Você já se perguntou se temos a garantia dos Direitos Humanos no Brasil? A resposta é sim, apesar de que para muitos, essa realidade pode parecer distante.
Os Direitos Humanos nada mais são do que um conjunto de normas, procedimentos, princípios e valores que exaltam a vida e a existência humana como um valor absoluto. Sendo assim, os valores de liberdade, justiça e solidariedade são reconhecidos como inalienáveis, ou seja, são únicos e não podem ser transferidos.
Esse reconhecimento para todos os seres humanos, sem distinção, nasce com a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), em 1948, que fez com que a importância dos Direitos Humanos ganhasse peso ao redor do mundo.
No Brasil não foi diferente. Muitos dos direitos previstos pela Constituição Federal de 1988 tiveram influência do contexto internacional.
Essa conquista recente, fruto de um longo processo histórico, foi um grande desafio para um país marcado pela grande desigualdade econômica e social existente, herdada de um passado colonial e escravocrata.
Para se ter uma ideia da realidade, segundo dados do IBGE de 2018, cerca de 100 milhões de brasileiros, quase metade da população, vivem com R$ 413,00 por mês, enquanto que apenas 1% da população recebe R$ 16.297 ou mais por mês.
Por esse motivo, neste texto do projeto Equidade vamos falar sobre a garantia dos Direitos Humanos no Brasil, buscando compreender a dimensão de sua importância para o país atualmente e entender como são aplicados no território brasileiro.
O projeto Equidade é uma parceria entre a Politize!, o Instituto Mattos Filho e a Civicus, voltada a apresentar, de forma simples e didática, os Direitos Humanos e os principais temas que eles envolvem, desde os seus principais fundamentos e conceitos aos seus impactos em nossas vidas. E então, preparado (a) para entender sobre os Direitos Humanos no Brasil? Segue com a gente!
Ah! E se quiser, escute nosso podcast complementar ao assunto do texto:
História dos Direitos Humanos no Brasil
Assim como comentamos no texto sobre a história dos Direitos Humanos, uma boa forma para entendermos um fenômeno social é analisando a sua história. Dessa forma, para olharmos a evolução da garantia dos Direitos Humanos no Brasil, começamos pela sua origem.
A construção da cidadania no Brasil se deu em um longo processo histórico. Durante o período colonial (1530-1822), em que o país era submetido ao regime da metrópole portuguesa, o poder político era fortemente centralizado e a sociedade era visivelmente hierarquizada e baseada em privilégios.
Eram apenas as elites, formadas principalmente por proprietários de terra e a burguesia comercial, que possuíam acesso a direitos civis. Ou seja, ainda não existia a concepção generalizada de cidadão no país.
Os indivíduos que não se encaixavam nessas categorias, muitos deles escravizados, não participavam da vida pública e estavam submetidos à alta concentração de poder nas mãos de poucos.
Os direitos à cidadania começaram a surgir apenas após o processo de descolonização do país, que ao contrário de outros países, foi resultado de um acordo político e não de uma revolução.
Com isso, o Brasil ganhou maior autonomia política e em 1824 foi outorgada (elaborada sem participação popular) a sua primeira Constituição, pelo imperador D. Pedro I. Entre as suas principais medidas, destaca-se o direito ao voto para homens livres e a garantia da gratuidade da educação primária no país.
Direitos Humanos no Brasil República
Os primeiros elementos efetivos de Direitos Humanos no Brasil, contudo, surgem apenas um século depois, com a Constituição de 1934, a segunda do período republicano do país, estabelecido em 1889.
O presidente era Getúlio Vargas, que tomou o poder por meio de um golpe armado em 1930 e convocou uma Assembleia Constituinte para redigir uma nova constituição.
As medidas da Constituição de 1934 que caracterizaram avanços para os Direitos Humanos foram: a) o estabelecimento da legislação trabalhista; b) o direito ao voto às mulheres; c) garantias individuais; d) direitos políticos e de nacionalidade.
