De acordo com dados de 2018 do IBGE, existem cerca de 13 milhões de pessoas com deficiência no Brasil, considerando pessoas que possuem grande ou total dificuldade em enxergar, ouvir, caminhar, subir degraus ou deficiência mental/intelectual. Isso representa aproximadamente 6,7% da população.
Mas quando olhamos para pessoas que possuem algum grau de dificuldade em pelo menos um dos aspectos citados, chegamos ao número de cerca de 46 milhões de brasileiros, ou seja, aproximadamente 24% da população.
Essa grande quantidade de pessoas com deficiência (PcD) no país é razão para que políticas públicas e ações sejam feitas em busca da inclusão social dessas pessoas.
Sendo assim, toda uma estrutura jurídica e legislativa é necessária para que essas pessoas tenham os seus direitos respeitados e condições plenas de acesso e participação nos mais diversos âmbitos da sociedade.
E é em função disso que neste texto do Equidade vamos falar sobre os direitos das pessoas com deficiência no Brasil.
O projeto Equidade é uma parceria entre a Politize!, o Instituto Mattos Filho e a Civicus, voltada a apresentar, de forma simples e didática, os Direitos Humanos e os principais temas que eles envolvem, desde os seus principais fundamentos e conceitos aos seus impactos em nossas vidas. E então, preparado (a) para entender sobre os direitos das pessoas com deficiência no Brasil? Segue com a gente!
Se quiser, escute nosso podcast complementar ao assunto do texto:
Breve contexto histórico das pessoas com deficiência no Brasil
Primeiramente, para compreendermos sobre esses direitos é importante entendermos as suas origens e como as PcD foram tratadas ao longo do tempo no país. Durante o período colonial do país (1500-1815), houve a total exclusão e segregação social das pessoas com deficiência.
Elas eram confinadas pelas suas próprias famílias, ou eram abrigadas em Santas Casas ou em prisões, já que as deficiências eram tratadas com discriminação, preconceito e rejeição pela sociedade.
Isso começou a mudar a partir do século XIX, com a vinda da Corte Portuguesa ao país, quando medidas de acolhimento e não apenas de exclusão se iniciaram por parte do poder público.
Nesse sentido, em 1841, é publicado o Decreto nº 82, fundando o primeiro hospital destinado para o tratamento de “alienados” (pessoas consideradas inválidas e loucas), denominado de Hospício Dom Pedro II, no Rio de Janeiro.
Isso porque a deficiência intelectual era considerada uma forma de loucura, passando a ser tratada em hospícios. Mais tarde, em 1854 e em 1856, foram fundados o Imperial Instituto dos Meninos Cegos e o Imperial Instituto dos Surdos-Mudos, voltados para a educação de deficientes visuais e auditivos no país.
As ações do Estado brasileiro em relação às pessoas com deficiência continuaram a se basear em tratamentos assistencialistas por um longo período de tempo.
Contudo, esses tratamentos não se mostravam efetivos para combater de fato a discriminação. Como resultado, as pessoas com deficiência no Brasil continuavam sem os seus direitos políticos e civis reconhecidos.
Na verdade, a primeira Constituição a incluir de maneira indireta as PcD em seu texto foi a Constituição de 1934, ao garantir o “amparo aos desvalidos”, reconhecendo-os como de responsabilidade dos entes públicos.
O grupo dos “desvalidos” era formado por pessoas que se encontravam em situação de abandono, miserabilidade e eram ignoradas pelo coletivo, como os pobres e as PcD.
Sendo assim, foi apenas na segunda metade do século XX que as pessoas com deficiência tiveram os seus direitos fundamentais reconhecidos no país, muito em vista da luta e reivindicação de movimentos sociais e políticos das PcD no Brasil.
A conquista por direitos
Já vimos no nosso texto sobre a história dos direitos das pessoas com deficiência que, a partir da década de 1970, um novo entendimento sociológico sobre a deficiência surgiu.
Essa compreensão ficou conhecida como o modelo social da deficiência, enxergando que a forma como a sociedade se organiza é a responsável por produzir a deficiência.
A mudança de concepção influenciou o cenário nacional, em que se intensificaram as associações de pessoas com deficiência no Brasil, com a formalização do seu movimento político.
Um exemplo foi a criação da Coalizão Pró-Federação Nacional de Entidades de Pessoas Deficiente, no final de 1979, representando a união de organizações de diferentes estados para planejar estratégias de lutas por direitos.
Assim, a pauta da inclusão das pessoas com deficiência na sociedade e a necessidade do reconhecimento de direitos ganharam cada vez mais força.
Como consequência, com a redemocratização do país, os movimentos sociais e políticos das PcD participaram de maneira ativa no processo de elaboração da nova Constituição brasileira. Reivindicava-se a total e plena cidadania para pessoas com deficiência e a inserção dos seus direitos no texto final do documento.
