Ao longo dos textos anteriores sobre os direitos LGBT+ foi possível perceber que a luta da população LGBTQIAP+ alcançou avanços no reconhecimento dos seus direitos fundamentais, tanto no Brasil, quanto no mundo. Contudo, a garantia desses direitos ainda não se mostra efetiva, sendo a LGBTfobia um dos maiores desafios na sua implementação.
Segundo estudo da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) publicado em 2020, entre os anos de 2015 e 2017, cerca de 24.564 notificações de violência contra a comunidade LGBTQIAP+ foram registradas em órgãos competentes no Brasil.
Sabemos que esse número pode ser fruto de subnotificação, pelo medo das ameaças e práticas abusivas que essas pessoas recebem para não relatar as agressões que sofrem. Mesmo assim, as notificações equivalem a dizer que uma pessoa LGBTQIAP+ é agredida por hora no nosso país.
É por isso que neste texto do Equidade vamos falar sobre os desafios que a população LGBTQIAP+ ainda enfrenta no respeito à sua dignidade, sendo o maior deles a LGBTfobia, muito presente em nossa sociedade.
O projeto Equidade é uma parceria entre o Politize!, o Instituto Mattos Filho e a Civicus, voltada a apresentar, de forma simples e didática, os Direitos Humanos e os principais temas que eles envolvem, desde os seus principais fundamentos e conceitos aos seus impactos em nossas vidas. E então, preparado (a) para entender sobre LGBTfobia e os desafios da população LGBTQIAP+? Segue com a gente!
O que é LGBTfobia?
Primeiramente, para entendermos por que a LGBTfobia é um desafio para a comunidade LGBTQIAP+, precisamos compreender o que isso significa. De maneira objetiva, a LGBTfobia se refere a qualquer forma de intolerância e aversão contra pessoas que não são heterossexuais e cisgêneras.
O termo deriva da palavra homofobia, expressado pela primeira vez em 1965, pelo psicoterapeuta norteamericano George Weinberg para se referir à discriminação contra homossexuais.
A origem epistemológica da palavra homofobia diz respeito à união dos radicais gregos “homos” (igual ou semelhante) e “fobia” (medo), passando a ser utilizado para definir os sentimentos e as ações negativas contra pessoas que se sentem sexual e afetivamente atraídas por pessoas do mesmo gênero.
Contudo, com o passar dos anos, viu-se a necessidade de inclusão de nomenclaturas que abrangessem as demais orientações sexuais e identidades de gêneros da população LGBTQIAP+. Com isso, surgem termos particulares que dizem respeito a aversões e intolerâncias específicas contra essa população. São eles: a lesbofobia, a gayfobia, a bifobia e a transfobia.
A lesbofobia é utilizada exclusivamente em casos de discriminação e agressão contra mulheres lésbicas. A gayfobia refere-se especificamente à discriminação e agressão contra homens gays. A bifobia diz respeito à aversão e a violência contra pessoas bissexuais. E, por fim, a transfobia é exclusivamente a discriminação e a violência contra pessoas transgênero (que inclui transexuais e travestis).
Nesse sentido, a LGBTfobia engloba e inclui todos esses termos e classificações, representando uma definição abrangente em relação aos preconceitos e intolerâncias existentes contra a comunidade LGBTQIAP+.
A discriminação e marginalização de pessoas LGBTQIA+ e transgênero criam barreiras de acesso a emprego, educação, saúde e outros serviços essenciais, levando à pobreza e exclusão social. Combater a LGBTfobia e a transfobia contribui para a redução da pobreza, uma das metas do ODS 1. Saiba mais em: Erradicação da pobreza: entenda esse desafio global
Os preconceitos e estereótipos contra a população LGBTQIAP+
Pode-se dizer que a LGBTfobia nasce dos preconceitos e estereótipos construídos contra a comunidade LGBTQIAP+ em nossa sociedade, resultando em obstáculos na implementação dos direitos LGBT+. Foi somente a partir da década de 1960, após muita luta e reivindicação, que as pautas LGBTQIAP+ começaram a ser incluídas no cenário político e social global.
