Os jogos de azar online, como o “jogo do tigrinho“, estão cada vez mais populares no Brasil. Essa crescente popularidade tem gerado debates sobre a regulamentação desses jogos e os riscos associados à ludopatia.
Pensando nisso, a Politize! preparou este texto para explicar o que é ludopatia e como lidar com essa patologia.
Jogos de azar: entre a legalização e a ludopatia
Seja como hobby ou em busca de uma renda extra, para entender a ludopatia, é essencial conhecer seu contexto. No Brasil, essa prática, influenciada por costumes europeus, ganhou popularidade a partir da década de 1930, durante a Era Vargas.
O Código Penal brasileiro define jogos de azar como aqueles em que o ganho e a perda dependem exclusivamente ou principalmente da sorte. Isso inclui desde os tradicionais bingo e jogo do bicho até o moderno “jogo do tigrinho“.
A proibição dos jogos de azar pelo presidente Eurico Gaspar Dutra, em 1946, marcou o fim da “Era das Jogatinas”.
Apesar da aparência vibrante e inofensiva, esses jogos escondem problemas graves. Com uma série de estratégias que “prendem” os jogadores, os casos de ludopatia têm se tornado cada vez mais comuns.
Da evolução à possível regulamentação
Os debates sobre esses jogos são uma pauta recorrente na agenda política. Mas por que, mesmo proibidos, eles continuam crescendo? A resposta é complexa e envolve fatores que vão desde o Marco Civil da Internet até a alta demanda estabelecida por essa indústria no país.
A globalização e a divulgação em massa dos jogos online tornaram a regulamentação uma necessidade. Um exemplo é o PL 2.234/2022, que propõe a legalização de cassinos e bingos sob regras do governo.
A proposta divide opiniões devido à sua complexidade. Por um lado, pode impulsionar a economia e o turismo no país; por outro, aumenta as preocupações com os casos de ludopatia.
Afinal de contas, o que é a ludopatia?
A ludopatia, ou jogo patológico, é uma condição médica caracterizada pela compulsão por jogos de azar. Embora esses jogos existam há milênios, a ludopatia só foi formalmente reconhecida como distúrbio mental em 1980.
Ao incluir a ludopatia no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, da Associação de Psiquiatria Americana, a comunidade médica deu um passo fundamental para que a Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Código Internacional de Doenças (CID) reconhecessem esse distúrbio como um transtorno do controle de impulso, permitindo um tratamento mais adequado.
Mesmo com esse reconhecimento, a ludopatia ainda carece de pesquisas aprofundamento que ajudem a população a entender seus riscos.
“A nova face do jogo patológico vem com uma aparência de segurança e licitude, mas, na verdade, estamos expondo as pessoas aos mesmos riscos ou até maiores”, afirma o psiquiatra Antonio Carlos Cruz Freire, professor do Departamento de Neurociências e Saúde Mental da UFBA, em entrevista ao Estadão.
Sintomas da ludopatia
A ludopatia se manifesta de diversas formas, mas alguns sinais comuns incluem agressividade, isolamento social, oscilações de humor e desinteresse por outras áreas da vida, conforme descrito no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais.
Para o psiquiatra Cláudio Duarte, que trata pacientes com ludopatia no Hospital Santa Mônica, cada caso deve ser analisado individualmente. Ele destaca outros comportamentos que podem indicar um vício patológico em apostas, como a necessidade crescente de apostar, pensamentos desconexos e problemas financeiros.
Outro ponto de preocupação entre especialistas é o impacto dos jogos de azar no cérebro. No livro Dependências Não Químicas e Compulsões Modernas, a psicóloga Juliana Bizeto explica que, como outras adições, o transtorno do jogo passa pelos ciclos de dependência, tolerância e abstinência.
Estudos da The Lancet Psychiatry mostram que o cérebro de um ludopata é diferente do de uma pessoa sem o vício, com maior atividade nas regiões do córtex pré-frontal (tomada de decisão), córtex frontal (emoções) e ínsula (sistema nervoso).
A desigualdade social e econômica também aumenta o risco de vício em jogos, segundo a psicóloga Fernanda Gomes Torres.
“Vivemos em uma ideologia meritocrática, que enfatiza a necessidade de conquistar o próprio dinheiro, o que atrai algumas pessoas, principalmente aquelas em busca de uma solução fácil, como o dinheiro dos jogos de azar” afirma a psicóloga.
Principais causas da ludopatia
As causas do vício em jogos de azar são complexas e multifatoriais, envolvendo fatores genéticos, biológicos, psicológicos e sociais. A exposição precoce aos jogos e a fuga de problemas emocionais, como ansiedade, depressão ou estresse, também contribuem para o desenvolvimento do vício.
O perfil dos jogadores é considerado na análise das causas. Uma pesquisa do Datafolha apontou que 30% dos jovens de 16 a 24 anos e 25% das pessoas entre 25 e 34 anos já fizeram alguma aposta pela internet, sendo 21% do sexo masculino.
