Os direitos LGBT+ no Brasil

/
/
Os direitos LGBT+ no Brasil
08 set 2021
08 / set / 2021

Os direitos LGBT+ no Brasil

Segundo o relatório Mortes Violentas de LGBT+ no Brasil, do Grupo Gay da Bahia (GGB), no ano de 2019 foram registradas 329 mortes violentas de pessoas vítimas de LGBTfobia no país. Sendo que 297 dessas mortes foram homicídios e 32 suicídios.

Os dados indicam quase uma morte por dia de membros da comunidade LGBTQIAP+ por discriminação por motivos de orientação sexual ou identidade de gênero. Isso evidencia a necessidade da garantia e da implementação dos direitos LGBT+ no Brasil.

Os direitos LGBT+ no Brasil dizem respeito ao conjunto de direitos fundamentais que visam à proteção do grupo LGBTQIAP+ com base no respeito aos direitos humanos.

A conquista desses direitos é recente e a situação de vulnerabilidade desse grupo ainda é uma realidade. Dessa forma, neste texto do Equidade vamos falar sobre os direitos LGBT+ no Brasil, buscando entender quais são esses direitos e qual a sua importância para a nossa sociedade.

O projeto Equidade é uma parceria entre o Politize!, o Instituto Mattos Filho e a Civicus, voltada a apresentar, de forma simples e didática, os Direitos Humanos e os principais temas que eles envolvem, desde os seus principais fundamentos e conceitos aos seus impactos em nossas vidas. E então, preparado (a) para entender sobre os direitos LGBT+ no Brasil? Segue com a gente!

Se quiser, escute nosso podcast complementar ao assunto do texto:

Breve contexto histórico da homossexualidade no Brasil

Já vimos no nosso texto sobre a história dos direitos LGBT+ que as relações homoafetivas estão presentes na humanidade desde os tempos antigos. Tempos em que essas relações não eram discriminadas nem condenadas.

Entretanto, o nosso país passou a construir a sociedade urbana tal qual conhecemos hoje a partir do século XVI, com a colonização europeia. Nesse período, a homossexualidade já era vista na Europa como um comportamento desviante dos padrões sociais. Os homossexuais eram perseguidos e até criminalizados por conta de sua orientação sexual.

Como consequência da colonização europeia, a discriminação por orientação sexual ou identidade de gênero foi estabelecida socialmente e culturalmente no nosso país, fazendo com que alguns estudiosos considerem a LGBTfobia como aspecto estrutural no Brasil. Segundo o doutor em direito constitucional, Adilson José Moreira:

“podemos dizer que a discriminação contra as minorias tem um caráter estrutural quando identificamos a presença de alguns processos que não expressam atos individuais, mas sim forças sociais alimentadas por relações assimétricas de poder” (p. 137). 

Isso significa que uma discriminação tem caráter estrutural quando as próprias instituições da sociedade (Estado, mercado de trabalho, Igreja, entre outros) sejam elas públicas ou privadas, causam desvantagens e desigualdades entre indivíduos em diferentes âmbitos da vida.

Ou seja, não está baseada apenas em ações individuais de discriminação como a agressão física, verbal ou psicológica contra uma pessoa. 

A homossexualidade e a transexualidade se enquadram nesse contexto pelo longo processo de marginalização e exclusão social dos membros do grupo LGBTQIAP+ na história do país. Durante todo o período colonial (1530-1822), por exemplo, as relações sexuais entre pessoas do mesmo gênero eram proibidas por lei.

A descriminalização ocorreu em 1830, com a promulgação do Código Penal do Brasil Império, sendo um dos primeiros países das Américas a fazer isso.

Mesmo assim, a descriminalização não eliminou os preconceitos sociais e os estereótipos existentes contra indivíduos LGBTQIAP+.

Na verdade, a homossexualidade e a transexualidade ainda eram consideradas doença no país. Dessa forma, políticas públicas e direitos voltados para a proteção dessa comunidade só viriam a ser tomados a partir do final do século XX. 

A conquista dos direitos LGBT+ no Brasil

O reconhecimento dos direitos LGBT+ no Brasil estão totalmente ligados com as manifestações e reivindicações do Movimento LGBT no país.

