A movimentação de pessoas por diferentes locais vem acontecendo há muito tempo na humanidade. Os povos pré-históricos, em sua maioria, tinham um modelo de vida concentrada no nomadismo, ou seja, não viviam em um local fixo e se deslocavam em busca de recursos para sobreviver.
Esse modo de vida só se alterou quando o ser humano dominou a prática da agricultura, conseguindo ter controle sobre os recursos da terra. Contudo, isso não fez com que as pessoas parassem de se deslocar pelo mundo
O processo migratório permanece como um fenômeno da sociedade até os dias de hoje. Mas, diferentemente dos tempos pré-históricos e antigos, atualmente possuímos fronteiras políticas entre os territórios das nações e as pessoas que se deslocam entre elas são caracterizadas como migrantes ou refugiados.
Assim, nasceu a necessidade de estabelecer os direitos dos refugiados e migrantes, visando a proteção dessas pessoas em países diferentes daqueles de sua origem.
Neste texto do Equidade vamos apresentar a história dos direitos dos refugiados e migrantes, compreendendo o surgimento desses direitos e a importância do fenômeno migratório para a formação da civilização humana no mundo.
O projeto Equidade é uma parceria entre o Politize!, o Instituto Mattos Filho e a Civicus, voltada a apresentar, de forma simples e didática, os Direitos Humanos e os principais temas que eles envolvem, desde os seus principais fundamentos e conceitos aos seus impactos em nossas vidas. E então, preparado (a) para entender sobre a história dos direitos dos refugiados e migrantes? Segue com a gente!
Se quiser, escute nosso podcast complementar ao assunto do texto:
A migração em tempos passados
Como comentado, a transição de pessoas por diferentes territórios é parte natural da nossa história como espécie. Consequentemente, podemos considerar o deslocamento humano como um aspecto fundamental na construção da vida humana como a conhecemos hoje.
Segundo o historiador Michael H. Fisher, foi com a migração do homo-sapiens na África, há cerca de 100.000 anos atrás, que começamos a desenvolver características que contribuíram para o nosso processo identitário e cultural, como línguas complexas e organização social.
Nesse período, os deslocamentos eram motivados especialmente por questões climáticas e de subsistência, visto que os povos eram caçadores-coletores. Isto é, caçavam e coletavam os alimentos e recursos para a sua sobrevivência. Assim, conforme o historiador, em torno de 10.000 a.C o homo-sapiens já havia atingido os territórios da África, Eurásia, Austrália e Américas.
Com o conhecimento e o domínio da agricultura, muitos desses povos deixaram de ser nômades e passaram a ter o sedentarismo como modelo de vida. Ou seja, começaram a ter o controle sobre o território no qual viviam, perdendo a necessidade de se deslocar para obter recursos. O domínio sobre a terra gerou, por consequência, o controle político e administrativo sobre o território em que vilas e comunidades eram formadas.
Assim, pode-se dizer que nos séculos seguintes, representando grande parte da Idade Antiga (3.500 a.C – 476 d.C) e da Idade Média (476 – 1453), os fluxos e trânsitos de pessoas se davam principalmente por motivos econômicos e comerciais, bem como por guerras e conflitos.
Nesse período, nasce o fenômeno do asilo, que estava diretamente associado à questão religiosa. De tal forma que pessoas perseguidas (estrangeiras ou não) podiam encontrar refúgio em igrejas, templos, mosteiros e bosques sagrados, não sendo mais subjugadas (sendo inocentes ou não) pelas leis humanas.
Contudo, especialmente na Idade Média, com o aumento da intolerância contra minorias como os judeus, os hereges (aqueles que não seguiam os dogmas da Igreja Católica) e os leprosos, houve um aumento no fluxo de pessoas fugindo de perseguições e procurando asilo. Desta forma, o asilo restrito a ambientes religiosos se tornou insustentável, tendo que passar por uma reformulação no seu conceito no fim do século XVIII.
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A migração na Idade Moderna e o asilo político
O início da Idade Moderna (1453 – 1789) é marcada pela prática das expansões marítimas feitas pelos países europeus, principalmente pelos chamados países ibéricos (Portugal e Espanha). Esse movimento ficou conhecido na historiografia como as Grandes Navegações, e teve como objetivo aumentar as rotas comerciais europeias e o acesso a matérias-primas e recursos, como as especiarias asiáticas.
As navegações resultaram na chegada dos europeus na América em 1492 e, consequentemente, no Brasil em 1500. O acesso às novas terras gerou um processo de povoamento e colonização dos países “descobertos”, atraindo milhares de imigrantes europeus para o continente. Contudo, não foram somente correntes migratórias livres e espontâneas que ocorreram durante o período colonial das Américas.