Porém, muitos desses direitos logo foram suprimidos, quando Vargas promulgou a Constituição de 1937 e institucionalizou a ditadura do Estado Novo no país, que durou até 1945.
Os direitos civis foram ainda mais suprimidos com a imposição da Constituição de 1967, após o golpe militar que derrubou o presidente João Goulart em 1964.
O regime militar foi o período mais autoritário do Brasil República, marcado pela extinção de partidos políticos, pelo fechamento do Congresso Nacional e pela perseguição de direitos políticos e civis.
Então foi somente com o fim da ditadura militar em 1985 que a previsão constitucional dos Direitos Humanos ganhou força no país.
O período é conhecido como o processo de redemocratização do Brasil e é marcado pela promulgação da Constituição Federal de 1988, também chamada de Constituição Cidadã.
Nela, os direitos e as liberdades individuais são ampliados, garantindo a inviolabilidade do direito à vida, à igualdade, à segurança e à propriedade, com base no princípio da dignidade da pessoa humana.
Saiba mais sobre como a justiça social, igualdade de direitos e desenvolvimento sustentável se conectam: Água potável e saneamento básico: como isso é abordado no ODS 6?
O Brasil no Sistema Internacional de Proteção dos Direitos Humanos
Agora que você já compreendeu o longo e gradual processo de conquistas dos direitos civis e políticos no Brasil, podemos explorar como o país está inserido no Sistema Internacional de Proteção dos Direitos Humanos e o que isso representa para todos nós, cidadãos brasileiros.
Primeiramente, o Sistema Internacional surgiu com a fundação da Organização das Nações Unidas (ONU), em 1945, em um contexto pós-guerras mundiais que devastaram a Europa.
As consequências negativas desse período somadas com uma grande quantidade de crueldades e violações de Direitos Humanos fizeram com que a Assembleia Geral da ONU aprovasse a Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948.
O Brasil participou de ambos os processos e contribuiu para que o Sistema Internacional de Proteção dos Direitos Humanos fosse estabelecido, determinando o caráter universal dos Direitos Humanos no mundo.
Entretanto, como vimos no contexto histórico brasileiro, o regime militar cassou grande parte dos direitos civis e políticos internamente, fazendo com que a implementação e a inserção efetiva do país no Sistema Internacional de Proteção dos Direitos Humanos ocorresse apenas no fim do século XX e início do século XXI.
A adesão e a conexão brasileira com o Direito Internacional dos Direitos Humanos como um fator de nossa política externa se intensificou após o país ter que produzir um diagnóstico da situação brasileira para ser apresentado na Conferência de Direitos Humanos da ONU, em 1993.
Com isso, houve maior pressão para o Brasil ratificar e se comprometer a cumprir os tratados internacionais de Direitos Humanos da ONU. Como resultado, foi elaborado o primeiro Plano Nacional de Direitos Humanos, em 1996, que estabeleceu metas a serem priorizadas pelo governo em relação aos Direitos Humanos.
Assim, o Brasil também buscou resgatar a sua atuação em matéria de Direitos Humanos no âmbito das Américas. Vale lembrar que o Sistema Internacional, além do contexto mundial, é formado por Sistemas Regionais de Proteção dos Direitos Humanos.
O Brasil faz parte do Sistema Interamericano de Direitos Humanos (SIDH), por ser membro da Organização dos Estados Americanos (OEA) e ter ratificado em 1992 a Convenção Americana de Direitos Humanos.
Esse resgate se deu principalmente por meio da aceitação da jurisdição obrigatória da Corte Interamericana de Direitos Humanos, em 1998, completando o compromisso brasileiro com os “3 Cs” do Sistema Interamericano, a Convenção, a Comissão e a Corte.
Com isso o Brasil afirmou um compromisso interno com os Direitos Humanos, aderindo aos instrumentos internacionais que fortalecem os princípios e valores democráticos e servem como ferramentas para a consolidação de uma cultura de respeito aos Direitos Humanos.
