O que foi a Guerra dos Mascates?
A Guerra dos Mascates, como é normalmente conhecida, foi uma revolta ocorrida no primeiro decênio do século XVIII, precisamente entre os anos de 1710 e 1711, no atual estado de Pernambuco. Todavia, quais são as suas condicionantes? Quais são seus atores sociais e políticos? Quais eram os objetivos dos lados envolvidos?
Neste texto da Politize! você irá conhecer um pouco mais sobre este fato histórico frequentemente ignorado pelas apostilas convencionais de História do Brasil. Siga na leitura!
Recife no século XVIII
A interpretação histórica deve, antes de tudo, avaliar as circunstâncias gerais pelas quais um processo se desenvolve. Desse modo, neste tópico iremos compreender tanto o contexto nacional da época, quanto o contexto internacional que se desenrolava naquele momento.
Nesse sentido, podemos iniciar evidenciando importantes transformações no mundo ocidental, como a influência das ideais liberais e do iluminismo na Europa, por exemplo.
Deve-se destacar que foi exatamente neste século que se desencadearam grandes acontecimentos: a Revolução Francesa (1789) e a Independência Norte Americana (1776), que tiveram como expressão conceitual justamente estas ideias. Tanto a independência quanto a revolução impuseram a contestação da autoridade dos regimes absolutistas, modificando, com isso, a antiga ordem das nações em um aspecto global.
De uma maneira ou de outra, essa modificação irá induzir no Brasil a mudança da ordem e da estabilidade antigamente construídas neste país.
Em vista disso, o fato é que, no Brasil, este processo se traduzirá na negação do poder da metrópole portuguesa em relação a este país. Assim, diversos movimentos, insurreições e revoltas de caráter nacional começam a surgir no século XVIII e continuam durante o século XIX, culminando na declaração da Independência em 1822.
A Guerra dos Mascates foi uma revolta cujas causas, para além da influência dos fatores internacionais comentados, foram as relações estabelecidas entre os colonos latifundiários e a Coroa Portuguesa. Com isso posto, podemos compreender as condições socioeconômicas imperantes em Recife no século XVIII.
Em 1650, os holandeses haviam sido expulsos de fato do Brasil. Portugal, que permanecera unido à Espanha por 60 anos devido a uma crise dinástica, já havia se desvencilhado desta nação quando da saída holandesa. Porém, a produção açucareira já entrava em crise nas regiões brasileiras onde ele era cultivado, especialmente em Olinda.
A causa desta crise está ligada à competição pela produção do açúcar. Por um lado, o Brasil, e, por outro, a Holanda com sua maciça produção na região das Antilhas.
Este choque entre as duas nações fez com que os produtores brasileiros não mantivessem a mesma produtividade e qualidade de seu produto, pois toda infraestrutura cafeeira construída pela Holanda na época de sua ocupação foi levada de volta quando foram expulsos. Portanto, o café holandês permaneceu melhor e mais barato, e as exportações brasileiras decaíram.
Caberia aqui a pergunta: Como esta crise gerou as condições que levariam mais tarde à Guerra dos Mascates? Para respondê-la adequadamente, é necessário abordar as disputas econômicas e o desenvolvimento do conflito.
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Disputas entre senhores de engenho e comerciantes
Como dito anteriormente, a produção cafeeira no Brasil havia decrescido muito, assim como as suas exportações. Um setor da sociedade Pernambucana ficou insatisfeito com esta situação: os senhores de engenho, isto é, os proprietários de grandes terras, nas quais se concentrava a produção em grande escala de uma cultura; neste caso, o café.
No entanto, outro setor da sociedade, cujo crescimento foi condicionado pela própria crise no âmbito da produção, começou a vislumbrar melhores posições no seio da dinâmica de trocas que então se desenvolvia: os comerciantes, que em sua maioria estavam situados na cidade de Recife.
