Você certamente já deve ter assinado algum contrato ao longo da sua vida, não é? Aluguel, trabalho, compra e venda… são muitos os possíveis casos. Em comum eles têm o fato de formalizarem um comprometimento, como por exemplo, o compromisso de pagar um aluguel todo mês. Mas não são só as pessoas que assumem compromissos.
Os Estados e Organizações Internacionais também fazem isso e os compromissos por eles assumidos são chamados de tratados internacionais.
Quando pensamos em Direitos Humanos, o mundo contemporâneo tem exigido respostas e compromissos cada vez mais efetivos por parte dos Estados.
O fenômeno da globalização iniciado na segunda metade do século XX e intensificado no século XXI fez do mundo um lugar cada vez mais complexo e interdependente. As nações e povos ao redor do planeta nunca estiveram tão conectados.
Com essa conexão, cresceram os debates internacionais para preservar e garantir a dignidade dos seres humanos. Consequentemente, surgiram diversos tratados internacionais de Direitos Humanos e no projeto Equidade, conversaremos um pouco mais sobre eles.
O Equidade é um projeto desenvolvido em parceria entre a Politize!, o Instituto Mattos Filho e a Civicus, com o objetivo de explicar, de forma simples e didática, o que são os Direitos Humanos e os principais temas que eles envolvem, desde os seus principais fundamentos e conceitos aos seus impactos em nossas vidas. E então, preparado (a) para entender sobre o Sistema Internacional e os tratados de Direitos humanos? Segue com a gente!
Se quiser, escute nosso podcast complementar ao assunto do texto:
Pra começar, o que é Direito Internacional?
Para compreendermos o significado de um tratado internacional, precisamos entender a ideia de Direito Internacional. De modo geral, os eventos históricos ocorridos no século XX evidenciaram certa insuficiência dos Estados em lidar com as suas conjunturas jurídicas e sociais internas.
Assim, os Estados concordaram com o reconhecimento de um sistema supranacional (que transcende, ultrapassa o nacional), por meio de uma nova ordem internacional capaz de garantir a manutenção da segurança global.
Assim surgiu o Direito Internacional contemporâneo e, por consequência, o Sistema Internacional de Proteção dos Direitos Humanos, reconhecido como um sistema de normas, instrumentos e procedimentos internacionais, desenvolvidos para serem observados por todos os Estados e em todos os países.
Como já comentamos, o principal instrumento desse sistema são os tratados internacionais e, mais especificamente, os tratados internacionais de Direitos Humanos.
Mas, você sabe quando e como surgiram os tratados internacionais de Direitos Humanos? Aliás, você sabe o que são e para que funcionam esses tratados? Bem, é sobre isso que conversaremos em seguida.
Como surgem os tratados internacionais de Direitos Humanos?
Conforme você já deve ter visto no texto sobre a história dos Direitos Humanos, as primeiras ideias que remetem aos Direitos Humanos surgiram em um passado remoto.
Seu processo de construção foi longo e pode-se dizer que apenas em 1789, na Revolução Francesa, os Direitos Humanos ganharam destaque, em vista da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão.
Pois, o documento era baseado no princípio da liberdade e, apesar de ser direcionado para a França, abordava de maneira geral que os homens são iguais em direitos.
Entretanto, foi somente com a criação da Organização das Nações Unidas (ONU), após as atrocidades cometidas na Segunda Guerra Mundial, que surge o Sistema Internacional de Proteção dos Direitos Humanos e, consequentemente, há o estabelecimento de órgãos e instâncias voltadas à proteção dos Direitos Humanos.
O principal avanço ocorre com a promulgação da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), que estabelece o caráter universal desses direitos.
Agora que você já relembrou com a gente um pouco do histórico dos Direitos Humanos, é hora de olharmos para os tratados internacionais de Direitos Humanos, buscando compreender os seus fundamentos e objetivos.
O estabelecimento do Sistema Internacional de Proteção dos Direitos Humanos decorreu de uma série de movimentos no âmbito do direito internacional, para celebração de convenções (acordos sobre determinados assuntos) e tratados.
O trabalho desenvolvido pela Comissão de Direito Internacional das Nações Unidas (CDI), por exemplo, resultou na Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, em 1969. A Convenção foi responsável por definir os procedimentos para a assinatura e aplicação de um tratado internacional, definindo-o como um:
“acordo internacional concluído por escrito entre Estados e regido pelo Direito Internacional”
Assim, restaram reconhecidos os conceitos e elementos básicos relacionados aos tratados internacionais, como sua formalização em documento escrito, sua celebração entre sujeitos de direito internacional público, ou seja, entre Estados ou organizações internacionais, e, por fim mas não menos importante, sua capacidade de produzir efeitos jurídicos.
As fases de elaboração e efeito de um tratado internacional também foram determinadas pela Convenção de Viena. O processo de formação dos tratados internacionais se inicia com os atos de negociação entre as autoridades nacionais das partes interessadas, sendo de competência do Poder Executivo do país.