As pressões deram resultado e a Constituição Federal de 1988 foi a primeira a reconhecer os direitos das pessoas com deficiência no Brasil, englobando os princípios da igualdade, da dignidade da pessoa humana, da liberdade e da cidadania.
Os direitos das pessoas com deficiência no Brasil
A Constituição de 1988 garante todos os direitos fundamentais (direito à vida, saúde, educação, justiça, trabalho, seguridade social, transporte, direitos civis e políticos) às pessoas com deficiência no Brasil.
Ela declara expressamente que todos devem ser tratados sem preconceitos, proibindo qualquer forma de discriminação, principalmente em relação a salários e critérios de admissão do trabalhador(a) com deficiência.
Além disso, o texto constitucional determina a obrigação do poder público à assistência, proteção, garantia e integração social das PcD. Estabelecendo, por exemplo, a reserva de cargos públicos para pessoas com deficiência, bem como critérios diferenciados para a aposentadoria dessas pessoas.
Outro importante documento relacionado às pessoas com deficiência no Brasil é o Estatuto da Pessoa com Deficiência, também conhecido como a Lei Brasileira de Inclusão.
Instituído em 2015, nele são previstos diversos dispositivos que garantem aspectos elementares voltados às PcD, como educação, saúde, moradia, trabalho, entre outros.
A sua principal inovação diz respeito a uma nova abordagem para o tratamento das pessoas com deficiência, com base no modelo social de deficiência e no direito à igualdade de oportunidades.
Isso porque, apesar dos grandes avanços alcançados pela Constituição, em seu texto as PcD ainda são referidas como “pessoas portadoras de deficiência”, termo que deixou de ser o adequado.
Dessa forma, em vista da relevância do Estatuto, vamos falar sobre ele em um texto específico aqui no Equidade, continue acompanhando para saber mais.
Além desses dois importantes documentos para as pessoas com deficiência no Brasil, diversas leis federais dispõem atualmente sobre os seus direitos. Vamos ver melhor algumas delas a seguir
Quer entender mais sobre desigualdade social? Confira o conteúdo do Projeto Direito ao Desenvolvimento: Desigualdade social no Brasil: conheça o Novo Pacto Nacional das OSCs
A legislação federal e as garantias das PcD
Ainda em 1989, ano seguinte à promulgação da Constituição, foi publicada a Lei nº 7.853/1989, a primeira lei brasileira a estabelecer normas para o pleno exercício dos direitos individuais e sociais das PcD.
Assim, estabelece a sua efetiva integração social e criminaliza o preconceito em razão de deficiência, com penas de reclusão de 2 a 5 anos e multa.
Logo em 1990, com a elaboração do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), ficou definido como dever do Estado garantir o atendimento médico e educacional especializado às crianças e adolescentes com deficiência.
Em 1991, a Lei nº 8.213/1991 determinou o regime de cotas para PcD, instituindo que empresas com mais de 100 funcionários devem preencher de 2% a 5% dos seus cargos com pessoas com deficiência.
Já em 1993, foi introduzida a Lei nº 8.742/1993, estabelecendo a garantia de um salário-mínimo mensal às PcD que comprovem não possuir outro meio de sustento.
No ano seguinte, em 1994, foi publicada a Lei nº 8.999/1994, que concede passe livre às pessoas com deficiência no transporte coletivo interestadual, ou seja, garante a gratuidade nas passagens para transitar entre os estados brasileiros.
Nos anos 2000, novos avanços foram conquistados. A prioridade de atendimento às PcD em espaços, empresas e serviços públicos passou a ser garantida pela Lei nº 10.048/00.
Bem como o direito à acessibilidade, pela Lei nº 10.098/00, que determina a eliminação de barreiras e obstáculos em espaços públicos, construções, edifícios e nos meios de transporte e de comunicação, que dificultem ou impossibilitem o pleno acesso das pessoas com deficiência.
Foi também nesse período, em 2002, que foi publicada a Lei nº 10.436/02, dispondo sobre a Língua Brasileira de Sinais. Essa lei estabelece que instituições públicas e empresas prestadoras de serviços públicos de assistência à saúde devem garantir o atendimento e o tratamento adequado às pessoas com deficiência auditiva.
De maneira complementar, o Decreto nº 5626/2005, elaborado em 2005, determina que as instituições federais de ensino devem garantir o acesso à comunicação, informação e educação às pessoas com deficiência auditiva.
Isso deve ser implementado nos processos seletivos, nas atividades e nos conteúdos curriculares desenvolvidos em todos os níveis, etapas e modalidades de educação, desde o ensino infantil até o superior.