Portanto, podemos delinear a situação em Pernambuco aos finais do século XVII e inícios do século XVIII da seguinte forma: os negócios promovidos pelos senhores de engenho de Olinda estavam em constante declínio, do que foi se resultando um ressentimento entre este setor da sociedade.
Ao passo que isso acontecia, entre os comerciantes de Recife a situação era diametralmente oposta: seus negócios se dinamizavam numa escala crescente, possibilitando a eles a conquista de um maior poder político.
Como veremos a seguir, é este crescimento político dos comerciantes recifenses e a concomitante perda de hegemonia entre os senhores de engenho de Recife que configurarão o estopim da guerra dos mascates.
Desenvolvimento do conflito
Enquanto os senhores de engenho perdiam a sua hegemonia política e a região em que estavam – Olinda – perdia sua relativa importância no quadro da produção social da riqueza, os mascates, ou seja, os comerciantes, conquistavam um amplo espaço de autonomia política e econômica.
É importante mencionar que a cidade de Recife, que abrigava este setor crescente de comerciantes, não sofreu as consequências da crise da produção de café tal qual Olinda, justamente porque sua atividade central era o comércio. Tomando consciência de seu poder ascendente e de suas perspectivas de desenvolvimento, os comerciantes recifenses começaram a reivindicar sua autonomia em relação aos senhores de engenho olindenses, fato que desagradou ainda mais estes últimos.
A reivindicação foi tão intensa que, por fim, os mascates conseguiram elevar sua cidade – Recife – à condição de vila, dando a essa uma câmara municipal. A partir de então, os mascates, muito conscientes de sua posição neste contexto, cobravam os empréstimos que haviam feito aos senhores de engenho anos antes. O resultado desta conjunção de fatores foi o aumento da tensão entre estes dois setores da sociedade pernambucana.
É então no ano de 1710 que os senhores de engenho de Olinda decidem invadir a cidade de Recife, dando início à guerra que terminaria um ano depois. Imediatamente os invasores conseguiram dominar a cidade, mas logo em seguida foram derrubados, provocando uma enorme instabilidade na região.
Foi então que a Coroa, percebendo a inconveniência de um conflito duradouro, decidiu nomear ao cargo de governante Félix José de Mendonça, que, ao fim, apoiou os mascates nesta contenda.
A fim de evitar posteriores conflitos, Mendonça estabeleceu uma política semestral de alternância da administração. Ora ela seria chefiada por Recife, ora por Olinda, evitando, com isso, os favoritismos.
Contudo, Félix Mendonça ordenou a prisão dos senhores de Olinda que se envolveram no conflito, e em 1912 Recife conseguiu concretamente a sua autonomia. Neste momento, tornou-se a nova sede administrativa de Pernambuco.
Consequências e impacto na região
Como mencionado no tópico anterior, Recife torna-se, após a Guerra dos Mascates, a nova sede administrativa de Pernambuco, o que certamente provocou um novo deslocamento na correlação de forças locais.
Além disso, Recife atinge os seus objetivos, quais sejam, a sua independência frente Olinda e a construção de sua câmara municipal, conquistando, logo, maior flexibilidade e liberdade de decisões estritas à sua região.
Legado histórico
Embora as apostilas de história não dêem muita relevância a este episódio central do processo de formação social de Pernambuco, um importante autor da nossa literatura escreve a respeito dele. Nada menos que José de Alencar, autor do romantismo brasileiro, publica “A Guerra dos Mascates” em 1783, livro no qual expõe os principais desenlaces deste conflito em forma de romance.
Por fim, foi também por conta dos escritos de Alencar que o conflito se tornou conhecido sob o nome “Guerra dos Mascates”. Anteriormente, a referência a este fato histórico se dava por “Alterações de Pernambuco”.
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Referências
- FAUSTO, Boris. História do Brasil. São Paulo: Edusp, 1996.
- COSTA, Marcos. A História do Brasil para quem tem pressa. Rio de Janeiro: Valentina, 2016.
- Infoescola – Guerra dos Mascates
- HistóriaUff, Impressões rebeldes – Revolta dos Mascates