A época atual é chamada de Holoceno. Contudo, a magnitude, variedade e duração das mudanças globais induzidas pelos humanos, seja na superfície terrestre, nos oceanos ou na composição da atmosfera, levaram à sugestão de que deveríamos nos referir ao presente não como Holoceno, mas como uma nova época: o Antropoceno.
Vem com a Politize! entender o que é essa proposta e porque, apesar de muito difundida, ela não é formalmente aceita pela Comissão Internacional de Estratigrafia.
O que é o Antropoceno?
Antropoceno é o nome dado à proposta de uma nova época geológica. A ideia é que as mudanças provocadas pelos humanos no planeta são tão profundas e duradouras que já é possível entender que o Holoceno terminou.
O termo foi criado em 2000 pelos cientistas Paul Crutzen e Eugene Stoermer. Para justificá-lo, Paul Crutzen, ganhador do Prêmio Nobel de Química em 1995, alegou que “devido às emissões antropogênicas de dióxido de carbono, o clima global poderá afastar-se significativamente do comportamento natural durante muitos milênios.” (Crutzen, 2002).
Além do aquecimento global e seus efeitos, outras mudanças no planeta incluem o aumento das populações de animais domésticos e espécies invasoras, perturbações nos ciclos de elementos como carbono, nitrogênio e fósforo, e o aumento da erosão e transporte de sedimentos devido à urbanização e à agricultura.
O termo já dá nome a livros, documentários e exposições, como no Museu do Amanhã, do Rio de Janeiro. Intitulada “Antropoceno: somos uma força planetária”, a exposição aborda o que, segundo eles, são as causas da “Época dos humanos”.
Contudo, de acordo com a International Union of Geological Sciences (IUGS), ainda estamos no Holoceno, iniciado há 11.700 anos. Essa comissão, que reconhece formalmente as Unidades Cronoestrátigráficas, não reconhece o Antropoceno como válido.
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Por que o Antropoceno não é reconhecido?
Vocês podem estar se perguntando como, com todas as evidências de alterações ambientais antropogênicas, essa nova época não é reconhecida? Primeiramente, é preciso entender que, para o estabelecimento de uma nova divisão do tempo geológico, existem alguns requisitos. Apenas admitir que os humanos alteraram a composição atmosférica, os oceanos e a biodiversidade não implica no estabelecimento de uma nova época.
Para que isso aconteça, são necessárias:
(1) Evidências de que o “Antropoceno” é significativamente diferente do Holoceno;
(2) O reconhecimento de um evento global que demarque o seu início. Geralmente, esse evento precisa ser amplamente distribuído no planeta e marcado em rochas, gelo glaciar ou sedimentos marinhos.
Dá para dizer que o Holoceno acabou e agora vivemos em uma época diferente?
Uma série de cientistas não concordam que o Holoceno tenha terminado. Eles argumentam que, apesar da influência dos seres humanos no ambiente natural, não é possível distinguir o presente da época que começou há 11,7 mil anos.
Há quem defenda que o Holoceno terminou quando a agricultura surgiu. O problema é que a agricultura se originou pouco depois do início do Holoceno, cerca de 10 mil anos atrás. Sendo assim, o Holoceno e o Antropoceno não seriam épocas diferentes. Em outras palavras, as alterações antrópicas no planeta seriam parte do Holoceno.
Outra proposta advoga a favor do fim do Holoceno com o início da revolução industrial (Crutzen, 2002). O grande impasse aqui é, principalmente, quando à distribuição global dos impactos desse momento histórico que, nessa época, foram concentrados no Ocidente.
Por outro lado, segundo Silva et al., (2020), um número cada vez maior de cientistas entende que as alterações atuais no planeta são diferentes das vistas no Holoceno. Segundo eles, os impactos da atividade humana serão duradouros e visíveis no registo geológico durante milhões de anos no futuro (Zalasiewicz, 2008).
Marcadores do Antropoceno
Os marcadores, também são chamados de “golden spike” ou “prego de ouro”. Eles são registros nas rochas, gelo glaciar ou sedimentos marinhos que delimitam o fim de uma unidade de tempo geológico e o início de outra.
Marcadores potenciais do Antropoceno são:
(1) Materiais que não existem no ambiente natural, como plástico e outros “tecnofósseis” resultado de atividades humanas e do desenvolvimento tecnológico;
(2) Partículas relacionadas à queima de combustíveis fósseis, como o aumento nas concentrações de CO2;
(3) Marcadores radioativos.
Apesar desses possíveis marcadores, o “prego de ouro” do Antropoceno será, provavelmente, um conjunto de fatores reunidos no momento histórico chamado de “Grande Aceleração”, iniciada em meados do século XX.
Isso porque, em 2019, o Grupo de Trabalho do Antropoceno, braço da Comissão Internacional de Estratigrafia, realizou uma votação e a maioria dos membros (88%) concordou que o Antropoceno deve ser reconhecido como uma nova época. E, nessa mesma votação, eles determinaram o marcador será definido no início da “Grande Aceleração”.
A ideia é que, após 1950, a humanidade se tornou uma força planetária. Essa força alterou a estrutura e funcionamento do Sistema Terrestre, desestabilizando características globais, tanto socioeconômicas como biofísicas.
Uma decisão política ou estratigráfica?
O conceito do Antropoceno é popular na comunidade acadêmica e na mídia. Ele é útil na tomada de consciência de que o impacto humano na Terra é global. O editorial da nature, em 2011, argumentou que “o reconhecimento oficial do conceito (…) encorajaria uma mentalidade que será importante não só para compreender plenamente a transformação que está a ocorrer, mas também para tomar medidas para a controlar.“
Os cientistas contrários à essa designação concordam que o termo é válido para a sociedade em geral. Contudo, segundo eles, esse não deve ser reconhecido como uma nova unidade cronoestratigráfica. Isso porque eles não reconhecem diferenças bióticas, sedimentares e geoquímicas entre o Holoceno e o “Antropoceno” (Gibbard & Walker, 2014).
Esses mesmos cientistas alegam que grande parte dos argumentos a favor do Antropoceno se baseiam na sua utilidade, e não nas evidências preservadas nas rochas. As propostas de marcadores iniciais dessa nova época também são muito díspares e a escolha de um deles é arbitrária. Por esses motivos, a proposta é muitas vezes tratada como política, e não baseada na ciência estratigráfica.
Mas o fato é que, atualmente, “Antropoceno” é um termo muito difundido. Ele é utilizado a mais de duas décadas para retratar as alterações antrópicas no planeta. Para a estratigrafia, contudo, ainda é apenas uma proposta. E cabe à Comissão Internacional de Estratigrafia bater o martelo sobre o seu reconhecimento formal.
E ai, qual a opinião de vocês? Considerando que as alterações antropogênicas no planeta são inegáveis, o Antropoceno deveria ser formalmente reconhecido? Conta para a gente!
Referências:
- A trajetória do Antropoceno: A Grande Aceleração.
- Crutzen (2002). The “Anthropocene”.
- Gibbard, P. L., & Walker, M. J. (2014). The term ‘Anthropocene’in the context of formal geological classification. Geological Society, London, Special Publications, 395(1), 29-37.
- Lewis & Maslin (2015), nature – Defining the Anthropocene.
- Nature – The human epoch.
- Silva et al. (2020), Química Nova – Radionuclídeos como marcadores de um novo tempo: o Antropoceno.
- Subcomissão de estratigrafia quaternária – Votação do Grupo de Trabalho sobre o ‘Antropoceno’.