A propagação de notícias falsas, ou fake news em inglês, é um fenômeno que tem se intensificado com o uso das redes sociais nos dias atuais. No Brasil, 4 em cada 10 pessoas afirmam receber notícias falsas todos os dias e quase 90% da população admite já ter acreditado em conteúdos falsos. Esse cenário se deve, dentre outras razões, à maior probabilidade de fakes news serem retransmitidas em comparação a informações verdadeiras, cerca de 70% mais alta.
Cada vez mais, os espaços digitais têm sido utilizados para a sua disseminação, e os grupos de família em aplicativos de mensagens instantâneas, como o WhatsApp, são particularmente sensíveis a tal fenômeno.
Neste artigo, vamos explorar estratégias para lidar com fake news nesses grupos e promover uma cultura de verificação.
Antes de tudo: o que é “fake news”?
A propagação intencional de mentiras não é um fenômeno exclusivo dos tempos atuais. Já em 1937, um documento que passou a ser chamado de “Plano Cohen” foi divulgado pelo governo de Getúlio Vargas e expunha uma suposta tentativa de tomada do poder por parte dos comunistas. Ele foi utilizado para justificar o golpe de Estado que instaurou o Estado Novo, mas sua falsidade foi exposta anos mais tarde.
Com a chegada da internet, a escala e a velocidade da disseminação de mentiras, que passaram a ser conhecidas popularmente por “fake news”, ganharam uma dimensão ainda maior e trouxeram novos impactos. Para muitos, a expressão ainda é contraditória, uma vez que se parte de uma notícia (news) que, por sua própria definição, deveria ser baseada em fatos reais e verificados.
Recentemente, tem-se optado pelo conceito de desinformação, mais amplo e adotado na declaração conjunta sobre liberdade de expressão e ‘notícias falsas’, desinformação e propaganda, assinada pela Relatoria Especial das Nações Unidas (ONU) para Liberdade de Opinião e Expressão, e pela Relatoria Especial da Organização dos Estados Americanos (OEA) para a Liberdade de Expressão em 2017.
Independente do termo usado, aqueles que a produzem sabem que se trata de um conteúdo falso e, geralmente, têm objetivos específicos, que vão desde influenciar pessoas a acreditarem em determinado ponto de vista até afastar os cidadãos do conhecimento factual da realidade. Isso pode levar a efeitos danosos para a sociedade, como a queda na cobertura vacinal e ameaças à democracia.
Saiba mais: Por que caímos em fake news?
Seus impactos nas nossas vidas
A difusão de desinformação tem um efeito profundo nas nossas relações pessoais, sociais e profissionais. Tais informações falsas podem prejudicar a confiança, fomentar desentendimentos e até efeitos danosos para a coletividade. Alguns dos principais impactos incluem:
Promoção da desconfiança
Quando fake news são compartilhadas entre amigos e familiares ou em ambientes de trabalho, a confiança mútua pode ser seriamente abalada. As pessoas podem começar a duvidar da veracidade das informações fornecidas umas pelas outras, criando um ambiente de suspeita e desconfiança que, caso persista, pode levar ao isolamento e marginalização do agente propagador constante desses conteúdos, que passa a ser evitado pelas demais pessoas.
Declínio da qualidade dos debates
Segundo o ministro Dias Toffoli do Supremo Tribunal Federal, em seu artigo “Fake news, desinformação e liberdade de expressão” de 2019, outro fenômeno relacionado às fake news é a polarização de opiniões na sociedade. Com cada vez mais pessoas recebendo conteúdos direcionados ao seu perfil, o contato com opiniões contrárias a sua visão de mundo é dificultado, criando uma espécie de “bolha” e enfraquecendo ou mesmo anulando o debate público, tão essencial para a democracia.
Saiba mais: Como países estão tentando se proteger dos efeitos das fake news?
Prejuízos à saúde pública
Diante da pandemia de Covid-19 reconhecida em 2020 pela Organização Mundial de Saúde (OMS) surgiu outra, a da desinformação. Inúmeras notícias falsas e informações sem comprovação científica chegavam aos olhos e ouvidos de brasileiros, com promessas de tratamentos milagrosos e menosprezando a letalidade do vírus.
Um relatório do Centro de Estudos e Pesquisas em Emergências e Desastres em Saúde (CEPDES) da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) que focou nos decretos estaduais publicados em março de 2020 concluiu que essa disseminação de fake news nas redes sociais não apenas prejudicou a adesão às medidas de distanciamento social, sobrecarregando o sistema de saúde, mas também encorajou o uso de tratamentos sem respaldo científico durante a pandemia de Covid-19.
O impacto da propagação de conteúdos falsos pode ser fatal, afetando diretamente a vida de muitas pessoas, uma vez que podem influenciar decisões de saúde, como a recusa de vacinação ou a adoção de tratamentos ineficazes e potencialmente perigosos. Essas escolhas baseadas em desinformação não apenas contribuem para perigos à própria saúde do indivíduo, mas também aumentam o risco de retorno de doenças evitáveis à sociedade, como a poliomielite.
