Ecocentrismo: entenda sua relação com a preservação ambiental

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O ecocentrismo tem raízes na filosofia e na ética ambiental. Pensadores como o norueguês Arne Naess, criador do termo “ecologia profunda”, foram pioneiros na promoção do ecocentrismo como uma alternativa ao antropocentrismo. Enquanto a ecologia profunda consiste em uma abordagem filosófica e científica, o ecocentrismo é uma compreensão ética que centraliza as questões e preocupações sobre a natureza.

Além de prezar por todas as formas de vida, respeitando a biodiversidade e buscando o equilíbrio ecológico, o ecocentrismo sustenta a noção de que todos os seres vivos e ecossistemas têm o direito de existir e prosperar independentemente de sua utilidade para os seres humanos.

Nesse texto, explicamos o que é o ecocentrismo e qual a sua importância para a preservação ambiental. Vamos lá?

Contexto histórico do ecocentrismo

Fotografia de um sapo e um flor. Texto sobre ecocentrismo.
Relação simbiótica entre orquídea e sapo na floresta. Imagem: Pixabay.

A segunda metade do século XX foi marcada pelos impactos ambientais resultantes tanto dos regimes totalitários, quanto do desenvolvimento tecnocientífico acelerado e do seu uso aplicado à dominação e exploração da natureza para atender aos interesses humanos.

Essa aceleração tem como base as orientações éticas e políticas propostas pelo menos 300 anos antes, durante o movimento conhecido como Revolução Científica. Dessa maneira, desde os séculos XVI e XVII, o ser humano passou a compreender a natureza a partir da sua submissão aos interesses humanos, especialmente como objeto científico, seguindo padrões e rigores em relação aos métodos escolhidos no contexto histórico denominado de revolução científica.

Segundo Edgar Morin, a técnica produzida pelas ciências transforma a sociedade, mas também a sociedade transforma a própria ciência. Esse filósofo e sociólogo sustenta que a industrialização, a urbanização e a burocratização acontecem segundo as regras e os princípios da racionalização, ou seja, da manipulação dos indivíduos tratados como objetos a serviço dos princípios de ordem, de economia e de eficácia. A década de 1960 foi marcada pela institucionalização da ética ambiental como disciplina acadêmica, bem como pela inclusão de temas ambientais nas pesquisas acadêmicas e nos debates públicos envolvendo o movimento ambientalista que começava a surgir.

Então, o termo “ecocentrismo” surgiu para especificar um conjunto de valores e crenças sobre o relacionamento entre sociedade e meio ambiente. Especialmente a partir da década de 1970, a ciência se interessou por essas crenças e valores como objeto de estudo, e Aldo Leopold foi responsável por popularizar o conceito.

Esse filósofo, Aldo Leopold, é reconhecido não só por seu trabalho sobre a conservação da vida selvagem e dos espaços naturais, mas principalmente por fundar a ciência da conservação da natureza.

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Ecocentrismo x Antropocentrismo

O antropoceno é um termo híbrido que mistura geologia, filosofia, teologia e ciência social. É uma proposta de marco geológico que se destaca especialmente pelas ações dos seres humanos (o que envolve, por exemplo, a produção de materiais que não existem no ambiente natural).

Em outras palavras, o antropoceno é uma era marcada pela modernidade urbano-industrial e sua relação com as causas da crise climática já são, inclusive, cientificamente comprovadas – como demonstra um artigo de José Eustáquio Diniz Alves, doutor em demografia. Enquanto o antropocentrismo destaca os interesses humanos no campo das prioridades, o ecocentrismo volta-se à relevância de todas as formas de vida e a conexão entre si. Além disso, o ecocentrismo analisa os interesses humanos atrelados à preservação da biodiversidade e dos ecossistemas! A partir dessa ótica, os impactos das ações humanas nas demais formas de vida ganham ainda mais destaque.

Um dos principais efeitos dessa crise é a redução da biodiversidade. Mas as práticas ecocêntricas, por outro lado, impactam positiva e profundamente a conservação da natureza.

Ao confrontar a abordagem antropocêntrica, o bem-estar a longo prazo dos ecossistemas e das espécies são considerados relevantes assim como os desejos humanos em suas manifestações culturais, jurídicas, econômicas e sociais.

O ecocentrismo incentiva, portanto, a preservação da biodiversidade, o equilíbrio ecossistêmico e práticas que observam as consequências a longo prazo, optando por aquelas de menor impacto negativo.

A ética ecocêntrica reconhece que o equilíbrio do planeta é essencial para o bem-estar de todas as formas de vida, inclusive dos seres humanos. Por isso, defende que as tomadas de decisões devem considerar os impactos nas comunidades humanas, nos ecossistemas e em toda a diversidade biológica.

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Fotografia de formigas e pulgões. Texto sobre ecocentrismo.
Formigas e pulgões são bioindicadores: sua presença e abundância são indicativos biológicos de uma determinadas condições ambientais. Imagem: Pixabay.

