O que são coalizões partidárias?

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O Brasil se define como uma República federativa de sistema político presidencialista. Para tanto, há uma divisão bem clara entre poderes institucionais. São eles: o Poder Executivo, regido pelo presidente da República; o Poder Legislativo bicameral, nos quais atuam os senadores e deputados eleitos através de um sistema proporcional; e, por fim, o Poder Judiciário, dentro do qual exercem suas funções os ministros e juízes indicados. As interações entre o Poder Executivo e o Legislativo são intermediadas por meio das coalizões partidárias.

Cada um desses aparatos da República impõe freios recíprocos legais entre si para evitar o crescimento exacerbado de um poder em detrimento dos outros, garantindo, assim, a estabilidade política do governo eleito.

Também é característica do modelo político brasileiro a pluralidade ideológica, a qual é bem refletida pela ampla variedade de legendas partidárias que existem atualmente. Diante dessa heterogeneidade de ideias e posicionamentos, pode haver casos em que o governo plenamente escolhido via processo eleitoral se depare com uma oposição forte nas casas legislativas, isto é, o Congresso e o Senado.

É o caso do atual governo Lula (PT), que enfrenta graves conflitos no Congresso em torno de projetos interessantes ao seu mandato. Como Lula, então, pode manejar essas pressões e manter uma agenda política mais ou menos estável?

A resposta a essa pergunta pode ser encontrada nas coalizões partidárias. Conhece este termo? É sobre ele que falaremos neste texto. Continue na leitura para saber mais!

Definição de coalizões partidárias

Para que possamos compreender o que são e como funcionam as coalizões partidárias, é necessário antes que entendamos o conceito de presidencialismo de coalizão. Esta ideia foi analisada por Sérgio Abranches durante o processo de abertura política e transição da ditadura militar para o regime democrático no Brasil em 1988.

Segundo Abranches, a sociedade brasileira, que já naquele período estava alcançando certa maturidade industrial, apresentava elementos contraditórios. Descontinuidades entre as estruturas econômica e social imperavam, pois o padrão de desenvolvimento criou uma heterogeneidade social profunda, refletindo então na diversificação dos interesses dos atores políticos.

De um lado, surge uma sociedade na qual impera um gigantesco desnível de renda, resultando então no fracionamento entre as classes. Do outro lado, surge a pluralização das demandas e dos interesses das últimas.

Além disso, Abranches toca no fato da ausência de mecanismos institucionais que pudessem processar os inevitáveis conflitos que surgem da multiplicação de interesses.

Dessa forma, ao analisar comparativamente regimes democrático-liberais de diferentes países, o autor ressalta a peculiaridade brasileira: o Brasil, além de combinar presidencialismo, multipartidarismo e proporcionalidade, organiza o Poder Executivo por meio de grandes coalizões, com acordos interpartidários. A essa peculiaridade Abranches consagra o nome Presidencialismo de Coalizão.

Com isso posto, fica mais fácil compreender as coalizões partidárias. Dado que o nosso Congresso é composto por um grande número de legendas, o Executivo, para manter sua governabilidade, depende das coalizões parlamentares entre diferentes partidos.

Assim, isso irá garantir, em tese, uma base de sustentação política para a execução da agenda governamental pelo Executivo, e uma relativa estabilidade política ao longo do tempo.

Placa da Esplanada dos Ministérios. Texto sobre coalizões partidárias.
Espalanada dos Ministérios. Imagem: Portal Mais Goiás.

No entanto, de que maneira ocorrem as coalizões entre os partidos? Para responder esta pergunta, recorreremos mais uma vez a Abranches. Para ele, a lógica de formação das coalizões possuem dois eixos: o partidário e o regional (estadual). Para que o governo cumpra seus objetivos, ele deve obter uma maioria qualificada, pois assim conseguirá aprovar ou bloquear mudanças.

Uma das formas pelas quais o presidente eleito, e por consequência seu partido, produz coalizões é através da distribuição dos cargos nos ministérios. Contudo, segundo Pasquarelli, nem sempre as composições ministeriais são suficientes para garantir uma base sólida de sustentação. Podem-se destacar, logo, outras maneiras: controle de agenda; clientelismo orçamentário e o uso de prerrogativas presidenciais.

Os cargos são muito visados pelos diferentes partidos e atores políticos individuais porque são fontes de satisfação ideológica, vantagens eleitorais e prestígio político.

Veja também nosso vídeo sobre os partidos políticos do Brasil!

