Você sabia que o PCdoB é um partido dissidente de outro partido comunista, o PCB?
Acompanhe este texto da Politize! para entender como o partido com número eleitoral 65 surgiu, qual foi a motivação de seu nascimento e qual é a atuação do partido nos dias de hoje!
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Do PCB nasce o PCdoB: contextualização histórica e disputas ideológicas
O Partido Comunista do Brasil (PCdoB) nasceu em 1962, a partir de disputas ideológicas dentro do Partido Comunista Brasileiro (PCB), fundado em 1922, por ocasião do XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética, quando Nikita Khrushchev apresentou o Relatório Khrushchov.
O documento criticava os excessos do governo de Stalin, denunciando seus abusos de poder e violações dos direitos humanos. Nesse contexto, Khrushchev propôs medidas que ficaram conhecidas como a “desestalinização” da União Soviética, promovendo uma abertura política e uma abordagem mais liberal em relação à economia e à sociedade. Por conta disso, o relatório provocou choques em vários partidos comunistas ao redor do mundo.
No caso do PCB, as revelações desencadearam cisões ideológicas internas. Enquanto alguns defendiam a necessidade de revisar as práticas e teorias stalinistas à luz das críticas de Khrushchov, outros viam essas revisões como uma traição aos ideais comunistas. Após profundas discussões internas, a resposta oficial do PCB foi endossar as críticas de Khrushchov.
Isso culminou na Declaração de Março (1958), em que o partido reconheceu a necessidade de adaptar-se às condições específicas do Brasil (demografia, grau de industrialização, instituições, cultura política e outros fatores), afastando-se de um modelo revolucionário baseado na experiência soviética stalinista.
Crucialmente, isso envolveu revisões estratégicas, em prol de uma atuação partidária dentro do arcabouço institucional, incluindo as regras do jogo democrático e alianças pragmáticas com outros partidos e grupos políticos.
Reagindo contra a Declaração de Março e contra o apoio do PCB ao relatório, uma facção mais conservadora do PCB tornou-se abertamente dissidente. Liderados por Maurício Grabois, Pedro Pomar e João Amazona, o grupo publicou a Carta dos 100 (assinada por cem dissidentes) declarando a formação de um novo partido: o Partido Comunista do Brasil, sob a sigla PCdoB.
A propósito, “Partido Comunista do Brasil” era como anteriormente se chamava o PCB, que manteve a mesma sigla mas mudou para o nome “Partido Comunista Brasileiro” como parte dos esforços para se legalizar. Isso porque, no contexto da Guerra Fria, críticos afirmavam que “do Brasil” era indicativo de uma “subdivisão” da Internacional Comunista atuante no Brasil. Assim, ao trocar de nome, o PCB tentou enfatizar o caráter nacional do partido.
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Ademais, apesar de nascer em 1962 após cisões internas do PCB, o PCdoB alega, em seu site oficial, ter sido fundado em 1922. Sua narrativa é que, em 1962, houve uma “reorganização” partidária, sendo o PCdoB a continuidade da linha marxista-leninista, supostamente abandonada pelo PCB em 1962. Assim, para o PCdoB, o PCB é que seria um partido novo.
Essa disputa de narrativas é interessante, pois joga luz sobre a estratégia do PCdoB de usar a história como ferramenta de legitimação política, o que, aliás, é algo comum a muitos partidos, especialmente os de esquerda.
Em outras palavras, nascendo de uma divisão do PCB e precisando destacar suas diferenças para justificar sua própria existência, bem como legitimar-se perante a potenciais apoiadores, o PCdoB reivindicou o nome e o legado simbólico do antigo partido comunista fundado em 1922. Tentou, assim, convencer militantes que o PCdoB, e não o PCB, era “o verdadeiro partido comunista do Brasil”, herdeiro das “autênticas” tradições marxistas-leninistas, enquanto o PCB era um partido revisionista cooptado por imperialistas e liberais.
Ditadura Militar: o PCdoB pega em armas
Durante a Ditadura Militar, iniciada em 1964, o PCdoB tornou-se uma organização ilegal, perseguida pelo regime anticomunista. Enquanto todos os demais partidos foram perseguidos ou tornaram-se clandestinos, muitos de seus membros optaram por integrar a “oposição consentida” à Ditadura ao integrarem o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), no arranjo bipartidário com a Aliança Renovadora Nacional (ARENA). O MDB, assim, abrigou uma grande multiplicidade ideológica, inclusive comunistas.
Contudo, o PCdoB destacou-se pelo seu posicionamento mais incisivo, optando pela luta armada. Para entender isso, precisamos antes dar um passo atrás.
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Era plena Guerra Fria, e após a morte de Stalin em 1953, a União Soviética buscou uma forma mais flexível e diplomática de comunismo sob Khrushchev. Esse foi um dos fatores para a gradual ruptura sino-soviética, já que a China, sob Mao Tsé-Tung, criticava essas reformas como revisionistas. Em 1966, a Revolução Cultural Chinesa radicalizou ainda mais o discurso ideológico.