O movimento nasceu de maneira organizada em 1978 por meio do Somos – Grupo de Afirmação Homossexual e contribuiu para o surgimento de grupos sociais pela defesa dos direitos humanos da população LGBTQIAP+. Um exemplo é o Grupo Gay da Bahia (GGB), formado em 1980, o primeiro a se formalizar como ONG (Organização Não-Governamental)

Imagem da bandeira do Brasil e da bandeira LGBTQIAP+ representando os direitos LGBT+ no Brasil

Uma das primeiras vitórias do GGB foi a campanha nacional para a retirada da homossexualidade como doença no catálogo do Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (Inamps), que foi concretizada pelo Conselho Federal de Medicina em 1985. Já na década de 1990, o movimento Somos passa a ser denominado de Movimento LGBT e passa a congregar diversas associações. 

Como a Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT), a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA), a Associação Brasileira de Lésbicas (ABL), a Liga Brasileira de Lésbicas (LBL), a Rede Afro LGBT, entre outras. 

Nesse sentido, o Movimento LGBT+ passa a ter um maior poder de articulação e amplia a sua capacidade de exigência perante o Estado brasileiro na cobrança por direitos e políticas públicas para a proteção da comunidade LGBTQIAP+. Um dos resultados foram os três Programas Nacionais de Direitos Humanos, lançados em 1996, 2002 e 2010, respectivamente. 

Os programas foram um marco por produzir pela primeira vez um documento oficial do governo federal que citava especificamente homossexuais na categoria de grupos em situação mais vulnerável no país.

Além disso, buscou ampliar o escopo de direitos relativos à população LGBTQIAP+, com o objetivo de garantir o respeito à livre orientação sexual e identidade de gênero e propor a incorporação da não-discriminação por orientação sexual na Constituição Federal de 1988. Isso porque a Constituição não cita de maneira específica a comunidade LGBTQIAP+ em seu texto. Veremos isso a seguir.

A discriminação e marginalização de pessoas LGBTQIA+ e transgênero criam barreiras de acesso a emprego, educação, saúde e outros serviços essenciais, levando à pobreza e exclusão social. Combater a LGBTfobia e a transfobia contribui para a redução da pobreza, uma das metas do ODS 1. Saiba mais em: Erradicação da pobreza: entenda esse desafio global

Os direitos LGBT+ em nível nacional

A Constituição Federal de 1988, também conhecida como Constituição Cidadã, é considerada um marco na legislação nacional após a redemocratização do país.

Baseada nos princípios e valores dos direitos humanos, a Constituição destaca o valor da dignidade humana como um dos seus princípios fundamentais.

Nesse sentido, apesar de não fazer menção explícita aos direitos do grupo LGBTQIAP+, há o reconhecimento dos seus direitos fundamentais de forma implícita. 

Isso é garantido por meio do artigo 1º, inciso III, que trata sobre a dignidade da pessoa humana, em que todos, sem exceção, devem ter as condições necessárias para ter uma vida digna.

E por meio do artigo 5º, caput e inciso XLI, que tratam sobre a igualdade entre os indivíduos e do dever do Estado de punir qualquer discriminação que ofenda a liberdade e os direitos fundamentais do ser humano. 

Dessa forma, fica assegurada à comunidade LGBTQIAP+ do Brasil, todos os direitos previstos na Constituição de 1988 a todo e qualquer cidadão. Como o direito à vida, à educação, à saúde, ao trabalho, ao lazer, à igualdade, à liberdade, bem como a garantia dos direitos civis e políticos.

Outras medidas legislativas em nível nacional também foram tomadas para garantir os direitos LGBT+ no Brasil. Como a Portaria nº 2.836 do Ministério da Saúde, em 2011, que estabeleceu a Política Nacional de Saúde Integral LGBT, com o objetivo de promover a saúde dessa população, instituindo mecanismos de gestão para atingir maior equidade no SUS. 

Bem como a Resolução nº 175, de 2013, do Conselho Nacional de Justiça, que determinou proibição às autoridades competentes de recusarem habilitar ou celebrar o casamento civil entre pessoas do mesmo gênero. 

