacionais é a mesma conferida aos brasileiros natos, havendo razões jurídicas envolvidas inclusive nas hipóteses que permitem a extradição desses indivíduos.
De um lado, entende-se que a possibilidade de extradição em caso de cometimento de crime comum antes da naturalização tem por objetivo primordial evitar a impunidade do indivíduo, o qual poderia se refugiar no Brasil com a intenção de evitar um julgamento. Por sua vez, a possibilidade de extradição do naturalizado em caso de envolvimento com tráfico de entorpecentes e drogas afins, ainda que após a naturalização, está mais associada à gravidade do crime cometido e, igualmente, à necessidade de não se deixar impune conduta dessa natureza.
Na prática judicial, também é possível observar a relevância desse direito. De acordo com uma análise das decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) de 2000 a 2010, dos 279 processos de extradição que o STF julgou, 5% não foram aceitos com base no presente inciso. Já no período compreendido entre 2011 e 2020, poucos foram os casos de extradição julgados pelo STF envolvendo brasileiros natos e naturalizados.
Dos casos julgados relativamente a brasileiros natos, o Tribunal não aceitou nenhum pedido de extradição, fundamentado essencialmente na garantia constitucional do princípio de não-extradição de nacionais. De modo similar, no caso dos julgamentos envolvendo brasileiros naturalizados, o STF novamente levou a efeito a disposição do artigo 5º, inciso LI, concedendo a extradição em situações envolvendo a prática de crime antes da naturalização e negando a extradição no caso de crime comum cometido após o processo de naturalização.
O INCISO LI NA PRÁTICA
O princípio da não-extradição de nacionais é aplicado, majoritariamente, por meio da elaboração de leis que auxiliam na interpretação e na regulamentação desse direito fundamental. Além disso, como citado na seção anterior, é aplicado pelo STF quando da análise de pedidos relativos à extradição de indivíduos tidos como brasileiros natos ou naturalizados.
São exemplos de leis que visam garantir a efetivação do princípio da não-extradição de nacionais:
- Decreto-Lei n. 394, de 28 de abril de 1938: regula a extradição de modo geral e reafirma a proibição de extradição do brasileiro que se naturalizou antes da prática de um crime;
- Lei n. 13.445, de 24 de maio de 2017: institui a Lei de Migração e reforça que o brasileiro naturalizado apenas será extraditado nas hipóteses previstas na Constituição Federal;
- Código Penal: garante que não haverá impunidade no tratamento dos brasileiros que cometerem crimes no estrangeiro, estabelecendo que eles deverão ser julgados e punidos de acordo com as normas penais brasileiras.
A despeito dessas disposições legislativas, a parte final do inciso LI, isto é, às hipóteses de extradição do brasileiro naturalizado, ainda não foram regulamentadas. Nesse caso, o STF tem entendido que a disposição apenas será plenamente eficaz na prática a partir do momento em que o poder legislativo editar uma lei específica para tratar do regime de extradição do brasileiro naturalizado.
Atualmente, todos os Projetos de Lei (PL) sob análise da Câmara dos Deputados que tratam do tema estão paralisados. Assim, não há previsão sobre quando a extradição de brasileiros naturalizados será regulamentada.
CONCLUSÃO
Ainda que esteja na Constituição e que triunfe na maioria dos julgamentos, o princípio da não-extradição de nacionais, no caso dos brasileiros naturalizados, ainda precisa de complementação por leis infraconstitucionais. Assim, cabe ao poder judiciário e ao poder legislativo trabalhar para que o inciso LI do artigo 5º seja plenamente aplicado.
- Esse conteúdo foi publicado originalmente em maio/2020 e atualizado em setembro/2023 com objetivo de democratizar o conhecimento jurídico sobre o tema de forma simples para toda população. Para acessar maiores detalhes técnicos sobre o assunto, acesse o Livro do Projeto Artigo Quinto.
Sobre os autores:
Helórya Santiago de Souza
Estagiária de Tributário do Mattos Filho
Matheus Silveira
Membro da equipe de Conteúdo do Politize!.
Fontes:
- Instituto Mattos Filho;
- Artigo 5° da Constituição Federal – Senado;