Qual é a diferença entre coalizões partidárias e federações partidárias?

Um aspecto importante das federações foi explicado neste texto da Politize! escrito em 2022 , por ocasião das eleições presidenciais daquele ano.

Com base nele, podemos ressaltar algo essencial: as federações partidárias são arranjos formados pelos partidos com intuito de atuarem nos períodos eleitorais. Sua regularização ocorreu através da Lei nº 14.208/2021, determinando os partidos a permanecerem nelas por, no mínimo, quatro anos, isto é, o período de vigência do mandato para o qual foram eleitos. Na prática, isso faz com que diferentes partidos atuem em unidade.

Segundo o que consta no Portal da Câmara dos Deputados, as federações, de caráter permanente, ajudam os eleitores a conferir o alcance de seus votos. A grande problemática das coligações, forma de união dos partidos anterior às federações, é que, devido aos mecanismos de transferência de votos nos sistemas proporcionais, o eleitor poderia acabar elegendo um candidato de perfil ideológico oposto ao seu, dado que partidos de diferentes ideologias poderiam se coligar para conquistar espaço político.

Câmara dos Deputados vista de cima. Texto sobre coalizões partidárias.
Câmara dos Deputados, órgão legislativo brasileiro. Imagem: Portal Brasil de Fato MG.

A partir da lei 14.208, as uniões partidárias devem ser permanentes e os partidos devem expressar posições ideológicas análogas. As coalizões partidárias, por outro lado, ocorrem fora dos períodos eleitorais, quando o governo eleito já tenha sido estabelecido e apresentado sua agenda política.

Nesse sentido, as coalizões são mecanismos institucionais que servem para viabilizar a execução do programa político definido na agenda. Busca-se, assim, uma base de sustentação política nos órgãos legislativos. Trata-se, em suma, de estabelecer uma relação de proximidade entre os poderes Legislativo e Executivo.

As coalizões sociais também têm peso fundamental no processo de construção de apoio político-institucional. Segundo Marcus Ianoni, professor adjunto do departamento de ciência política da Universidade Federal Fluminense (UFF), tem havido uma hegemonia das concepções exclusivamente institucionalistas na análise das uniões partidárias, colcoando em segundo plano as coalizões efetuadas entre atores políticos e sociais.

Diante disso, Ianoni propõe uma abordagem ampliada para o estudo das coalizões, porque, segundo o autor, fatores exógenos à política institucional influenciam o processo decisório, o processo político e as dinâmicas de mudanças políticas. Portanto, deve-se levar em conta não somente o funcionamento das instituições e mecanismos jurídicos, mas também o papel do poder de escolha dos atores sociais.

Coalizões partidárias: vantagens e desafios

A partir do que foi exposto, como avaliar os resultados gerados pelas coalizões? A consideração das vantagens e desvantagens deve se desenvolver no sentido de revelar quais são os entraves produzidos para o prosseguimento da batalha política em torno da governabilidade.

Assim, pode-se constatar que é difícil falar em um conjunto fechado de vantagens e desvantagens, pois cada país e cada forma de governo possuem peculiaridades na sua formação política. Para facilitar a exposição, focaremos no contexto atual do governo brasileiro.

O governo atual se elegeu com uma estreita margem de votos, e o fez através da construção de uma frente ampla pela democracia contra a reeleição de Bolsonaro. Também obteve apoio da parte mais progressista do mercado financeiro e a sinalização positiva dos Estados Unidos. Contudo, a articulação política feita pelo governo para viabilizar a sua vitória resultou na distribuição dos Ministérios a partidos diversos e à reeleição dos atuais presidentes da Câmara e do Senado, Arthur Lira e Rodrigo Pacheco, respectivamente – ambos aliados ao Centrão.

Dessa coalizão resultou-se uma composição ministerial diversa, tendo partidos como MDB, União Brasil, PSD e Republicanos à frente das pastas. Áreas estratégicas para o governo, como a Procuradoria Geral da República (PGR) e a Caixa Econômica Federal, foram concedidas à nomenclaturas mais à direita, respectivamente Paulo Gonet Branco (auto considerado ultracatólico) e Carlos Vieira Fernandes (indicado pelo Patido Progressita – PP).

Para além da correlação de forças políticas, o atual governo se mostra pouco disposto a disputar uma nova política econômica, resignando-se a uma diretriz orçamentária restritiva, com austeridade fiscal e metas de déficit zero, o que satisfaz os setores de oposição do governo.