É importante ressaltar que nesse momento da história dos direitos dos refugiados e migrantes, não havia regras, normas e nem princípios que regulavam a migração – os países possuíam autonomia e legitimidade para lidar com o fluxo de pessoas em suas fronteiras.
Assim, para a aquisição e utilização de mão de obra barata, as potências europeias executaram a migração forçada de africanos para trabalharem como escravizados em suas colônias, entre elas o Brasil.
Segundo o historiador José C. Moya, estima-se que cerca de 12 milhões de africanos foram trazidos para as Américas de maneira forçada entre 1492 e meados do século XIX, representando um dos maiores movimentos massivos na história da humanidade. Isso significa que essas pessoas não possuíam direito algum, sendo discriminadas e escravizadas em território estrangeiro.
Nesse contexto de migrações forçadas, de intolerância contra minorias e de ausência de regras para o acolhimento de pessoas, nasceu o conceito moderno de asilo político. Isso ocorreu após a Revolução Francesa (1789), quando declararam que o povo francês daria asilo aos estrangeiros banidos de seus países por estarem sendo perseguidos injustamente.
A partir desse momento, o direito ao asilo político ganhou força entre as nações. Contudo, esse instrumento era fundamentalmente diplomático e ficava a cargo do Estado aceitar ou não o pedido de asilo. Além disso, os migrantes voluntários e os asilados eram regidos pelas leis internas dos países que os recebiam, não possuindo proteções especiais.
Mas então, quando houve a conquista pelos direitos dos refugiados e migrantes? Bem, isso ocorreu somente no século XX, como vamos ver a seguir.
A origem dos direitos dos refugiados e migrantes
Na história dos direitos dos refugiados e migrantes, a conquista por direitos é uma vitória recente. Ela ocorreu a partir da segunda metade do século XX, muito em vista da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) e da formação da Organização das Nações Unidas (ONU).
A devastação causada na Europa por conta da guerra somada à perseguição nazista contra determinados grupos, como os judeus, os ciganos, os negros e a comunidade LGBTQIAP+, resultaram em um enorme movimento de pessoas buscando por sobrevivência e fugindo das perseguições.
Assim, os Estados passaram a temer por sua segurança interna, visto que o grande fluxo de refugiados poderia acarretar impactos econômicos, sociais e políticos em seus países. E, além disso, a falta de regulamentação e normas deixavam essas pessoas sem proteções legais e jurídicas, sendo sujeitas às políticas migratórias dos países de destino e a situações de adversidade e vulnerabilidade.
Com isso, visando não só a segurança nacional das nações, mas também o respeito pelos direitos humanos previstos na Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), a comunidade internacional se mobilizou e em 1950 fundou o Alto-comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), uma agência da ONU que atua para proteger as pessoas em situação de refúgio.
A própria Declaração Universal possuía previsão expressa a refugiados, estabelecendo em seu artigo 14 que: “Todo ser humano, vítima de perseguição, tem o direito de procurar e gozar asilo em outros países”.
Contudo, era necessário o estabelecimento de direitos e normas específicas aos refugiados. Assim, em 1951 foi elaborada a Convenção das Nações Unidas relativa ao Estatuto do Refugiado, também conhecida como Convenção de 1951, representando a conquista dos direitos dos refugiados no mundo.
A Convenção determinou os direitos e deveres entre os refugiados e os países que os acolhem, garantindo, por exemplo, a não discriminação, o direito ao trabalho, à educação e às liberdades fundamentais.
A evolução dos direitos dos refugiados e migrantes
Apesar de representar um grande avanço na história dos direitos dos refugiados, a Convenção de 1951 previa os seus dispositivos apenas para pessoas em situação de refúgio devido a acontecimentos e eventos anteriores ao ano de 1951.
Sendo assim, o ACNUR recomendou que houvesse uma abrangência maior na proteção desses indivíduos, visto que o fluxo migratório continuou como um fenômeno intenso no decorrer do século XX.
Como resultado, em 1967 é publicado o Protocolo relativo ao Estatuto dos Refugiados, também conhecido como Protocolo de 1967, que retira a limitação temporal do documento de 1951. Mas apesar da relação entre os documentos, o Protocolo é um instrumento independente em que a adesão por parte dos Estados não é restrita aos signatários da Convenção de 1951.
