Você sabia que a maior parte dos impostos no Brasil é cobrada sobre o consumo? Segundo o Boletim de Estimativa da Carga Tributária Bruta do Governo Geral, 40% da carga tributária em 2021 foi resultado da cobrança de impostos sobre consumo e produção. Dessa forma, dá para perceber que esses tributos afetam bastante a nossa vida enquanto consumidores e também impactam a arrecadação feita pelo Estado.
- Pra entender melhor como os impostos sobre propriedade são cobrados, acesse nosso post: Quais impostos sobre propriedade devemos pagar?
Existem diversos tipos de impostos sobre o consumo, o serviço e a produção. De modo geral, todos funcionam da mesma forma: as empresas fazem o pagamento deles e o valor é repassado para o consumidor no preço final dos produtos.
Assim, a alta concentração de impostos sobre consumo no país faz com que o sistema tributário brasileiro seja considerado regressivo, ou seja, a cobrança deles diminui proporcionalmente conforme a renda das pessoas aumenta. Quer entender quais impostos são esses e como eles podem afetar a desigualdade no país? Então, segue com a gente!
→ Nesse eixo do projeto conversamos com o Bruno Reis, advogado de direito tributário do Mattos Filhos e discutimos sobre quais tributos os brasileiros pagam em relação à renda, ao consumo, aos serviços e às empresas. Confere esse papo aqui:
O projeto Tributos e Desigualdade é uma realização do Instituto Mattos Filho, produzido pela Civicus em parceria com a Politize!. Juntos, temos o objetivo de levar conhecimento e informações sobre a tributação no Brasil e seus impactos sobre as desigualdades.
IPI – Impostos sobre Produtos Industrializados
O Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) será cobrado quando houver industrialização ou importação definidas por lei como “tributáveis” ou, ainda, nas hipóteses em que a legislação determine a sua incidência, tal como na equiparação de atividade a industrial. Por ser um imposto federal, as cobranças e fiscalizações dependem do Governo Federal e o pagamento é feito pelos contribuintes ou responsáveis tributários, conforme o caso.
Para entender que tipo de produto será considerado “industrializado”, a legislação define que a industrialização é um processo no qual há mudanças na mercadoria, que gera alterações, se comparado ao produto inicial, ou seja, antes da interferência humana, nos seguintes aspectos:
- Na natureza;
- No funcionamento;
- Na utilização;
- No acabamento;
- Na apresentação.
Então, uma mercadoria não industrializada é aquela que se aproxima ao máximo daquilo que é encontrado na natureza, com pouca ou nenhuma modificação. Uma fruta, por exemplo, não é um produto industrializado, já suco em pó de abacaxi é, pois houve mudança na forma da mercadoria – feito por meio de um processo de industrialização.
Ainda, há discussões de que o aperfeiçoamento para o consumo pode ser considerado industrialização, tal como a fruta que é descascada ou cortada pelos supermercados e embalada em porções individualizadas. Dessa forma, a cobrança desse imposto sobre consumo poderia ser modificada.
Você pode estar pensando nos produtos que passam por mais de um processo de industrialização… acha que eles pagariam impostos duas vezes? Não, o IPI é um tipo de imposto “não-cumulativo”. Ele funciona como um sistema de “crédito” e “débito”, já que o valor recolhido em uma etapa pode ser descontado na etapa seguinte de industrialização para evitar que várias cobranças sejam feitas.
Além disso, para diminuir o impacto dessa cobrança no preço final dos produtos consumidos pela população, aqueles considerados essenciais serão menos tributados, enquanto os supérfluos, ou seja, os não essenciais, terão alíquotas maiores. Elas são definidas pela Tabela de Incidência do Impostos sobre Produtos Industrializados, ou “TIPI”, e podem variar de 0% a 300%.
