As enchentes no Brasil são recorrentes e causam destruição, mortes e prejuízos econômicos significativos, afetando milhões de pessoas. Mas, afinal, de quem é a responsabilidade por essas tragédias que se repetem ano após ano?
A resposta não é simples e envolve uma complexa teia de fatores naturais, urbanísticos e políticos. Neste texto, a Politize! te ajuda a entender as causas das enchentes e explorar quem realmente deve ser responsabilizado.
Causas naturais, urbanas e políticas das enchentes
As enchentes são causadas por chuvas intensas, impermeabilização do solo urbano e falta de políticas públicas eficazes. Sendo assim, a combinação desses fatores ambientais, urbanos e políticos pode agravar a ocorrência e severidade das enchentes nas cidades.
Causas naturais
As chuvas intensas e concentradas, típicas do clima tropical e subtropical brasileiro, são um dos principais fatores naturais que desencadeiam enchentes. As mudanças climáticas têm exacerbado esses eventos, tornando as chuvas mais intensas e imprevisíveis.
As regiões Sudeste e Sul são frequentemente afetadas por fortes precipitações durante o verão, causando enchentes e deslizamentos de terra. Por outro lado, a região Norte enfrenta desafios relacionados ao aumento dos níveis dos rios, como as chuvas intensas na Amazônia.
Veja também nosso vídeo sobre desmatamento, mudanças climáticas e seus direitos!
Causas urbanas
A urbanização desenfreada é uma das maiores culpadas pela gravidade das enchentes nas áreas urbanas. A pavimentação de ruas, calçadas e a construção de edifícios impermeabilizam o solo, impedindo a infiltração da água da chuva.
Além disso, a ocupação irregular de áreas de risco coloca a população em perigo constante. Encostas e margens de rios são frequentemente ocupadas. Isso dificulta a implementação de soluções de infraestrutura adequadas.
Ao pensar em planejamento urbano, muitas cidades brasileiras cresceram rapidamente sem um plano diretor que contemplasse a necessidade de áreas verdes, drenagem eficiente e preservação de corpos d’água.
Causas políticas
A gestão pública trabalha na prevenção e mitigação das enchentes. No entanto, a ineficácia governamental impede medidas preventivas e corretivas eficientes. Isso ocorre devido à falta de coordenação entre os diferentes níveis de governo, à burocracia e à corrupção.
Projetos essenciais de infraestrutura, como piscinões e canalização de córregos, frequentemente ficam no papel ou são mal executados. A falta de políticas integradas de habitação e saneamento aumenta a vulnerabilidade das populações pobres em áreas de risco.
Qual é a responsabilidade do município, do governo estadual e federal?
No ano de 2022, enchentes e deslizamentos afetaram 1,5 milhão de brasileiros. Já em 2023, o Cemaden registrou maior número de ocorrências de desastres no país. Em 2024, enchentes impactaram mais de 1,4 milhão de pessoas no Rio Grande do Sul, de acordo com dados da Defesa Civil.
As enchentes e alagamentos no Brasil são questões complexas que envolvem a responsabilidade de diversos níveis de governo: municipal, estadual e federal. Cada ente possui atribuições específicas que, quando não cumpridas, podem resultar em desastres de grandes proporções.
Responsabilidade dos municípios
Os municípios são os responsáveis diretos pelo planejamento e pela gestão urbana. A legislação brasileira, como o Estatuto da Cidade, prevê diretrizes para o desenvolvimento urbano sustentável, cabendo aos municípios a sua aplicação e fiscalização.
As principais responsabilidades municipais incluem:
- Plano Diretor: implementar um plano diretor que regule o uso e a ocupação do solo, garantindo que áreas de risco não sejam ocupadas indevidamente;
- Zonas de Expansão Urbana: delimitar zonas de expansão urbana de forma a não comprometer áreas de preservação ambiental e garantir a permeabilidade do solo.
2. Infraestrutura de Drenagem:
- Construção e Manutenção: projetar, construir e manter sistemas de drenagem eficientes, como bueiros, galerias pluviais e piscinões;
- Manutenção Preventiva: realizar a limpeza regular e a manutenção preventiva de redes de drenagem para evitar entupimentos e inundações.
3. Educação e Fiscalização:
- Conscientização Pública: promover campanhas educativas sobre a importância do descarte correto de lixo e da preservação de áreas verdes;
- Fiscalização de Construções: fiscalizar construções e impedir a ocupação de áreas de risco, como margens de rios e encostas.
Responsabilidade do governo estadual
Os estados atuam na coordenação regional e no suporte técnico e financeiro aos municípios. As responsabilidades estaduais incluem:
- Planos de Macrodrenagem: desenvolver e implementar planos de macrodrenagem que envolvam múltiplos municípios dentro de uma bacia hidrográfica;
- Gestão de Recursos Hídricos: coordenar a gestão integrada de recursos hídricos, garantindo que as ações dos municípios sejam compatíveis com a preservação ambiental e a prevenção de enchentes.
2. Infraestrutura e Suporte Técnico:
- Obras de Grande Porte: executar obras de grande porte, como barragens e canais de desvio, que afetam várias cidades e que são essenciais para o controle de enchentes;
- Suporte aos Municípios: oferecer suporte técnico e financeiro para a realização de obras locais de prevenção e mitigação de enchentes.
- Sistemas de Alerta: implementar sistemas de monitoramento e alerta de enchentes, em coordenação com as defesas civis municipais e federais;
- Estudos Técnicos: realizar estudos hidrológicos e geológicos para identificar áreas de risco e orientar ações preventivas.