Biocentrismo

O biocentrismo, desenvolvido por Paul W. Taylor (1987), também amplia sua tutela moral a todas as formas de vida. Contudo, sustenta a impossibilidade de promover o bem de toda a comunidade biótica sem que, antes, sejam atendidos os interesses particulares de cada diferente organismo.

Assim, apesar de todos os seres vivos serem dignos de tutela moral, a satisfação de determinadas espécies pode interferir na satisfação dos demais, gerando, consequentemente, conflitos.

Essa concepção também considera que os humanos possuem, em razão de sua liberdade, o dever de reduzir seu impacto sobre as demais espécies. Assim, o biocentrismo atribui às demais espécies o direito de não terem sua vida conturbado pelas ações humana.

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Aplicações do Ecocentrismo

Diante da crise climática, quais os benefícios da valorização e ampliação de uma ética ecocêntrica?

A pressão das atividades econômicas sobre a natureza está comprometendo sua capacidade de permanecer saudável. Além disso, essa pressão compromete a capacidade de a natureza prover os próprios recursos e atividades de interesse humano.

A partir da ética biocêntrica, iniciativas interessadas na conservação dos serviços ecossistêmicos ganham destaque. Os mecanismos de Pagamento por Serviços Ambientais, por exemplo, integram essa estratégia, pois incentivam economicamente as ações de conservação.

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Os direitos da natureza são direitos de uma coletividade abstrata. Não se sabe a quem pertence, onde começa e termina ou quais as suas demarcações. Por isso, os direitos da natureza são direitos ecossistêmicos.

O reconhecimento de que seres humanos possuem valor próprio, derivado da simples condição de ser humano, levou ao reconhecimento de direitos como o direito à vida, à integridade física e à liberdade, certo?

Se os animais também possuem valor intrínseco, como Arne Naess afirma, deveriam também ter seus direitos assegurados – como o direito à vida, à integridade física e à liberdade.

A construção do pensamento jurídico na América Latina recebeu forte influência eurocêntrica difundida por meio da colonização. A elaboração de uma nova matriz constitucional para redefinir as estruturas institucionais a fim de ampliar direitos a partir de uma perspectiva ecocêntrica constitui importante movimento decolonial de insurgência que enfrenta os retrocessos ambientais.

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Em contrapartida, os direitos da natureza se consolidaram expressamente na Constituição pela primeira vez a partir das tradições e reivindicações dos povos originários da América Latina em relação ao tratamento dado à natureza pela ética antropocêntrica oriunda da colonização.

A positivação dos direitos da natureza é indispensável para alertar as autoridades e a sociedade sobre a necessidade de atualizar as ciências jurídicas sob a ótica ecocêntrica para fortalecer as medidas de proibição ao retrocesso ambiental.

Na esfera socioeconômica, um exemplo significativo de aplicação da ética ecocêntrica é a agricultura sintrópica. Essa metodologia propõe um sistema que reúna produção agrícola, plantio e formação de florestas.

A interação dos seres humanos com os sistemas agroflorestais deve ser pautada por cooperação em vez de eliminação ou combate a formas de vida consideradas inapropriadas, como as “pragas” ou as “ervas daninhas”.

O ecocentrismo não deseja a extinção do ser humano, mas evoca uma mudança de posicionamento frente à natureza, baseada no direito de todo o meio ambiente de existir.

Assim como Copérnico percebeu que a Terra não é o centro da nossa galáxia, é fundamental que a humanidade reconheça que não possui posição central dentre as complexas formas de vida da natureza na Terra.

Ao reconhecermos que nossa existência depende de outras formas de vida na Terra podemos promover políticas que não apenas beneficiam a natureza, mas também garantem a saúde e resiliência do planeta para as gerações futuras.

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Críticas ao ecocentrismo

O ecocentrismo também enfrenta críticas e desafios. O principal argumento que confronta esse posicionamento o aponta como excessivamente idealista e, portanto, impraticável em um mundo dominado pelo antropocentrismo. Além disso, questões como justiça social e distribuição equitativa dos recursos muitas vezes não são adequadamente abordadas no contexto da ética ecocêntrica.

Conclusão

O ecocentrismo oferece uma perspectiva valiosa para a preservação e a recuperação ambiental, reconhecendo o valor intrínseco de todas as formas de vida e ecossistemas. Ao adotar essa abordagem, podemos promover práticas de conservação mais eficazes que consideram não apenas as vontades humanas ou suas necessidades imediatas, mas também o bem-estar a longo prazo da Terra e suas criaturas.

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Conteúdo escrito por:
Feminista, ambientalista, poeta, ativista pelo veganismo popular, graduanda em ciências socioambientais pela UFMG, cozinheira amadora e advogada com especialização em políticas públicas para a redução da desigualdade. Gosto de conversar sobre economia política, comida, saúde e bem viver.
Rath, Carolina. Ecocentrismo: entenda sua relação com a preservação ambiental. Politize!, 17 de setembro, 2024
Disponível em: https://www.politize.com.br/ecocentrismo/.
Acesso em: 23 de nov, 2024.

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