Há muitas discussões quanto sobre quais bens seriam ou não essenciais, havendo questionamentos sobre a necessidade de reconhecimento de determinados produtos como essenciais. Importante ressaltar que a definição quanto ao que deve ser considerado essencial é determinada pelo Poder Executivo, responsável pela definição das alíquotas constantes da Tabela do IPI (TIPI).
ICMS – Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços
O Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) é responsabilidade dos Estados e do Distrito Federal – então, a cobrança e fiscalização é feita por eles.
Esse é um dos impostos mais presentes no nosso dia a dia, porque ele é cobrado sobre a circulação de mercadorias, a prestação de serviço de telecomunicação e transporte interestadual ou intermunicipal, até na conta de energia elétrica há cobrança de ICMS.
Assim como o IPI, ele é um imposto não-cumulativo, então, caso haja várias etapas de circulação de um determinado produto, a cobrança em uma delas poderá gerar um crédito para a outra. Apesar da existência da não cumulatividade, há grandes desafios para a utilização dos créditos gerados em diversas das operações, havendo acúmulo de créditos pelas empresas, as quais não conseguem utilizá-los em sua totalidade, fazendo com que esses se tornem um verdadeiro custo na operação.
Há outra semelhança entre eles: a seletividade, isto é, os produtos essenciais têm o percentual de cobrança menor. Exemplo disso é a diminuição da alíquota de produtos de cesta básica que é considerada essencial – enquanto bebidas alcoólicas e cigarro possuem uma tributação maior.
Sobre isso, existem discussões quanto aos produtos que seriam essenciais e, portanto, deveriam ser beneficiados com alíquotas menores. Isso porque, por vezes, produtos que seriam considerados essenciais tinham uma alta tributação.
Nesse contexto, há inúmeras discussões nos tribunais quanto à essencialidade, questionando essa alta tributação de algumas atividades que deveriam ser consideradas essenciais. É o caso da energia elétrica, que historicamente era tributada com maiores alíquotas e, recentemente, após decisão do STF, foi reconhecido que a alíquota do ICMS incidente em atividades essenciais não pode superar as alíquotas previstas para as operações em geral. Assim, para exemplificar, se a alíquota geral em determinado estado é de 18%, o ICMS presente em operações com produtos essenciais não pode ser superior a essa tributação.
Outro exemplo e que se insere no contexto das discussões quanto aos efeitos da tributação para o aumento da desigualdade está relacionado à tributação de produtos de higiene femininos, que, apesar de serem realmente essenciais à saúde feminina, em diversos estados, não são considerados produtos essenciais e nem compõem a cesta básica. No caso, essa tributação piora a “pobreza menstrual“, que reflete a precariedade e vulnerabilidade econômica e social feminina, já que produtos, como o absorvente, historicamente, são tributados pelo ICMS a alíquotas expressivas entre 18% e 25%. Diversos estados ao longo dos anos têm reduzido a tributação sobre esse item, mas ainda há diferenças, havendo projetos de lei para isentar esses bens visando diminuir desigualdade de gênero decorrentes dessa tributação.
O percentual de cobrança, a alíquota, do ICMS varia de estado para estado e de acordo com o tipo de operação (importação, interna ou interestadual), tipo de produto e se há ou não concessão de incentivo fiscal para determinado setor, produto ou atividade. Ainda, pode haver a cobrança em determinados estados de um adicional de 1% ou 2% nas operações consideradas supérfluas dependendo da região. Essa cobrança gera a maior parte da arrecadação dos Estados e um percentual desse valor é distribuído para os municípios a fim de manter os serviços essenciais, como: educação, segurança e saúde.
Outra coisa que pode afetar a cobrança é a forma como a mercadoria circula no país. Então, por exemplo, uma mercadoria que sai do Rio de Janeiro e será enviada para São Paulo terá uma alíquota de ICMS maior do que a mesma mercadoria que for enviada para o Pará. Isso porque, como esse imposto é estadual, pode haver diferentes cobranças entre eles na tentativa de evitar desigualdades regionais.