Portanto, a despeito da margem aberta pelo governo através das coalizões partidárias, essas impõem demandas sem as quais o governo permanece imóvel, sujeito às mais variadas pressões da oposição e fragilizado politicamente.

Atualmente, o chamado centrão – em sua maioria composto pelos partidos que fazem oposição ao governo – faz exigências que, no limite, tornam impraticáveis (ou improváveis) certos programas estabelecidos na agenda governamental.

As coalizões partidárias no Brasil: exemplos históricos

O Brasil possui alguns fatos históricos que resgatam a compreensão de Sérgio Abranches acerca das coalizões. Podemos nos referir, primeiramente, aos processos eleitorais que elegeram o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) após a ditadura militar, bem como àqueles que elegeram o Partido dos Trabalhadores (PT) na virada do século.

No primeiro caso, para que o PSDB pudesse obter maioria parlamentar na Câmara necessitou alinhar-se ao PFL (Partido da Frente Liberal), atual DEM (Democratas). Naquele contexto, a candidatura nomeada pelo então nascente PSDB era a de Fernando Henrique Cardoso.

No segundo caso, o PT, para que pudesse obter maioria parlamentar e ter margem de governabilidade, se alinhou ao então MDB (Movimento Democrático Brasileiro).

No atual mandato do PT, a base que sustenta a coalizão do governo é composta por quatorze partidos pertencentes aos mais vastos espectros políticos-ideológicos, tal como o Patido Comunista do Brasil e o Partido Social Democrático (PCdoB e PSD, respectivamente). Frente às composições anteriores, o atual governo Lula lida com maiores entraves à execução de seu projeto político, sendo então obrigado a realizar concessões na forma de emendas parlamentares, distribuição de cargos nos ministérios e nos órgãos estatais de influência.

Quais são os impactos das coalizões partidárias?

Como já descrito de forma breve em outros tópicos deste texto, as coalizões partidárias entre o Poder Executivo e Legislativo podem gerar entraves aos projetos maiores e com impactos estruturais propostos pelo primeiro.

A diversidade ideológica na Câmara pode impor freios às mudanças estruturais ou, quando não, requer uma fatia cada vez maior de participação nos governos eleitos sob a forma de cargos ou emendas parlamentares. No que se refere às políticas públicas, podemos citar o caso das reformas sugeridas por Lula e seu comitê durante as eleiçoes de 2022.

É inegável que a maioria dos discursos e propostas do então candidato do PT se sustentou sobre o pilar da redução da desigualdade social e da inclusão das camadas pobres no orçamento. A despeito disso, a estrutura orçamentária montada por sua equipe, tendo a frente o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, prioriza o corte de gastos públicos e o equilíbrio das metas fiscais.

Fotografia de Fernando Haddad com microfone na mão falando durante um evento. Texto sobre coalizões partidárias.
Atual Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, durante o evento CEO Conference Brasil 2024. Imagem: Portal Poder360.

Neste prisma, torna-se questionável se será possível a inclusão social das classes pobres num contexto de congelamento dos investimentos públicos e dos incentivos à geração de desenvolvimento.

Outro ponto diz respeito à proposta de Reforma Tributária, cujo modelo atual se estrutura de maneira regressiva, onerando as classes baixas e médias da sociedade brasileira.

Esta proposta também foi um dos pilares da campanha do PT em 2022, e atualmente segue em tramitação. Entretanto, o governo precisou ceder em muitos de seus pontos a fim seguir com suas proposições.

Portanto, a distribuição das emendas parlamentares visando apoio político no Legislativo abre um precedente arriscado de manejamento do dinheiro e recursos públicos, comprometendo, logo, a saúde orçamentária e a estabilidade do governo eleito. Nesta perspectiva, o modelo de coalizões vem sendo objeto de muitas críticas, e suas controvérsias servem, por demasiadas vezes, como justificativa para a inação e imobilização do governo a certos temas.

Conseguiu compreender melhor o tema das coalizões partidárias? Para você as coalizões são eficientes em termos de governabilidade ou não? Caso tenha dúvidas, escreva pra gente abaixo!

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Conteúdo escrito por:
De Ribeirão Preto, bacharel e licenciado em Ciências Sociais pela UNESP Araraquara, gosta de ciência política e economia, e acredita em um mundo socialmente mais justo. Já atuou como professor de cursinho popular e ama a área da educação.

O que são coalizões partidárias?

19 set. 2024

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