Atualmente, o Brasil possui ratificado oito dos nove principais tratados internacionais de Direitos Humanos sob a égide da ONU, incluindo os seus protocolos. São eles:
- Convenção sobre Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, 1966;
- Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, 1966;
- Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, 1966;
- Convenção sobre Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, 1979;
- Convenção contra a Tortura, 1984;
- Convenção sobre os Direitos da Criança, 1989;
- Convenção para a Proteção de Todas as Pessoas contra os Desaparecimentos Forçados, 2007;
- Convenção sobre os Direitos de Pessoas com Deficiência, 2007.
Saiba mais sobre como a justiça social, igualdade de direitos e desenvolvimento sustentável se conectam: O ODS 14 protege a vida marinha?
Como isso é aplicado no direito brasileiro?
Bom saber que o nosso país faz parte de um sistema que luta pela garantia dos Direitos Humanos à nível regional e mundial, não é mesmo? Mas como isso nos afeta diretamente? Bem, para que tenha um impacto em nossas vidas esses direitos precisam ser assegurados e implementados no âmbito nacional, ou seja, dentro do país.
Para isso é preciso que os tratados internacionais e regionais de Direitos Humanos sejam incorporados na legislação nacional do Brasil.
A incorporação ao direito brasileiro ocorre geralmente em quatro fases e envolvem todas as esferas do Poder Público, semelhante com o já explicado processo de incorporação de um tratado em nosso texto sobre o Sistema Internacional de Proteção e os tratados internacionais de Direitos Humanos, vale a pena conferir.
Aqui no Brasil, a primeira etapa diz respeito ao processo de negociação e assinatura do tratado, em que o país manifesta seu desejo de celebrar o documento e internalizá-lo às normas nacionais.
A segunda fase é o momento de aprovação pelo Congresso Nacional, em que caso a Câmara ou o Senado não concordem com o texto, é permitido que façam alterações no texto proposto pelo tratado para que se adeque à legislação nacional. Caso o texto seja aprovado, a sua publicação ocorrerá por meio de um Decreto Legislativo.
A terceira fase representa o processo de ratificação, no qual compete ao Presidente da República a celebração definitiva do tratado, que passa a ter validade no âmbito internacional.
A quarta e última fase corresponde ao processo de validade interna do tratado, que ocorre apenas após a promulgação do Decreto Presidencial pelo Presidente da República, vinculando o acordo internacional ao conjunto de normas que regulam o país.
Após esses procedimentos, os acordos internacionais podem ter diferentes posições hierárquicas no ordenamento jurídico do Brasil.
Nesse sentido, os tratados podem ter um Status Supralegal, encontrando-se em posição inferior à Constituição Federal, mas superior às demais leis do direito brasileiro.
Ou um Status de Emenda Constitucional, em que o tratado ocupa uma posição equivalente à Constituição Federal. Atualmente, apenas a Convenção Internacional sobre o Direito das Pessoas com Deficiência, de 2006, possui status constitucional no país.
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Exemplos de aplicação do Sistema Internacional de Proteção dos Direitos Humanos no Brasil
Partindo para usos práticos da implementação do Sistema Internacional de Proteção dos Direitos Humanos aqui no Brasil, temos, por exemplo, o uso da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, de 1979, pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para assegurar o exercício da maternidade inclusive a mães e gestantes presas, no HC nº 143.641, em 2018.
A Convenção também foi utilizada pelo Supremo Tribunal de Justiça (STJ), para proteger a mulher em situações envolvendo violência, como no julgamento CC nº 150.712/SP, ocorrido também em 2018.
Além disso, podemos pensar em um caso hipotético. Por exemplo, imagine que você sofra algum tipo de discriminação racial devido a cor da sua pele e é impedido de frequentar um espaço público por causa disso.
Com base na Constituição Federal, você pode fazer uma denúncia ao Ministério Público e exigir o seu direito de liberdade de ir e vir.