Tal aumento na proteção dos refugiados impactou na tomada de medidas políticas no recebimento de migrantes e refugiados por certos países. Nos Estados Unidos, por exemplo, foi publicada uma emenda ao Immigration and Nationality Act, em 1978, em que se extinguiu a diferença de cotas de imigrantes entre os hemisférios ocidental e oriental que podem entrar em território estadunidense e é determinado a concessão de visto para a residência para refugiados.
Já em 1984 representantes governamentais e especialistas em políticas migratórias de dez países latino-americanos se reuniram em Cartagena de Índias e publicaram a Declaração de Cartagena. O documento possui o objetivo de garantir os direitos dos refugiados na América Central.
A sua importância consiste na forma ampla em que conceitua os refugiados, considerando também aspectos locais e regionais na definição, englobando fatores como a violência generalizada, a agressão estrangeira ou outras circunstâncias que perturbem a ordem pública.
Além disso, como forma de adequar a proteção dos refugiados à atualidade, recentemente a Assembleia Geral das Nações Unidas adotou um conjunto de compromissos conhecido como a Declaração de Nova York.
Elaborado em 2016, o documento estabelece medidas entre os países para que haja um “pacto global sobre refugiados”, como o auxílio aos países de acolhimento e o apoio aos países de origem para o retorno (com segurança e dignidade) dos refugiados.
De maneira complementar, no infográfico abaixo é possível conferir com mais detalhes a história dos direitos dos refugiados e migrantes em formato de linha do tempo.
Conclusão
A história dos direitos dos refugiados e migrantes está diretamente ligada à história da humanidade, visto que o fluxo e o movimento de pessoas em diferentes territórios possibilitaram não apenas o povoamento do planeta, mas a construção da identidade cultural e social das sociedades ao redor do mundo.
Nesse sentido, considera-se que os deslocamentos humanos foram cruciais para a formação da civilização humana. No entanto, com o estabelecimento de fronteiras políticas entre territórios, tal movimentação de pessoas passou a ser restringida aos interesses dos Estados, que passaram a ter o controle sobre a mobilidade em suas terras.
Mas esse controle não fez com que a mobilidade acabasse, e, por consequência, surgiu a necessidade do reconhecimento internacional dos direitos dos refugiados e migrantes. Esse reconhecimento representa um avanço na promoção dos direitos humanos, visto que prevê a proteção da dignidade e dos direitos fundamentais das pessoas que saem de seus países de origem e muitas vezes enfrentam contextos desfavoráveis.
Sendo assim, os direitos dos refugiados e migrantes precisam ser fortalecidos, principalmente em vista do intenso fluxo migratório existente nos dias atuais e dos desafios enfrentados atualmente pelo fechamento das fronteiras e proibição de regularizaçao migratória por conta da pandemia do Covid-19.
Como no caso da Portaria Interministerial 658/2021, publicada pelo Estado brasileiro, que impõe restrições temporárias para a entrada no país. Dessa forma, vamos ver melhor sobre fluxos migratórios no nosso próximo texto, em que vamos falar sobre a migração no mundo e as suas garantias internacionais, não perca!
Ah! E se quiser conferir um resumo super completo sobre o tema “Direitos dos Refugiados e Migrantes“, confere o vídeo abaixo!
Autores:
Bárbara Correia Florêncio Silva
Bianca dos Santos Waks
Camila Bravim Oliveira
Carolina Bigulin Paulon Moreno
Daniela Halperin
Eduardo de Rê
Gabriela Gomide Runha
Juliana Midori Kuteken
Maria Cecília de Oliveira Reis e Alves
Yvilla Diniz Gonzalez
Fontes:
2- ARAUJO, Luiz. Aspectos Históricos da Evolução e do Reconhecimento Internacional do Status de Refugiado. Revista do Direito da UNISC, Santa Cruz do Sul, v. 2, n. 46, p. 104-134, 2015.
3- Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948)
4- FISHER, Michael H. Migration: a World History. Oxford University Press: New York. 2014.
5- MOYA, José. Migração e formação histórica da América Latina em perspectiva global. Sociologias, Porto Alegre, ano 20, nº 49, p. 24-68, 2018.
6- TEIXEIRA, Paula A. Direitos humanos dos refugiados. Prismas: Dir. Pol. Publ. e Mundial. Brasília, vol. 6 nº 1, p. 15-34, 2009.
7- UBER, Francielle. O Estado diante da Questão dos Refugiados. In: SILVA, César A. (org). Direitos Humanos e Refugiados. Editora UFGD: Dourados. Universidade Federal da Grande Dourados, p. 99-123, 2012.
8- SILVA, João. A história das políticas migratórias dos Estados Unidos. Textos&Debates, Boa Vista, nº 20, p. 7-21, 2013.