Imagem de um casal homossexual de frente um para o outro sorrindo e com suas testas coladas representando os direitos LGBT+ no Brasil

Além disso, no ano de 2018, por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4275, o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu o direito à alteração de nome e gênero no registro civil sem a necessidade de procedimento cirúrgico para redesignação de sexo e de ação judicial. 

Já no ano de 2019, por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão nº 26, o STF decretou a possibilidade de atos homofóbicos e transfóbicos serem punidos como racismo, com base na Lei nº 7.716/1989, até que uma lei específica que trate sobre a homofobia e transfobia seja elaborada.

O mais recente marco dos direitos LGBT+ no âmbito nacional também está ligado ao STF. No ano de 2020, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5543, o órgão reconheceu que homens bissexuais e homossexuais podem doar sangue a terceiros no Brasil, eliminando a restrição que existia no país desde 1991. A proibição existia devido a uma ideia preconceituosa de que esses indivíduos estariam mais propensos a portarem infecções sexualmente transmissíveis (IST).

Os direitos LGBT+ em nível estadual e municipal

Para além dos direitos que possuem amplitude nacional, existem diversas medidas legislativas estaduais e municipais que visam a proteção da comunidade LGBTQIAP+. Cerca de 70% da população brasileira reside em regiões onde as leis locais fornecem a proteção contra a discriminação com base na orientação sexual e na identidade de gênero.

São exemplos os seguintes estados: Amapá; Amazonas; Distrito Federal; Espírito Santo; Maranhão; Mato Grosso do Sul; Minas Gerais; Pará; Paraíba; Piauí; Rio de Janeiro; Rio Grande do Norte; Rio Grande do Sul; Rondônia; Santa Catarina; São Paulo. Além de cidades, como Fortaleza, Recife e Vitória.

Um exemplo é a Lei nº 3079 de 2006 do Estado do Amazonas, que dispõe sobre o combate à discriminação em razão da orientação sexual. Bem como a Lei nº 12.574 de 2003, do Estado de Santa Catarina, que prevê logo em seu artigo 1º a punição a toda e qualquer manifestação atentatória ou discriminatória contra homossexuais, bissexuais e transgêneros. 

Além disso, em 2006, o governo do Estado de São Paulo inaugurou a Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Decradi). E, atualmente, em vista das decisões do STF de equiparação da discriminação à comunidade LGBTQQIAP+ ao crime de racismo, torna-se mais evidente a possibilidade de utilização do Decradi para reportar violações aos direitos da população LGBTQIAP+ em São Paulo.

A realidade da população LGBTQIAP+ no Brasil

Mesmo com os avanços jurídicos e também legislativos dos últimos tempos, a situação da comunidade LGBTQIAP+ no Brasil se encontra longe da ideal. O grande número de mortes desses indivíduos coloca o país como o que mais mata transgêneros no mundo. 

De acordo com relatório Trans Murder Monitoring, da organização Transgender Europe, entre os anos de 2008 e 2020, cerca de 1.520 pessoas transgêneras foram assassinadas no Brasil.

Para efeito de comparação, o segundo colocado, o México, reportou o assassinato de 528 transgêneros no mesmo período de tempo, quase mil pessoas a menos.

Para além das mortes, de acordo com o Ministério da Mulher, Família e dos Direitos Humanos (MMFDH), os dados do Disque 100 (Disque Direitos Humanos) mostram que no ano de 2018 foram registradas 1.685 denúncias de violência contra pessoas LGBTQIAP+ no país.

Dessas denúncias, foram contabilizadas 2.879 violações de direitos LGBT+, sendo 70,56% referentes à discriminação, 47,95% à violência psicológica, 27,48% à violência física e 11,51% à violência institucional. Lembrando que cada denúncia pode envolver mais de um tipo de violação.

Em relação aos dados das vítimas, 32% se declararam gays, 31% transgêneros, 9,7% lésbicas, 2,5% bissexual, 2% heterossexual e 22% não informaram sua orientação sexual. A faixa etária prevalecente (45%) são de pessoas entre 18 e 30 anos.