Por fim, no ano de 2016 foi elaborada a Lei nº 13.409, que alterou a legislação sobre cotas no ensino superior federal. Essa lei instituiu ações afirmativas também para pessoas com deficiência em universidade federais do país, que antes contemplava apenas estudantes de baixa renda, negros, pardos e indígenas.
Garantindo, assim, a reserva de vagas para PcD em proporção ao total oferecido pela instituição de ensino, devendo ser igual a proporção oferecida aos outros grupos contemplados pelas cotas.
A realidade das pessoas com deficiência no Brasil
A real situação das pessoas com deficiência no país ainda não é ideal, mesmo com as conquistas e garantias promovidas nos últimos tempos.
Conforme citado na introdução do texto, quase 24% da população nacional apresenta algum grau de dificuldade na visão, audição, locomoção ou possui alguma deficiência intelectual.
Contudo, no âmbito da educação, segundo o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), em 2018 apenas 43.633 pessoas com deficiência estavam matriculadas em instituições de ensino superior no país.
Para efeito de comparação, de acordo com o Censo da Educação de 2019, existem cerca de 8,6 milhões de estudantes matriculados no ensino superior no Brasil. Isso significa que o percentual de estudantes com deficiência representa aproximadamente 0,5% do total.
Os dados indicam que uma ínfima parcela da população com deficiência que acessa o sistema de educação consegue chegar ao diploma de ensino superior.
No âmbito econômico, segundo o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), o país possuía 442.007 pessoas com deficiência empregadas no ano de 2018, representando aproximadamente 1% do total de PcD no país e do total de empregados com carteira assinada em 2018.
Nesse sentido, o número também indica a grande dificuldade de inclusão plena dessas pessoas no mercado de trabalho.
Além disso, muitas vezes as dificuldades enfrentadas por milhões de brasileiros com deficiência estão enraizadas em nosso cotidiano e acabam passando despercebidas.
Em breves caminhadas em ruas públicas do país, por exemplo, é possível observar calçadas desniveladas, esburacadas, com a ausência de rampas ou, muitas vezes, com postes de fiação no centro da calçada, impedindo a livre circulação de uma pessoa com cadeira de rodas.
Isso significa que a nossa organização como sociedade ainda precisa evoluir para que verdadeiramente se adequar às pessoas com deficiência.
Conclusão
Após a promulgação da Constituição de 1988, muito se avançou na promoção dos direitos das pessoas com deficiência no Brasil. Antes tratados como seres incapazes e inválidos, sem cidadania reconhecida, agora as PcD possuem garantias legislativas que visam a sua proteção e o respeito à sua dignidade.
Mas apesar dos direitos previstos, ainda há muitos esforços a serem tomados para que eles sejam efetivamente implementados.
A superação da invisibilidade e a luta pelo fim da discriminação marcaram a trajetória das pessoas com deficiência no país, que ainda necessitam atingir a sua integral autonomia, em um processo de eliminação de desigualdades e de total inclusão social.
Esse é um dos objetivos do Estatuto da Pessoa com Deficiência, o mais recente e relevante documento para PcD no Brasil. Sendo assim, falaremos sobre ele no nosso próximo texto aqui no Equidade, em que vamos tratar sobre o que diz o Estatuto da Pessoa com Deficiência e quais as suas garantias, não deixe de conferir!
Ah! E se quiser conferir um resumo super completo sobre o tema “Direitos das Pessoas com Deficiência”, confere o vídeo abaixo!
Autores:
Beatriz Cukierkorn Martins
Beatryz Santoro Pacheco
Caio Carvalho de Matos
Eduardo de Rê
Ernesto Lino de Oliveira
Juliana Meneghelli de Barros
Lucas Custódio Santos
Fontes:
2- FERREIRA, Patrícia; SOUZA, Gabriele. As pessoas com deficiência segunda as constituições brasileiras de ontem e de hoje: políticas públicas, direitos e garantias fundamentais. Revista Via Iuris, nº 20, p. 29-50, 2016.
3- JÚNIOR, Lanna; MARTINS, Mário (Comp.). História do Movimento Político das Pessoas com Deficiência no Brasil. Brasília: Secretaria de Direitos Humanos. Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência, 2010.
4- MAIOR, Izabel. Movimento político das pessoas com deficiência: reflexões sobre a conquista de direitos. Inc. Soc. Brasília, vol. 10, nº 2, p. 28-36, 2017.
5- SANTOS, Wederson. Assistência social e deficiência no Brasil: o reflexo do debate internacional dos direitos das pessoas com deficiência. Serviço Social em Revista, Londrina, vol. 13, nº 1 , p. 80-101, 2010.
6- TEIXEIRA, Marina. Políticas públicas para pessoas com deficiência no Brasil. Dissertação (Mestrado em Administração de Empresas), Fundação Getúlio Vargas, Escola de Administração de Empresas de São Paulo. 132 f. 2010.