Ademais, a concessão de benefícios fiscais também influencia significativamente na carga tributária do ICMS aplicável às operações. Por exemplo, estados como Santa Catarina, Minas Gerais e Espírito Santo possuem benefícios fiscais para importação de produtos, sendo atrativa a sua importação nessas regiões.
ISS – Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza
O Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS) é responsabilidade dos Municípios, já que isso está definido pela Constituição Federal. A cobrança é feita a partir de uma lei complementar que define quais tipos de serviço são tributáveis. (Vale pontuar que o ISS não será cobrado sobre energia, transporte e comunicação, já que o ICMS recai sobre esses serviços).
Para definir quais serviços terão incidência do ISS, a Lei Complementar n° 116/2003 foi criada, ou seja, ela estabelece os critérios que definem quais serviços são tributáveis. A partir disso, cada Município define sua própria legislação baseado nas recomendações da Lei Complementar. Ou seja, o Município possui competência para tributar ou deixar de tributar determinada atividade ou, ainda, de estabelecer as alíquotas sobre as atividades, respeitando o percentual mínimo e máximo de 2% e 5%, respectivamente.
Então, quando o serviço estiver descrito na lei, o percentual de cobrança do ISS será aplicado sobre o valor do serviço e esse custo será repassado no preço final para o consumidor. Caso o serviço seja prestado no exterior, não será necessário pagar o imposto, desde que cumpridos os requisitos para que não seja exigido tal pagamento. Nesse contexto, há diversas disputas nos tribunais quanto à caracterização de exportação, já que, a depender do caso, ainda que o tomador do serviço esteja localizado no exterior, o tributo será devido no país.
De modo geral, há três aspectos importantes sobre o ISS:
- A Lei Complementar n° 116/2003 é o documento principal para definir se haverá a cobrança ou quais são os critérios de serviços tributáveis;
- Cada Município terá sua própria legislação para regulamentar o ISS (Sempre com base na Lei);
- As alíquotas do ISS variam entre 2% e 5%, conforme o serviço prestado.
Como os impostos sobre consumo e a produção afetam a economia?
Deu para perceber que o preço dos produtos e serviços que consumimos pode ser modificado pela tributação, né? A partir disso, podemos relacionar a cobrança desses impostos com a maneira como o Estado faz a gestão da economia do país.
Nesse sentido, tanto o IPI quanto o ICMS terão suas alíquotas reduzidas quando o produto for considerado essencial. Essa ação tenta evitar que parcelas mais empobrecidas da sociedade tenham dificuldade em acessar os bens essenciais. Nesse ponto, a crítica é quanto ao que é destacado como produto essencial, já que a ausência de reconhecimento de determinados produtos como essenciais pode agravar a desigualdade, já que a tributação afeta diretamente a possibilidade de acesso e consumo pela população desses produtos.
Além disso, é possível que a cobrança de IPI seja utilizada para controlar o mercado nacional. Então, por exemplo, é necessário que um determinado produto industrializado tenha mais produção nacional. Com isso, o Estado pode diminuir ou até zerar a cobrança desse imposto para estimular a produção brasileira. Se o produto nacional tem menos imposto, o valor final para o consumidor será menor. Assim, estimula que as pessoas comprem produtos nacionais, valorizando a economia brasileira.
É possível também que a importação de produtos sofra uma tributação mais alta para evitar que ele seja mais barato do que aqueles que foram produzidos no país, buscando evitar prejuízo para indústria nacional – já que a existência delas promove o desenvolvimento regional e aumenta as vagas de emprego.
Em outros casos, é possível que o governo reduza a alíquota de importação de produtos, como nos casos de desabastecimento de determinados produtos, a exemplo do que ocorreu na pandemia com a redução da carga tributária de produtos como máscaras, respiradores, entre outros.