Conclusão

O histórico da criminalização das relações homoafetivas seguido da falta de políticas públicas e medidas legislativas para combater o preconceito por orientação sexual e identidade de gênero no país, fez com que somente no século XX a homossexualidade fosse oficialmente desconsiderada uma doença. Isso significa que o reconhecimento dos direitos LGBT+ no Brasil é recente, surgindo da luta da própria comunidade LGTBQIAP+ para a garantia dos seus direitos fundamentais.

Contudo, os avanços observados se mostram insuficientes para proteger de maneira adequada esse grupo vulnerável. As decisões do STF são um indicativo disso, visto que o tribunal agiu justamente pela falta de uma lei federal que trate exclusivamente sobre os direitos LGBT+, abordando de maneira particular a discriminação por orientação sexual e identidade de gênero. 

Nesse sentido, além de mais medidas legislativas e jurídicas voltadas à população LGBTQIAP+, a sociedade como um todo deve se mobilizar para combater a LGBTfobia, exigindo do poder público políticas e ações que visem eliminar os preconceitos e crimes cometidos contra essa população. Aliás, esse será o assunto do nosso próximo texto, em que vamos falar sobre a LGBTfobia e os desafios da população LGBTQIAP+, não perca!

Ah! E se quiser conferir um resumo super completo sobre o tema “Direitos LGBT+“, confere o vídeo abaixo!

Autores:

Bárbara Correia Florêncio Silva
Bianca dos Santos Waks;
Caio Rigon Ortega;
Carina Janson Odfjell;
Edgard Prado Pires;
Eduardo de Rê
Francisca Guerreiro Andrade;
Lucas Henrique De Lucia Gaspar;
Yvilla Diniz Gonzalez;

Fontes:

1- Instituto Mattos Filho;

2- PEREIRA, Cleyton. Notas sobre a trajetória das políticas públicas de direitos humanos LGBT no Brasil. Revista Interdisciplinar de Direitos Humanos, Bauru, vol. 4, n. 1, p. 115-137, 2016.

3- DANILIAUSKAS, Marcelo. De “temas polêmicos” a “sujeitos de direitos”: LGBT nas políticas públicas de Direitos Humanos e de Educação (1996-2010). Fazendo Gênero 9: Diásporas, Diversidades, Deslocamentos, 2010. Disponível em: <http://www.fg2010.wwc2017.eventos.dype.com.br/resources/anais/1278409911_ARQUIVO_DETEMASPOLEMICOSASUJEITOSDEDIREITOSLGBTNASPOLITICASPUBLICASDEDIREITOSHUMANOSEDEEDUCACAO_BRASIL,1996-2010_-final.pdf>. Acesso em: 2 de junho de 2021.

4- PEDRA, Caio. Direitos LGBT: A LGBTfobia estrutural na arena jurídica. Universidade Federal de Minas Gerais. Dissertação de Mestrado. Programa de pós-graduação da Faculdade de Direito e Ciências do Estado. 169f, 2018. Disponível em: <https://repositorio.ufmg.br/bitstream/1843/BUOS-BAMK3R/1/disserta__o_caio_pedra_vers_o_final.pdf>. Acesso em: 2 de junho de 2021.

5- CANABARRO, Ronaldo. História e Direitos sexuais no Brasil: O Movimento LGBT e a Discussão sobre a Cidadania. Anais Eletrônicos do II Congresso Internacional de História Regional, p. 1-15, 2013. Disponível em: <https://direito.mppr.mp.br/arquivos/File/historiaedireitoscanabarro.pdf>. Acesso em: 2 de junho de 2021.

6- MOREIRA, Adilson José. O que é discriminação?. Belo Horizonte: Letramento, 2017. Disponível em: <https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/5556995/mod_resource/content/1/O%20que%20e%CC%81%20discriminac%CC%A7a%CC%83o%20%281%29.pdf>. Acesso em: 2 de junho de 2021.

7- MELLO, Luiz, et al. Políticas públicas para a população LGBT no Brasil: notas sobre alcances e possibilidades. Cadernos Pagu (39), p. 403-429, 2012.

© 2022 - Todos os direitos reservados.

A Politize! precisa de você. Sua doação será convertida em ações de impacto social positivo para fortalecer a nossa democracia. Seja parte da solução!

Pular para o conteúdo