Em 1989, o país celebrou o último caso da doença graças a uma campanha nacional de vacinação bem-sucedida. Contudo, o atual cenário de baixa cobertura vacinal, influenciado por movimentos antivacina, fez com que a OMS classificasse o risco da volta dela no Brasil como “altíssimo”, evidenciando os perigos da desinformação na saúde pública. Leia mais: Redes Sociais e Fake News: como a combinação impacta a sociedade?
Estratégias para lidar com fake news no grupo da família
Promova o diálogo aberto e respeitoso
Antes de entrar em um conflito direto com a sua tia ou tio sobre aquela postagem no grupo, busque entender a intenção deles com isso, uma vez que em alguns casos, a desinformação é compartilhada de forma despretensiosa, sem a intenção de causar dano.
Veja também: Aprenda como identificar as técnicas das fake news através do jogo IAgora?
Ao entender a motivação por trás do compartilhamento, você pode abordar o assunto de maneira mais empática e construtiva, evitando ridicularizar a outra pessoa. Isso cria um canal de comunicação mais tranquilo para apresentar seus pontos e preservar as relações, sem esquecer do seu compromisso com a verdade.
Fale sobre a importância da verificação de informações
Uma das maneiras mais eficazes de prevenir a disseminação de fake news é enfatizar para os seus familiares a importância de verificar as informações antes de compartilhá-las. Alguns pontos norteadores que ajudam nesse processo são:
- Credenciais do autor: verificar as credenciais de quem produziu o conteúdo é essencial para determinar a legitimidade e a competência do autor em relação ao tema abordado. Avalie se ele é um jornalista ou especialista no assunto, por exemplo, pois isso pode indicar maior confiabilidade;
- Origem e data da informação: ao encontrar com uma notícia, é fundamental checar de onde ela veio e a data em que foi publicada. Isso é importante para garantir que o conteúdo ainda é relevante e não está desatualizado. Muitos sites e blogs reproduzem notícias de outras fontes, por isso, confirme a fonte original e avalie sua credibilidade;
- Avaliação do texto e imagens: analisar o texto e as imagens expostas no material é crucial para considerar se contém exageros, apelos a emoções e omissão de informações importantes. Tais características podem indicar a presença de sensacionalismo, uma forma de apresentar informações de forma parcial, visando provocar fortes reações no receptor da mensagem. Além disso, realizar a leitura para além do título ajuda a evitar cair em armadilhas.
Apresente-os às agências de checagem
Hoje, há iniciativas dedicadas à checagem de informações que circulam na mídia e nas redes sociais, que podem ser utilizadas para facilitar a tarefa de confirmar a veracidade de alguma notícia que chega até o grupo da sua família. Elas atuam de maneira independente, analisando e verificando dados, fontes e declarações. Algumas delas, como Aos Fatos, Lupa e o Projeto Comprova são exemplos de fontes confiáveis que podem ajudar na verificação de informações.
Lidar com fake news no grupo da família pode ser um desafio, mas é uma oportunidade para promover a educação midiática e reforçar o seu pacto com a verdade. Ao abordar o assunto com empatia, compartilhar informações e ferramentas úteis, você contribui para a construção de um espaço consciente e protege aqueles que ama dos efeitos nocivos que a desinformação pode trazer.
E aí, gostou de saber mais sobre como lidar com fake news no grupo da família? Restou alguma dúvida? Se sim, deixe-a nos comentários!
Referências:
- 4 em cada 10 brasileiros afirmam receber fake news diariamente – CNN Brasil
- Quase 90% dos brasileiros admitem ter acreditado em fake news – Agência Brasil
- Pesquisa: notícias falsas circulam 70% mais do que as verdadeiras na internet – Agência Brasil
- Pesquisa inédita identifica grupos de família como principal vetor de notícias falsas no WhatsApp – BBC News Brasil
- A farsa do Plano Cohen e o autoritarismo no Estado Novo – Guia do Estudante
- Desinformação ou fake news: qual a diferença? – desinformante
- UNICEF/BemTV. (2022). Muito Mais que Fake News [cartilha]. Disponível em: <https://www.unicef.org/brazil/relatorios/muito-mais-que-fake-news>.
- TOFFOLI, Dias. Fake news, desinformação e liberdade de expressão. Interesse Nacional, São Paulo, ano 12, n. 46, p. 9-18, jul./set. 2019.
- FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ. Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca. Centro de Estudos e Pesquisas em Emergências e Desastres em Saúde (Cepedes) A gestão de riscos e governança na pandemia por COVID-19 no Brasil: análise dos decretos estaduais no primeiro mês: relatório técnico e sumário executivo. Rio de Janeiro, 2020. 78 p.
- Ignorar ou debater? Brasileiros lidam com fake news em grupos de família – UOL VivaBem
- Como incentivar família e amigos a parar de espalhar fake news sobre saúde – CNN Brasil
- Família e fake news: como lidar com os conflitos? – Dialogando