A regressividade da tributação brasileira e a desigualdade
Como já falamos, a maior parte do valor arrecadado pela tributação no Brasil é resultado da cobrança de impostos sobre o consumo e a produção. Dessa forma, o nosso sistema tributário é considerado regressivo. Para entender melhor os tipos de sistema tributário, acesse nosso post: Sistema tributário nacional: como funciona?
Ele é definido assim porque, à medida que a pessoa ganha mais, a cobrança do tributo fica proporcionalmente menor, ou seja, os tributos são relativamente mais caros para pessoas com menor renda.
Vamos pensar em um exemplo: há dois consumidores, um ganha dois salários mínimos e o outro ganha dez salários mínimos. Imagine que ambos comprem um fogão de mil reais (nesse caso, o IPI é repassado no preço final), suponha que a cobrança do IPI corresponda a R$200,00 reais do preço que está na loja. Assim, a cobrança desse imposto impacta muito mais a pessoa que ganha dois salários mínimos do que a pessoa que ganha dez salários mínimos. Isso porque o valor do IPI corresponde a uma parcela muito maior do salário da pessoa com menor renda, tornando o imposto proporcionalmente desigual para os consumidores do exemplo.
Por isso, há essa crítica ao imposto sobre consumo, pois ela não considera quais serão os consumidores finais e quanto cada um deles realmente pode contribuir. Então, o percentual de cobrança recai sobre o valor do produto ou serviço e afeta as pessoas de formas diferentes, podendo gerar e agravar desigualdades.
A diminuição das alíquotas dos produtos essenciais é uma tentativa de evitar que essas cobranças impactem mais as pessoas com menor renda, mas, devido à alta concentração desses tributos, essa medida pode não ser suficiente para promover a justiça tributária (cobrar mais daqueles que ganham mais).
- Veja todo esse conteúdo de forma resumida em nosso infográfico: Quais tributos pagamos e para onde eles vão?
Conclusão
Percebe, então, como os impostos sobre consumo e a produção impactam a vida de todos nós? Apesar de poder ser utilizada para regular a indústria nacional, o que é muito positivo para o desenvolvimento do país, ela também pode gerar desigualdade quando a cobrança do tributo passa a ser proporcionalmente mais cara para aqueles com menor renda.
Em nosso podcast, (nome a definir), Bruno Reis, advogado de direito tributário no Escritório Mattos Filho, afirmou que diversos especialistas defendem um ajuste no percentual de cobrança do Imposto de Renda para tentar reduzir essa problemática da cobrança de no país – já que considerar a renda para isso seria a forma mais eficiente de definir quanto cada pessoa pode contribuir. Para saber mais, acesse nosso podcast!
É importante pontuar também que a tributação continua sendo tema de debate em diversos ambientes da sociedade. Isso porque as mudanças são possíveis a partir de novas leis que modifiquem a forma de cobrança dos tributos. Atualmente, se discute a reforma tributária, a qual poderá impactar significativamente o modelo atual. Para se manter atualizado sobre as possíveis mudanças na tributação, continue acompanhando os posts do projeto.
Você acha que as empresas pagam apenas esses tributos sobre a produção? Bem, a resposta é não! Elas também precisam pagar o IRPJ, Imposto de Renda Pessoa Jurídica. É sobre isso que vamos falar no próximo post do projeto! Continue acompanhando o nosso site, Youtube e Spotify para saber mais!
→ Neste vídeo, apresentamos de forma simples e didática a tributação sobre a renda, consumo e propriedade. Clique no vídeo para começar:
Fontes:
1- Instituto Mattos Filho;
Autores:
- Bruno Freitas Reis
- Demerson Ferreira da Silva Filho
- Gabriel Mynssen da Fonseca
- Leonardo Linck Squillace
- Luiza Linardi Guanabara
- Marcella Azambuja Araujo
- Mariana Mativi
- Natali Inacio Neves
- Natalie Matos Silva
- Pâmela Larissa Miguel Gottardini
- Raissa Reciolino Di Giacomo