Essas dinâmicas internacionais influenciaram diretamente o PCdoB, que inicialmente se alinhou ao comunismo Chinês. Esse alinhamento condicionou a estratégia de luta armada do PCdoB, baseada no conceito maoista de “Guerra Popular Prolongada”. Essa estratégia foi muito bem sucedida na Revolução Chinesa, quando o Partido Comunista da China, materialmente bem mais fraco, triunfou na guerra civil contra o Partido Nacionalista (ou Kuomitang), apoiado pelos Estados Unidos.
A Guerra Popular Prolongada é uma estratégia militar articulada por Mao Tsé-Tung, e parte do pressuposto de que grupos revolucionários, tipicamente em desvantagem numérica e pior equipados, podem vencer o exército tradicional através de táticas de guerrilha e mobilização popular prolongadas e dispersas geograficamente. Essa concepção evita confrontos frontais, optando por uma guerra de desgaste com pequenas, mas numerosas batalhas.
Inicialmente, as forças revolucionárias esconderiam-se no interior do país, lutando pelo controle de vilas e pelo campo, em vez de cidades. Paralelamente, o partido educaria ideologicamente as populações sob sua influência, obtendo seu apoio numa guerra demorada até desgastar, lentamente, um oponente mais forte.
Contudo, o Brasil era completamente diferente da China demográfica, cultural e economicamente. E o PCdoB era totalmente diferente do Partido Comunista da China. Por isso, a tentativa de transplantar um conceito do contexto chinês para o brasileiro levou o PCdoB à fracassada Guerrilha do Araguaia, em que muitos de seus membros morreram. Dentre eles, Maurício Grabois, a principal liderança do partido.
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Da redemocratização aos dias atuais: entre continuidades e transformações
Após a derrota militar do PCdoB na Guerrilha do Araguaia e outros eventos como o massacre da Lapa, em que três dirigentes do partido foram assassinados pelo exército brasileiro, houve uma gradual adaptação à nova realidade de abertura política do país que culminou na Nova República.
O PCdoB integrou-se cada vez mais às lutas democráticas e movimentos sociais, incluindo pautas progressistas como os direitos LGBTQ+ e o ambientalismo. Assim, distanciou-se consideravelmente da perspectiva de revolução armada, migrando para uma luta por reformas sociais e políticas através de meios legais e eleitorais.
Ademais, a formação de chapas, frequentemente em coligação com outros partidos de esquerda como o PT, reflete uma estratégia mais pragmática para manter a relevância do PCdoB no cenário político. Um ponto de inflexão nesse sentido foi a chegada do PCdoB ao governo federal como integrante da aliança que apoiou Luiz Inácio Lula da Silva, eleito Presidente da República em 2002.
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Mais recentemente, ganhou proeminência na figura de Manuela d’Ávila, que levou o PCdoB ao segundo turno das eleições presidenciais de 2018, como vice-presidente na chapa com Fernando Haddad (PT).
O PCdoB também tem influência nos movimentos sindical e estudantil, com destaque para a União da Juventude Socialista (UJS), parte de sua estratégia de manter-se enraizado em “bases” sociais. Atualmente, embora o PCdoB mantenha uma retórica marxista-leninista, suas práticas políticas refletem um ajuste à realidade política brasileira contemporânea. Nas eleições de 2022, em contraste ao PCB, não elegeu nenhum representante ao Congresso Nacional, o PCdoB elegeu 6 deputados, além de integrar uma federação partidária com o PT e o PV..
De certa forma, a existência do PCdoB como um partido legal chega a ser contraditória com sua própria história. Afinal, ele nasceu da dissidência de radicais dentro do PCB, o qual eles acreditavam estar traindo a revolução ao se desvencilhar do stalinismo em prol de uma estratégia moderada, de reforma, dentro da lei.
Mas há também quem diga que o PCdoB continua fiel às suas teses originais, sendo as adaptações atuais apenas táticas pragmáticas para sobreviver ou evitar perseguição.
E você, o que acha de tudo isso? E qual sua visão sobre o PCdoB?
Referências:
- FGV — PARTIDO COMUNISTA DO BRASIL (PC DO B)
- G1 — Veja a nova composição da Câmara dos Deputados em gráficos | Eleição em Números
- PCB — As diferenças entre PCB e PCdoB. PCB – Partido Comunista Brasileiro
- PCDOB — Programa do Partido Comunista do Brasil
- PCDOB — Estatuto do Partido Comunista do Brasil
- SALES, J. R. Entre o fechamento e a abertura: a trajetória do PC do B da guerrilha do Araguaia à Nova República (1974-1985). História (São Paulo), v. 26, n. 2, p. 340–365, 2007.
- SALES, J. R. História do Partido Comunista do Brasil (PCdoB): um balanço bibliográfico. Revista Tempo e Argumento, v. 9, n. 21, p. 290–311, 26 set. 2017.
- SCHWARCZ, L. M.; STARLING, H. M. M. Brasil: uma biografia. São Paulo: Companhia das letras, 2015.