Isso resultou na inclusão de muitas das demandas do Movimento LGBT+ no debate público em relação aos seus direitos, mas não necessariamente na aceitação dessas demandas.
Fato é que há uma polemização quando o assunto é sexualidade. Os preconceitos referentes às pessoas LGBTQIAP+ foram construídos com base na visão do “certo” e do “errado” perante a sociedade. Essa visão assume que relações sexuais entre pessoas do mesmo gênero não são naturais e, consequentemente, não podem ser consideradas como “normais”.
De acordo com a jurista brasileira Maria Berenice Dias (2017), a cisheterossexualidade aparece, assim, como o padrão para as outras sexualidades e identidades de gênero, existindo a crença social de que há uma hierarquia de sexualidades e identidades de gênero, na qual a cisheterossexualidade ocupa uma posição superior.
Essa crença resulta em preconceitos e na intolerância contra as demais orientações sexuais e identidades de gêneros, fazendo com que esses indivíduos sejam excluídos socialmente.
Com isso, a LGBTfobia também pode ser compreendida como um conjunto de crenças e medidas contrárias às expressões sexuais e de gênero que não se enquadram no padrão social da cisheterossexualidade. Socialmente, essas medidas dificultam a luta da comunidade LGBTQIAP+ pela garantia dos seus direitos, justamente por servir como uma barreira ao respeito à igualdade e à dignidade desses indivíduos.
Os impactos da LGBTfobia na sociedade brasileira
Atualmente, a população LGBTQIAP+ no Brasil se encontra em uma situação de vulnerabilidade. Isso porque até mesmo no âmbito educacional é possível encontrar traços de LGBTfobia. Podendo ser vista como um problema crônico, visto que, normalmente, a escola funciona como o primeiro local de socialização entre crianças e jovens,
De acordo com um relatório elaborado em 2016 pela Secretaria de Educação da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT), cerca de 68% dos adolescentes e jovens LGBTQIAP+ entrevistados já foram agredidos verbalmente na escola por causa de sua identidade de gênero. Cerca de 25% foram agredidos fisicamente e 56% foram assediados sexualmente na escola.
Um efeito dessa realidade preconceituosa são os prejuízos e danos causados à saúde mental desses indivíduos. Segundo Kátia Souto, ex-diretora do Departamento de Gestão Estratégica e Participativa do Ministério da Saúde, a LGBTfobia é um problema que mata e adoece.
De acordo com ela:
“Viver numa sociedade que discrimina sua orientação sexual, ou seja, seu afeto e desejo, seu direito de viver a vida amorosamente com uma pessoa de sua preferência, só pode adoecer não apenas quem é discriminado, mas toda a sociedade”.
Não por acaso, o Grupo Gay da Bahia (GGB) registrou um total de 132 suicídios de pessoas LGBTQIAP+ nos anos de 2018 e 2019 no país, em que a maior parte das vítimas tinham entre 14 e 34 anos.
Além da questão da violência, como as 24.564 notificações de violência entre 2015 e 2017 relatadas pela Fundação Oswaldo Cruz e citadas na introdução do texto, a LGBTfobia também gera consequências econômicas.
Segundo um estudo feito em 2016 pela Center for Talent Innovation, cerca de 61% dos trabalhadores LGBTQIAP+ no Brasil escondem a sua orientação sexual ou identidade de gênero por medo de perderem o emprego.
Além disso, de acordo com o levantamento Proud at Work feito em 2019, pelo Linkedin, apenas 13% dos indivíduos LGBTQIAP+ entrevistados ocupam ou já ocuparam algum cargo de chefia ou diretoria.
A criminalização da LGBTfobia
No âmbito legislativo nacional, a prática da LGBTfobia não é considerada crime no Brasil. Isso porque não possuímos uma lei federal que trata especificamente sobre a discriminação por motivos de orientação sexual ou identidade de gênero.
Esse assunto já foi pautado no Congresso Nacional algumas vezes. A primeira vez foi em 2001, com a apresentação do projeto de lei PL 5003/01, que estabelecia sanções contra práticas discriminatórias em razão da orientação sexual. Contudo, o projeto não foi aprovado e acabou arquivado.