Como tratar a ludopatia?
O primeiro passo para superar a compulsão é buscar ajuda de profissionais qualificados. O tratamento, geralmente multidisciplinar, é essencial para lidar com as diversas facetas desse vício.
As opções de tratamento para a ludopatia variam e podem incluir terapias psicológicas, como a terapia cognitivo-comportamental (TCC), além de grupos de apoio e medicação, quando necessário.
Além do tratamento para quem sofre com a patologia, o neurocientista e professor do Hospital das Clínicas de São Paulo, Fernando Gomes, ressalta que os desafios da ludopatia também afetam os familiares e destaca a necessidade de um tratamento que atenda a todos.
“É preciso terapia para toda a família e pessoas envolvidas, porque o paciente pode mentir e comprometer o patrimônio dos filhos, cônjuges e até o dinheiro para comprar comida”, conclui Gomes.
Em uma sessão do grupo de trabalho da Câmara dos Deputados, que discute a criação do Marco Regulatório dos Jogos no Brasil, o psiquiatra Hermano Tavares, especialista em transtorno do jogo, alertou para o aumento no número de brasileiros viciados em jogos e defendeu que o Sistema Único de Saúde (SUS) amplie a rede de apoio para esses dependentes.
Tavares também destacou que o número de centros de saúde capacitados a lidar com o vício é insuficiente para a alta demanda que a legalização pode trazer. No entanto, segundo o coordenador do grupo de trabalho, João Carlos Bacelar Batista (PV-BA), o SUS não consegue ampliar esse atendimento pela falta de dados concretos.
Onde buscar ajuda?
Identificar um problema nem sempre é fácil, e encontrar um local adequado para tratamento pode ser um desafio que contribui para o diagnóstico tardio do distúrbio.
Como mencionado anteriormente, a busca por tratamento e orientação deve ser feita com a ajuda de profissionais qualificados. Para facilitar essa busca, separamos alguns locais que oferecem suporte:
- Sistema Único de Saúde (SUS);
- Centros de Atenção Psicossocial (Caps);
- Jogadores Anônimos;
- Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (Ipq USP);
- Programa Ambulatorial do Jogo Patológico do Instituto de Psiquiatria da USP;
- Centro de Valorização da Vida (CVV).
Se preferir um atendimento mais individualizado, você também pode encontrar ajuda em consultórios particulares de psicólogos ou psiquiatras. Lembre-se: se você ou um conhecido apresentar sinais de ludopatia, busque ajuda e cuide-se!
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Referências:
- AGÊNCIA BRASIL. Legalização de jogos de azar ainda divide opiniões.
- AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais: DSM-3. 5. ed., 1980, p. 304-305.
- BBC News. Rodrigo Pacheco diz que legalizar jogos de azar e apostas esportivas é ‘caminho para arrecadação sustentável’
- BBC News. O acontece no nosso cérebro que nos faz ficar viciados em jogos de azar
- BRASIL ESCOLA. Governo Dutra.
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- DRÁUZIO VARELLA. Transtornos do controle de impulsos: quais são e como tratar.
- ESTADÃO. Bets, se fossem uma droga, seriam o crack, compara psicóloga.
- ESTADÃO. Com bets e tigrinho, médicos se preocupam com nova face do vício em jogo caça-níquel ambulante.
- ESTADÃO. Vício em apostas: como saber se você precisa de ajuda? Veja os principais perfis e sintomas.
- FOLHA DE S. PAULO. Apostas atraem jovens e chegam a 15% da população que diz gastar R$ 263 por mês, mostra Datafolha.
- G1. Tigrinho: Fazenda deve publicar neste mês portaria sobre apostas on-line Portaria que
- IG. Vício em bets pode se tornar doença; conheça os sintomas da ludopatia.
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- JOGADORES ANÔNIMOS. Jogadores Anônimos
- JUSBRASIL. Por moral e bons costumes, há 70 anos Dutra decretava fim dos cassinos no Brasil.
- NÓS MULHERES DA PERIFERIA. Cearense conta como vício no jogo do Tigrinho levou irmã à morte.
- PLANALTO. Decreto-Lei 9215.
- POLITIZE!. A Constituição de 1946.
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- POLITIZE!. Jogo do Tigrinho: entenda a polêmica por trás do jogo de azar
- POLITIZE!. O que é o Marco Civil da Internet?
- REVISTA FORUM. PL dos Bingos e Cassinos: entenda projeto em análise no Senado.
- THE LANCET. The prevalence of gambling and problematic gambling: a systematic review
- UOL. ‘Conheci o jogo por um influencer’: jovens lutam contra o vício em apostas.
- VALOR ECONÔMICO. Jogo do Tigrinho pode ser favorecido por PL dos jogos de azar. Entenda.