É na fase de negociação que o texto do tratado é elaborado, incluindo o preâmbulo que expressa os motivos de sua celebração e seus dispositivos que estipulam os direitos e os deveres das partes envolvidas.
Concluída a fase de negociação, realiza-se a etapa de assinatura do documento, por meio da qual os representantes do Poder Executivo das partes aceitam de maneira provisória o seu conteúdo, que ainda precisa ser apreciado e aprovado em um processo legislativo interno.
Trata-se da fase de ratificação do tratado, processo que representa a confirmação e validação internacional, tornando-o obrigatório em âmbito internacional. É o ato no qual o Estado manifesta o seu consentimento em submeter-se ao tratado.
Após ratificado em plano internacional, ocorre a promulgação e publicação do tratado, ato jurídico pelo qual o Estado afirma a validade interna do documento, passando a fazer parte do direito interno do país. Como etapa final, o instrumento de ratificação deve ser depositado para custódia pela ONU.
Os tratados internacionais de Direitos Humanos, portanto, seguem essa lógica conceitual e de elaboração, adquirindo efeito jurídico no direito internacional. Dessa forma é válido explorarmos os principais tratados internacionais de Direitos Humanos existentes hoje.
Os tratados internacionais e o sistema internacional de proteção são fundamentais para garantir os direitos humanos e promover a justiça e a paz, que são aspectos centrais do ODS 16. Veja mais detalhes sobre o tema: Como o ODS 16 ajuda a combater a violência e promover uma cultura de paz?
Quais os principais tratados internacionais de Direitos Humanos?
Conforme afirma Richard B, Bilder, professor da Universidade de Direito de Wisconsin:
“o movimento do direito internacional dos Direitos Humanos é baseado na concepção de que toda nação tem a obrigação de respeitar os Direitos Humanos de seus cidadãos e de que todas as nações e a comunidade internacional têm o direito e a responsabilidade de protestar, se um Estado não cumprir suas obrigações”.
Tendo isso em vista, vale entendermos quais são as principais obrigações assumidas no âmbito da ONU. A Assembleia Geral da ONU adota nove principais tratados internacionais de Direitos Humanos.
Cada um deles conta com um Comitê de especialistas independentes que monitoram o seu cumprimento pelos países signatários.
Os Comitês analisam informações apresentadas pelos Estados membros anualmente, realizando um processo de revisão.
Após isso, os Estados membros, em nome do princípio da boa-fé, devem observar os comentários feitos na revisão e implementá-los internamente em seus territórios. Os tratados são:
- Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, 1966;
- Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, 1966;
- Convenção sobre Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, 1966;
- Convenção sobre Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, 1979;
- Convenção contra a Tortura, 1984;
- Convenção sobre os Direitos da Criança, 1989;
- Convenção sobre Proteção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e suas Famílias, 1990;
- Convenção sobre os Direitos de Pessoas com Deficiência, 2007;
- Convenção para a Proteção de Todas as Pessoas contra os Desaparecimentos Forçados, 2007.
Destes, destacamos o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, monitorado pelo Comitê de Direitos Humanos da ONU, e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais.
Eles abordam o tema de maneira mais universal e menos específica, diferente dos demais.
Ambos foram produzidos para reforçar o princípio da indivisibilidade dos Direitos Humanos, ou seja, de que direitos civis e políticos possuem a mesma importância que direitos sociais, econômicos e culturais, e estão diretamente conectados.
Desse modo, os Pactos especificam e detalham direitos previstos na Declaração Universal de Direitos Humanos, sendo uma espécie de extensão.
O Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, prevê, por exemplo, o direito à autodeterminação dos povos, a igualdade entre homens e mulheres no gozo de direitos civis e políticos, a proibição de prisão arbitrária, proteção à vida privada, entre outros.
Já o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, entre outros pontos, prevê o direito à livre escolha do trabalho, a condições justas e favoráveis de trabalho, à realização de greve, à previdência social, à participação na vida cultural.
É importante ressaltar que a utilização dos instrumentos normativos do Sistema Internacional de Proteção dos Direitos Humanos não implica abandonar o uso dos sistemas nacionais e seus ordenamentos jurídicos internos. Ambos coexistem e servem de fortalecimento do respeito aos Direitos Humanos.
Legal, mas e quanto a aplicabilidade desses tratados? Bem, um caso prático foi utilização da Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (Cedaw) para responsabilizar o Estado brasileiro por não oferecer atendimento médico a uma mulher.
A mulher era Alyne da Silva Pimentel Teixeira, moradora do Rio de Janeiro, que em 2002 estava no sexto mês de gestação e buscou assistência médica por sentir dores abdominais.
No hospital descobriu que suas dores eram causadas pela morte do feto. Alyne foi submetida a cirurgia mas o seu quadro se agravou, tendo que ser transferida de hospital. No segundo hospital, por falta de leito a jovem aguardou por várias horas para ser atendida e acabou falecendo.
Em 2011, com base no Cedaw, o Estado brasileiro foi responsabilizado por não prestar assistência médica à Alyne, tendo que indenizar a sua família.
