Você já se perguntou como o mundo do trabalho se modificou ao longo dos anos? Como mudamos a nossa percepção do trabalho e do mercado e como o neoliberalismo e o capitalismo moldaram isso? Se essas questões despertam a sua curiosidade, você está no lugar certo.
Neste texto, vamos analisar as mudanças no mundo do trabalho acerca do neoliberalismo. Vamos falar sobre o desenvolvimento do capitalismo e como influenciou o trabalho como mercadoria, compreendendo as limitações do estado em nome do mercado. Então, vamos começar essa exploração juntos?
O impacto do neoliberalismo no mundo do trabalho
Com a ascensão do neoliberalismo no século XX, a concepção de trabalho se transforma, passando a ser visto como mercadoria. A defesa da menor intervenção estatal em nome do mercado e da maior autonomia dos indivíduos se configura como uma das principais características do mundo contemporâneo.
A difusão do neoliberalismo e do capitalismo pelo mundo redefiniu a ideia de trabalho e mercado, impactando os indivíduos e as relações pessoais. A lógica da gestão neoliberal impulsiona os indivíduos a uma nova organização do trabalho, sempre visando o crescimento do capital.
Sociedade, cultura e evolução
Embora o surgimeto do Estado Democrático de Direito e a separação dos poderes tenha sido um marco histórico, a sociedade ainda enfrenta desafios relacionados às condições de vida. Ao londo da história, a busca pela individualidade se intensificou, impulsionda por fatores como a Revolução Industrial, o crescimento das cidades e o advento da sociedade de consumo.
A evolução do sistema capitalista, da política e do sistema institucional impulsionou o mundo do trabalho de modo a utilizar a terceirização como ferramenta para reduzir custos, tanto em grandes empresas quanto na relação direta com trabalhadores. Essa prática visa repassar atividades para empresas com melhores recursos e expertise na manutenção de seus serviços.
Gestão neoliberal e a uberização do trabalho
No livro “A Nova Razão do Mundo” de Dardot e Laval (2016), é apresentado o neoliberalismo como um novo sistema de domínio. No capítulo sobre disciplina e a gestão neoliberal da empresa (p. 225-239), os autores retratam um modelo empresarial de verificação de técnicas e resultados, que avalia o trabalho e suas melhores técnicas.
De acordo com o livro, a comparação da empresa resulta em uma grande coerção da regulamentação do trabalho, de forma indeterminada, o que pode acarretar em graves problemas psicológicos para os trabalhadores.
Esse modelo de empresa, que visa metas de trabalho e lucro, seria o principal responsável pelo aumento das jornadas de trabalho e das disparidades salariais. Ele obriga o sujeito a trabalhar para produzir em grande quantidade, “tornando-o merecedor do pagamento”.
Esse modelo neoliberal, coloca o trabalhador em uma luta constante por emprego, ou para manter o emprego existente, sob quaisquer condições possíveis, sejam elas péssimas ou com salários extremamente baixos. O medo do desemprego é a consequência da aceitação de trabalhos precários, instáveis e inseguros.
Além disso, o neoliberalismo propaga a falsa ideia de que qualquer fracasso seria responsabilidade exclusiva do indivíduo e de sua falta de esforço. É possível traçar um paralelo entre a uberização do trabalho no Brasil e no mundo com essa concepção de gestão neoliberal da empresa.
O sociólogo Ricardo Antunes, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), analisa o fenômeno da uberização e a precarização do trabalho no Brasil:
“O fenômeno da uberização deve ser entendido a partir de uma combinação. Primeiro, de um sistema capitalista que se funda num tripé destrutivo: neoliberalismo, reestruturação produtiva permanente com a impulsão tecno-informacional-digital que não para de circular e uma hegemonia do capital financeiro, que é o mais destrutivo de todos.
Segundo ponto: num contexto de uma crise estrutural do sistema do capital que mostra que ele só pode se desenvolver destruindo – isso se torna claro de modo cabal a partir de 1973 e se agudiza com a crise de 2008 e 2009. Essa crise estrutural profunda fez com que os capitais e as grandes corporações em escala global iniciassem um processo de corrosão e devastação da legislação social do trabalho”. (ANTUNES, 2020).
Ou seja, a demanda pelo trabalho via aplicativos surge da falta de perspectivas de emprego, o que explora o indivíduo, levando-o a aceitar remunerações baixas e condições de trabalho precárias.
O que está ocorrendo com o trabalho uberizado é o mesmo que Dardot e Laval descreveram no capítulo mencionado. O trabalhador da plataforma aceitará o emprego por falta de alternativas, com condições ruins e longas jornadas, tornando-se um escravo digital.
Tecnologia, globalização e as mudanças no mundo do trabalho
Com a globalização e o avanço tecnológico o mundo do trabalho mudou, nos deparamos com novas formas de trabalho. O uso da tecnologia possibilitou a organização do trabalho por meio das plataformas e aplicativos digitais.
No texto “Plataformas digitais, Uberização do trabalho e regulação no Capitalismo contemporâneo” (2020), de Vitor Filgueiras e Ricardo Antunes o avanço tecnológico no sistema capitalista decorre da ausência e limitação de vários direitos trabalhistas, desamparando os sujeitos e caminhando- os para a crueldade.
No texto, as tecnologias da informação e comunicação na esfera trabalhista levam o trabalhador a aceitar cada vez mais a exploração das plataformas digitais. Uma vez que os aplicativos e plataformas estabelecem a autonomia do trabalhador, transformam o trabalho em clientes e apresentam a independência do trabalho como forma de extinção da subordinação.