Ou ainda, caso os órgãos nacionais não assegurem o seu direito, pode apresentar a denúncia à Comissão Interamericana de Direitos Humanos relatando que há uma violação de Direitos Humanos ocorrendo no Brasil, onde pessoas de cor de pele preta estão impossibilitadas de frequentar um ambiente público.
Conclusão
Chega a ser impensável viver em uma sociedade em que direitos fundamentais como o direito à vida, à liberdade e a igualdade não são garantidos e assegurados para todos os seus cidadãos. No Brasil, essa garantia é uma conquista recente e merece ser destacada.
O cenário nacional é complexo e diversificado. O país possui características socioeconômicas herdadas de um período colonial e escravocrata, no qual as relações sociais e econômicas eram baseadas na exploração.
A vida nesse caso pouco importava perto do lucro que conseguiam aqueles que detinham o poder, justamente por meio desse sistema injusto e degradante.
As consequências disso são visíveis, o Brasil é um dos países mais desiguais do mundo, com uma mobilidade social baixíssima. Isto é, pessoas de classes mais baixas possuem pouca ou quase nenhuma perspectiva e oportunidade de se deslocarem para classes mais altas e terem um melhor padrão de vida.
São por razões como essa que o projeto Equidade busca levar conhecimento para todos, da maneira mais democrática possível.
Pois, não há como exigirmos certo direito se não sabemos que possuímos ele. Dessa forma, os Direitos Humanos no Brasil ganham uma relevância ainda maior, visto que ainda é preciso lutar para que todos os cidadãos brasileiros, sem exceção, tenham uma vida com dignidade.
Percebe-se que os Direitos Humanos possibilitaram um grande progresso em termos de civilização e convivência em sociedade, mas que ainda há muitos obstáculos a serem superados. É sobre isso que tratamos no nosso próximo texto aqui no Equidade, vale a pena conferir.
Ah! E se quiser conferir um resumo super completo sobre o tema “Direitos Humanos”, confere o vídeo abaixo!
Autores:
Bárbara Correia Florêncio Silva
Eduardo de Rê
Helórya Santiago de Souza
Julia Piazza Leite Monteiro
Luíza da Camara Chaves
Marcella Caram Zerey
Marília Lofrano
Yvilla Diniz Gonzalez
Fontes:
2- CASTILHO, Ricardo. Direitos Humanos. 5ª edição, São Paulo: Saraiva Educação, 2018.
3- ENGELMANN, Fabiano; MADEIRA, Lígia M. A causa e as políticas de Direitos Humanos no Brasil. Caderno CRH, Salvador, vol. 28, nº 75, p. 623-637, set/dez 2015.
4- PASSOS, Tiago. Direitos Humanos no Brasil: Quadro Atual, Avanços e Retrocessos. Revista Uniso, Sorocaba – SP, vol. 35, nº 1, p. 83-105, jun. 2009.
5- CITADDINO, Monique; SILVEIRA, Rosa M. Direitos Humanos no Brasil em uma perspectiva histórica. In: TOSI, Giuseppe, Direitos humanos: História, teoria e prática. João Pessoa: Editora UFPB, 2005, p. 135-164.
6- COMPARATO, Fábio K. Direitos Humanos no Brasil: o passado e o futuro. Revista USP. São Paulo, nº 43, p. 168-175, set/nov. 1999.
7- VENTURA, Deisy; CETRA, Raísa. O Brasil e o Sistema Interamericano de Direitos Humanos: de Maria da Penha à Belo Monte. Seminário Internacional “Limites e Possibilidades da Justiça de Transição – impunidade, direitos e democracia”. Porto Alegre, 2012.
8 – MESQUITA NETO, Paulo; PINHEIRO, Paulo S. Direitos Humanos: Perspectivas no final do século. In: Cinquenta Anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos. São Paulo, Pesquisas, n. 11, 1998.