Mais tarde, no ano de 2006, foi apresentado o projeto de lei PLC 122/2006, que possuía o mesmo objetivo. Dessa vez, o projeto foi aprovado pela Câmara dos Deputados, mas foi arquivado pelo Senado Federal.
Por conta de não existir uma lei federal que trate sobre o assunto, o Supremo Tribunal Federal (STF), por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 26, decidiu enquadrar a homofobia e a transfobia como crime de racismo com base na Lei 7716/89, até que uma legislação específica sobre LGBTfobia seja elaborada.
Conclusão
As informações e os dados trazidos, não apenas neste texto, mas em toda a trilha de conteúdos sobre os direitos LGBT+ demonstram a situação vulnerável na qual a população LGBTQIAP+ ainda se encontra.
Nesse sentido, a LGBTfobia ainda é um desafio a ser superado pela sociedade. A superação pode ser alcançada a partir dos nossos próprios comportamentos individuais, com a conscientização da igualdade entre todos e com a eliminação de preconceitos. Bem como com a exigência pelo fortalecimento de políticas públicas voltadas para a proteção da população LGBTQIAP+ por parte do poder público.
Assim, é possível construirmos uma sociedade mais democrática, justa e com mais equidade. Esse é um dos objetivos do projeto Equidade e buscamos contribuir para isso por meio da divulgação de conteúdos relacionados aos direitos humanos.
Esse foi o último texto que envolve o tema dos direitos LGBT+, mas o projeto continua. Então fique ligado, pois no nosso próximo tema vamos falar sobre os direitos das pessoas com deficiência, não perca!
Ah! E se quiser conferir um resumo super completo sobre o tema “Direitos LGBT+“, confere o vídeo abaixo!
Autores:
Bárbara Correia Florêncio Silva
Bianca dos Santos Waks;
Caio Rigon Ortega;
Carina Janson Odfjell;
Edgard Prado Pires;
Eduardo de Rê
Francisca Guerreiro Andrade;
Lucas Henrique De Lucia Gaspar;
Yvilla Diniz Gonzalez;
Fontes:
2- DIAS, Maria Berenice. Homoafetividade e direitos LGBTI. São Paulo, SP.
Editora: Revista dos Tribunais, 7ª edição, atualizada e ampliada. 2017.
3- FIGUEIREDO, Danniel; MORAIS, Pâmela. LGBTfobia no Brasil: fatos, números e polêmicas. Politize!. 2018. Disponível em: <https://www.politize.com.br/lgbtfobia-brasil-fatos-numeros-polemicas/>. Acesso em: 15 de junho de 2021.
4- GUAGLIANONE, Diego. #SaúdeMental: LGBTfobia causa danos psicológicos que precisam de atenção. União Brasileira dos Estudantes Secundaristas. Disponível em: <https://ubes.org.br/2018/saudemental-lgbtfobia-causa-danos-psicologicos-que-precisam-de-atencao/>. Acesso em: 14 de junho de 2021.
5- PINTO, Isabella et al. Perfil das notificações de violências em lésbicas, gays, bissexuais, travestis, e transexuais registradas no Sistema de Informação de Agravos de Notificação. Revista Brasileira de Epidemiologia, 23, 2020. Disponível em: <https://www.scielo.br/j/rbepid/a/YV7VvNY5WYLwx4636Hq9Z5r/?lang=pt>. Acesso em: 15 de junho de 2021.
6- ROSA, Lucas. A LGBTfobia como Fenômeno Cultural e seus Impactos Psíquicos. Centro Universitário de Brasília – UniCeub. Monografia na Faculdade de Ciências da Educação e Saúde. Brasília, 2017. Disponível em: <https://repositorio.uniceub.br/jspui/bitstream/235/11482/1/ok-21320322.pdf>. Acesso em: 14 de junho de 2021.
7- SILVEIRA, Miguel. Criminalização da LGBTfobia à luz do princípio da dignidade da pessoa humana. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Monografia na Faculdade de Direito, 2018.
8- TILIO, Rafael; SILVEIRA, Flávia. Integrantes de movimentos LGBT+ e enfrentamento da LGBTfobia. Revista Sociais & Humanas, vol. 34, nº 1, p. 139-154, 2021.