Conforme mencionado por Antunes, a pandemia acelerou e acentuou a catástrofe que o mundo do trabalho já apresentava. O crescente número de trabalhadores nos aplicativos acabou gerando uma maior exploração e um salário menor, temos ainda a independência do trabalhador mencionada no texto.
Antunes diz que a classe trabalhadora sofre em dois aspectos, pela exploração das plataformas com jornadas cansativas e pela exploração financeira, uma vez que o indivíduo precisa comprar ou alugar o próprio veículo para conseguir trabalhar.
A desarticulação do sistema público retratada no filme Eu, Daniel Blake
Com o avanço do neoliberalismo no mundo, observamos cada vez mais a redução dos direitos na esfera privada. O mundo atual é marcado pela hegemonia do capital financeiro que, visa o crescimento de uma classe em detrimento de outra e isso, independe da maneira e da forma que é alcançada.
O filme “Eu, Daniel Blake”, do diretor Ken Loach, narra a história de um idoso que se afasta do emprego por sofrer um infarto. Ao buscar o auxílio financeiro do governo, o idoso enfrenta vários obstáculos.
Primeiramente, no sistema governamental do Estado, ele precisa preencher vários documentos formais e burocráticos que devem ser feitos pela internet, mas Daniel não tem habilidade com o computador e acaba tendo enormes dificuldades.
O filme faz uma crítica à desarticulação do sistema público, a globalização e a perda de direitos sociais. Mostra os estados em constante busca pela privatização de serviços baseados sempre em um outro modelo, deixando diversos trabalhadores desassistidos. Um sistema burocrático que impõe o uso da tecnologia ao indivíduo e não se preocupa em auxiliá-lo. Além disso, um estado que retira os direitos sociais daqueles indivíduos considerados “caros”.
O que acontece no Brasil é semelhante, desde a reforma trabalhista, se intesificou gradativamente um ideal neoliberal no mundo do trabalho.
Podemos citar o governo Bolsonaro como exemplo. Após assumir a presidência, Bolsonaro apresentou um novo sistema de capitalização do sistema privado de previdência no qual o trabalhador teria que custear o seu próprio sistema previdenciário. Entretanto, o governo não conseguiu aprovar o projeto.
Tanto na atualidade quanto no filme, vemos o capitalismo transformando as nossas vidas em mercadoria, inclusive a previdência. Esse sistema coloca a força de trabalho a venda, sem a garantia do mínimo de dignidade ao trabalhador.
Antunes, fala da falsa autonomia dos trabalhadores de aplicativo, que não têm a possibilidade de escolhas por falta de perspectiva. Essa forma de autonomia é apresentada como uma maneira dos aplicativos e das plataformas conseguirem maior captação de clientes, mas sempre deixando o indivíduo “livre” para escolher quando vai trabalhar (extinção da subordinação).
Essa falsa autonomia concedida aos trabalhadores cria a crescente aceitação de péssimas condições de trabalho, assim como mostra o filme. Os empresários contratam o trabalhador por um período intermitente em que ele precisa fazer um cadastro formal no qual aceita ficar a “mercê” da empresa que o convocar, podendo trabalhar apenas alguns dias na semana, durante poucas horas e recebendo muito pouco.
Esse é o problema das políticas neoliberais, que são crescentes e fortes no mundo todo. O capitalismo faz com que os governos utilizem a força de trabalho como mercadoria e é esse tipo de política que decide quem vive e quem morre.
Os desafios do mundo do trabalho na era neoliberal
Observamos as significativas transformações no mundo do trabalho decorrente do capitalismo, neoliberalismo e da tecnologia. Na conjuntura atual, percebemos a diminuição dos direitos trabalhistas e a intensa exploração a massa de trabalhadores.
Vivemos uma época de grandes reformas em todo o sistema e a possibilidade de negociações e ajuste, estimulados pelo governo com o objetivo de regularizar as contas públicas e criar mais empregos. A crise atual evidencia a grande dificuldade dos trabalhadores e as políticas desumanas que fracassaram na proteção ao indivíduo.
Conseguiu entender as mudanças no mundo do trabalho? Concorda com o atual modelo de mercado? Compartilhe sua opinião nos comentários!
Referências:
- BRAVERMAN, Harry. Trabalho e capital monopolista: a degradação do trabalho no século XXI. trad. Nathanael C. Caixeiro. 3. ed. Rio de Janeiro: LTC, 2015, (Cap. 1 a 6).
- DARDOT, Pierre; LAVAL, Christian. A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. trad. Mariana Echalar. São Paulo: Boitempo, 2016, Cap. 6.
- FILGUEIRAS, Vitor; ANTUNES, Ricardo. Plataformas Digitais, Uberização do Trabalho e Regulação no Capitalismo Contemporâneo. Revista Contracampo, v. 39, n. 1, 17 abr. 2020. DOI 10.22409/contracampo.v39i1.38901.
- SCHWAB, Klaus. A Quarta Revolução Industrial. trad. Daniel Moreira Miranda. São Paulo: Edipro, 2016.
1 comentário em “O mundo do trabalho e a quarta revolução industrial”
O neoliberalismo vem transformando pessoas em máquinas de trabalho e extinguindo a possibilidade de mudanças de vida. Através da incessante busca pelo acúmulo de capital, o sistema capitalista, além de aumentar a miséria de maneira escalar, necessita fortemente explorar recursos ambientais para sobreviver. Onde só importa o lucro, o meio ambiente morre rapidamente.