Responsabilidade do governo federal
O governo federal formula políticas públicas nacionais, fornece financiamento e suporte técnico, e coordena ações emergenciais em larga escala. Suas responsabilidades envolvem:
- Políticas Públicas Nacionais:
- Diretrizes Nacionais: formular políticas e diretrizes nacionais para a gestão de recursos hídricos e a prevenção de desastres naturais, garantindo uma abordagem integrada e coordenada entre estados e municípios;
- Legislação e Normatização: criar e atualizar leis e normas técnicas que orientem as ações de prevenção e mitigação de enchentes em todo o país.
2. Financiamento e Suporte Técnico:
- Recursos Financeiros: alocar recursos financeiros para estados e municípios através de programas específicos, como o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC);
- Apoio técnico: oferecer suporte técnico e científico através de órgãos como a Agência Nacional de Águas (ANA) e o Instituto Nacional de Meteorologia (INMET).
3. Coordenação de ações emergenciais:
- Defesa Civil Nacional: coordenar ações de socorro, assistência e reconstrução em áreas afetadas por enchentes, mobilizando recursos e forças federais em situações de emergência;
- Plano Nacional de Gestão de Riscos: desenvolver e implementar planos nacionais de gestão de riscos e desastres, promovendo a capacitação e o treinamento de equipes de resposta em todo o país.
Responsabilidade compartilhada: empresas e indivíduos
A prevenção das enchentes no Brasil requer uma abordagem integrada e colaborativa. Assim, empresas e indivíduos têm responsabilidades legais nesse processo e podem ser responsabilizados por ações que contribuam para o acontecimento de tais eventos.
Responsabilidade dos indivíduos
Os cidadãos podem ajudar significativamente na gestão adequada dos recursos hídricos e na conservação ambiental. Algumas medidas eficazes:
- Descarte Correto de Lixo: evitar jogar lixo nas ruas e rios, pois isso pode entupir bueiros e sistemas de drenagem, agravando as enchentes;
- Conservação de Áreas Verdes: proteger áreas verdes, que ajudam a absorver a água da chuva e a prevenir a erosão;
- Educação e Conscientização: participar de programas de educação ambiental e campanhas de conscientização sobre a importância da gestão dos resíduos e da preservação do meio ambiente;
- Pressão Política: exercer pressão sobre políticos e autoridades para que implementem políticas públicas eficazes de gestão de riscos de desastres.
Responsabilidade das empresas
As empresas podem ser chamadas a responder ações que causam ou agravam as enchentes, como a construção inadequada, o descarte impróprio de resíduos ou a poluição. Veja algumas responsabilidades das empresas:
- Gestão de Resíduos: implementar sistemas eficazes de gestão de resíduos para garantir que o lixo industrial e comercial não contribua para o entupimento dos sistemas de drenagem;
- Infraestrutura Sustentável: investir em infraestrutura sustentável que minimize o impacto das operações empresariais sobre o meio ambiente, como sistemas de captação e tratamento de água da chuva;
- Cumprimento de Regulamentações: adotar práticas e políticas que estejam em conformidade com as regulamentações ambientais e urbanísticas, prevenindo a ocupação de áreas de risco;
- Responsabilidade Social Corporativa: desenvolver e apoiar projetos comunitários voltados para a educação ambiental, contribuindo para a resiliência das comunidades diante das enchentes.
Responsabilização e reparação por parte do Estado
A negligência em infraestrutura pode ser vista como omissão administrativa. Dessa forma, pode resultar na responsabilização do Estado por danos de enchentes, segundo o artigo 37, § 6º da Constituição e decisões judiciais.
Quando o Estado falha em suas obrigações e isso causa danos à população, ele pode ser responsabilizado judicialmente. Os cidadãos afetados podem buscar reparação e o Estado pode ser condenado a indenizar os prejuízos causados.
A responsabilidade legal envolve cumprir leis ambientais, urbanísticas e de defesa civil, como a Política Nacional de Meio Ambiente, a de Proteção e Defesa Civil e a de Recursos Hídricos, que impõem obrigações a governos, empresas e cidadãos.
Faça parte da solução! Informe-se e participe. Compartilhe conosco: como você acredita que podemos unir forças com as autoridades locais para prevenção das enchentes? Deixe seu comentário!
Referências:
- Constituição Federal de 1988
- CNN – Brasil registrou mais de mil desastres naturais em 2023, segundo o Cemaden
- Jusbrasil – A responsabilidade da administração pública em caso de enchentes e alagamentos
- Jusbrasil – Danos causados por enchentes, até que ponto o Estado pode ser responsabilizado?
- Jusbrasil – Responsabilidade civil do Estado nos desastres ambientais
- OLIVEIRA, Regina Célia de. A problemática das enchentes e o planejamento urbano. Geografia, Rio Claro, v. 24, n. 2, p. 65-73, 1999.
- Politize – Por que desastres naturais acontecem todo ano?
- Politize – Três níveis de governo: o que faz o federal, o estadual e o municipal?
- Planalto – Lei n° 10.257, de 10 de julho de 2001
- Planalto – Lei n° 12.608, de 10 de abril de 2012
- Planalto – Lei n° 6.938, de 31 de agosto de 1981
- Planalto – Lei nº 12.305, de 02 de agosto de 2010
- TERA Ambiental – Responsabilidade por danos ambientais é compartilhada entre empresas
- UOL – Na tragédia do RS, culpa recai sobre prefeitos, governador e União