Se esse caso ainda não é o suficiente, então confere o infográfico abaixo onde mostramos outras situações práticas em que os tratados foram utilizados.
Conclusão
A amplitude que o Sistema Internacional de Proteção dos Direitos Humanos sob a tutela da ONU proporcionou nunca havia sido registrada na história da humanidade.
É graças a sua construção e pela efetivação dos seus principais instrumentos, os tratados internacionais de Direitos Humanos, que hoje somos regidos pelo seu guarda chuva universal e temos princípios elementares, como o princípio da dignidade da pessoa humana, garantidos.
Isso não significa que atingimos um sistema sem defeitos, que não há falhas e fatores para serem melhorados. Mas com certeza representa um avanço na luta contra a discriminação, contra a desigualdade e contra a injustiça social, tentando fazer do mundo um lugar mais democrático.
Sendo assim, os tratados internacionais de Direitos Humanos devem ser respeitados, os Estados signatários devem seguir as obrigações estipuladas, a fim de contribuir para a construção de sociedades com cada vez mais equidade.
A nós, indivíduos, resta fazermos nosso papel enquanto cidadãos do mundo, cumprindo com nossos deveres e exigindo os nossos direitos.
Até porque, não é apenas no âmbito global que os Direitos Humanos são protegidos, mas também no âmbito regional. Ficou curioso para entender sobre isso? Então você pode conferir o nosso texto sobre o Sistema Interamericano de Direitos Humanos e demais sistemas regionais.
Ah! E se quiser conferir um resumo super completo sobre o tema “Direitos Humanos”, confere o vídeo abaixo!
Autores:
Bárbara Correia Florêncio Silva
Eduardo de Rê
Helórya Santiago de Souza
Julia Piazza Leite Monteiro
Luíza da Camara Chaves
Marcella Caram Zerey
Marília Lofrano
Yvilla Diniz Gonzalez
Fontes:
2 – AQUINO, Leonardo G. Tratados Internacionais (Teoria Geral). Âmbito Jurídico, Rio Grande, XIII, n. 75, abril de 2010. Disponível em: <https://d1wqtxts1xzle7.cloudfront.net/39277689/Tratados_Internacionais_Teoria_Geral_-_Internacional_-_Ambito_Juridico.pdf?1445191823=&response-content-disposition=inline%3B+filename%3Ddireito_dos_tratados.pdf&Expires=1604599642&Signature=eNr2irOj5CJQrRokMl1~jFxY-6vgqwSX4UtR~t25vpVlvVUZdBEA4C9GIsVAJ27Pa91Yt75q0-cLgqFfJn2cUIQcCSYCqBnuwML7xD6vKyYHfL5d5shc3C4d6xj6Nevb5kGfcwOjA9LYqSd0W6vmlxwk3hrEwo4KnveuPqnv1J2fDBLFEgbcZEDLqMDnmBDAS~e3cjs0rOw8BT3P8DLDMc8YHvY~GgBaVjuuOqE6jId0DWZI9k5Yb19Tm7BnZ13yTJ5~Setu~w1OmD5Xst-vrNZywhdk6hRLBvbQuhGC314r-yJC~4BdJA31LdJFW2WVjHe6MYRcc7zJoR6ooAEMBA__&Key-Pair-Id=APKAJLOHF5GGSLRBV4ZA>. Acesso em 05/11/2020.
3 – CASTILHO, Ricardo. Direitos Humanos. 5ª edição, São Paulo: Saraiva Educação, 2018.
4 – Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), 1948.
5 – Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, 1789.
6 – FREITAS, Fábio F.B. A questão democrática e os direitos humanos:encontros, desencontros e um caminho. In: In: TOSI, Giuseppe, Direitos humanos: História, teoria e prática. João Pessoa: Editora UFPB, 2005, p. 105-135.
7 – PIOVESAN, Flávia. Tratados Internacionais de Proteção dos Direitos Humanos: Jurisprudência do STF, 2013. Disponível em:<http://www.oas.org/es/sadye/inclusion-social/protocolo-ssv/docs/piovesan-tratados.pdf>. Acesso em: 05/11/2020.
8 – MONTES, Rocío. A prisão de Augusto Pinochet: 20 anos do caso que transformou a Justiça internacional. Santiago, El País, 2018. Disponível em: <https://brasil.elpais.com/brasil/2018/10/16/internacional/1539652824_848459.html>. Acesso em: 05/11/2020.
9 – BILDER, Richard B. An overview of international human rights law. In: HANNUM, Hurst. Guide to international human rights practice. 2. ed. Philadelphia: University of Pennsylvania Press, 1992. p. 3-5.
10 – LIMA JR, Jayme B. Manual de Direitos Humanos Internacionais: Acesso aos Sistemas globais e Regional de Proteção dos Direitos Humanos. São Paulo: Editora Loyola, 2002.
11 – Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, 1966;
12 – Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, 1966;
13- Senado notícias. Entenda o caso Alyne. Da Redação. Senado Federal, 2013. Disponível em:<https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2013/11/14/entenda-o-caso-alyne>. Acesso em: 04/12/2020.